Homilia do Núncio Apostólico em Portugal na festa de S. Josemaría

«S. Josemaría teve a intuição de entender e de proclamar bem alto que não se tratava de ser santo "apesar" da vida normal, mas que é "através" das incidências diárias da vida normal que a maioria dos cristãos pode e deve alcançar a santidade.»

Respondendo ao amável convite que me foi feito pelo Rev.do Mons. José Rafael Espírito Santo, é com o muito prazer que presido a esta Santa Eucaristia e me associo a toda a família da Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei que, com ânimo agradecido, dá graças ao Senhor pelo dom concedido à Igreja na pessoa de S. Josemaría Escrivá, para quem a nossa atenção e a nossa oração hoje se dirigem.

Falando do novo santo, alguns dias depois da sua canonização, a 7 de Outubro de 2002, o Santo Padre João Paulo II dizia que "S. Josemaría Escrivá foi escolhido pelo Senhor para anunciar a vocação universal à santidade e para indicar que a vida de todos os dias, as actividades comuns, são um caminho de santificação". Por isso concluía, "poder-se-á dizer que ele foi o santo da normalidade".

Acabámos de escutar no Evangelho as palavras que Jesus dirige a uma personagem anónima, e portanto a todos os fiéis indistintamente: “Tu, vai anunciar o Reino de Deus”. Estas palavras indicam bem a missão confiada a S. Josemaría Escrivá, o fundador do Opus Dei, a quem Deus pedia que recordasse a todos os cristãos as mais altas exigências derivadas do seu Baptismo. Por isso, iniciando esta celebração eucarística, pedimos ao Senhor a intercessão deste Santo, por Deus escolhido "para anunciar a vocação universal à santidade e ao apostolado...», para que também nós possamos identificar-nos com Cristo e servir com amor ardente a obra da Redenção (Oração Colecta).

A celebração de hoje convida-nos, portanto, através das leituras que acabámos de escutar e à luz do exemplo da vida de S. Josemaría Escrivá, a meditar sobre a vocação de todos nós que, por graça de Deus, nos professamos cristãos.

Na 1ª Leitura vemos Elias que lança a sua capa sobre Eliseu e Eliseu entende claramente que se trata de um chamamento divino. Por isso, depois de ter queimado o arado com que lavrava a terra e de se ter despedido dos seus, seguiu Elias, ficando ao seu serviço (cf. 1 Reis 19, 16b. 19-21).

A “capa” que o Senhor lançou a Josemaría Escrivá, quando era ainda muito jovem, foi o exemplo penitente de um carmelita. Ao contemplar as pegadas nuas deixadas pelo religioso na fria neve, pensou de si para consigo: se outros fazem estas coisas por Deus, o que não poderei fazer eu? Foi assim que começou a ter o pressentimento do chamamento do Senhor, para o qual se foi preparando, rezando intensamente a Deus e à Santíssima Virgem, para que lhe fizessem conhecer a Sua vontade.

Foi no dia 2 de Outubro de 1928 que Josemaría viu claramente o que o Senhor lhe pedia: o anúncio da vocação universal à santidade e ao apostolado! O Senhor pedia-lhe para recordar às pessoas de todas as raças e condições sociais, assim como de todas as profissões, que Deus passa e Se manifesta por elas no seu dia a dia e lhes lança a "capa" do seu Amor incondicional.

Em 1928, o chamamento universal à santidade aparecia como uma novidade; mais ainda, que a santidade se pode concretizava na vida corrente e ordinária.

S. Josemaría teve a intuição de entender e de proclamar bem alto que não se tratava de ser santo apesar da vida normal, mas que é através das incidências diárias da vida normal que a maioria dos cristãos pode e deve alcançar a santidade. Por isso dizia: «Quando a fé vibra na alma, descobre-se (...) que os passos do cristão não se separam da sua vida humana corrente e habitual e que esta santidade grande, que Deus nos exige, se encerra aqui e agora, nas pequenas coisas de cada dia» (Amigos de Deus, 312).

S. Josemaría ensina-nos, pois, que a santidade não é uma utopia ou uma meta reservada a poucos, porque, segundo ele, qualquer actividade, independentemente do facto de ser relevante ou insignificante aos olhos dos homens, quando se exerce numa perspectiva de fé, é ocasião de amor a Deus e ao próximo, e portanto torna-se santificada e santificante.

Há pouco tempo, o Santo Padre João Paulo II, na sua Exortação Apostólica A Igreja na Europa recordava que um dos motivos de esperança para a nova evangelização da Europa era precisamente a santidade de tantos filhos da Igreja, tantos que passaram escondidos, tantos que quiseram escutar sem medo as palavras de Jesus: “Tu, vai anunciar o Reino de Deus”. Escreve o Santo Padre: «Como não pensar nos inumeráveis filhos da Igreja que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social? Todos eles, como ‘pedras vivas’ aderentes a Cristo ‘pedra angular’, construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando aos vindouros a herança mais preciosa» (João Paulo II, A Igreja na Europa,14).

Ao traçar o programa da Evangelização para o Terceiro Milénio, o Santo Padre reafirma que é primordial para cada cristão ocupar-se da sua santificação pessoal. E, citando S. Paulo quando diz que "esta é a vontade de Deus: a vossa santificação" (1 Tes 4, 3), escreve: «É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, mas ‘os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade’» (João Paulo II, No início do Novo Milénio, 30).

Nesta tarefa da santificação, é preciso deixar actuar o Artista Divino, o Espírito Santo, que se ocupa das almas, uma a uma, como bem nos lembra a 2ª Leitura: «Por isso vos digo: Deixai-vos conduzir pelo Espírito e não satisfareis os desejos da carne» (Gálatas, 5, 16).

S. Josemaría chamava ao Espírito Santo o “Grande Desconhecido”, porque verificava com pena que, para alguns, é apenas um nome que se pronuncia, mas que não é Alguém com Quem se fala e de Quem se vive (cf. S. Josemaría, Cristo que passa, 134). Quando era um jovem sacerdote, o seu director espiritual, aconselhou-o um dia a escutar o Espírito Santo. Foi um conselho que o deslumbrou e que o levou a intensificar a oração à Terceira Pessoa. Aconselhava a que todos O quiséssemos escutar, muitas vezes pela oração pessoal, outras muitas pelos ensinamentos da Igreja que estão ao alcance de qualquer cristão. Lembrava: «O Espírito Santo é o Espírito enviado por Cristo, para operar em nós a santificação que Ele mereceu para nós na Terra. É por isso que não pode haver fé no Espírito Santo, se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo, nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo. Não é coerente com a fé cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo, quem não ama a Igreja, que não tem confiança nela» (S. Josemaría, Cristo que passa, 130).

Qualquer cristão que deseje verdadeiramente anunciar o Reino de Deus, considerará como um tesouro as palavras que o Espírito foi gravando na sua Igreja ao longo dos séculos, fazendo que a Igreja tirasse do tesouro do Evangelho coisas novas e velhas, para o bem espiritual de todos.

No Evangelho escutávamos ainda como o Senhor envia os seus discípulos e pede a todos uma entrega total: «Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a decisão de se dirigir a Jerusalém e mandou mensageiros à sua frente» ( Lucas, 9, 51).

É muito importante que todos entendamos o nosso papel fundamental na obra da Redenção. O Senhor conta com todos, “manda mensageiros à sua frente”, para que Ele próprio possa penetrar em todos os ambientes desta terra. De facto, o mundo é de Deus, mas o Senhor pede licença a cada coração dos homens, para tomar posse do mundo. Deseja que O convidemos a estar no meio do nosso trabalho, da nossa família, dos nossos afãs diários, que não O coloquemos entre parêntesis, que não O releguemos para a Missa dominical, que não nos envergonhemos d’Ele quando se trata de actuar como cristãos, como amigos seus.

Escutemos ainda o Papa João Paulo II: «É imprescindível o contributo dos fiéis-leigos para a vida eclesial; têm na verdade um lugar insubstituível no anúncio e serviço do Evangelho da esperança, porque, por meio deles, a Igreja de Cristo torna-se presente nos mais diversos sectores do mundo, como sinal e fonte de esperança e de amor. Participantes de pleno direito na missão da Igreja no mundo, os fiéis-leigos são chamados a mostrar como a fé cristã constitui a única resposta cabal às questões que a vida põe a todo o homem e a cada sociedade, e a introduzir no mundo os valores do Reino de Deus, promessa e garantia duma esperança que não desilude» (João Paulo II, A Igreja na Europa, 41).

Tu, vai anunciar o Reino de Deus

As palavras que S. Josemaría escutou e procurou levar à prática sem reservas, ecoaram com idêntica intensidade em milhares de corações. O carisma recebido deu origem à Prelatura do Opus Dei, que pela sua natureza hierárquica, pela convergência orgânica de sacerdotes e leigos, tendo à cabeça o próprio Prelado, “faz com que”, como disse o Santo Padre, “a missão peculiar da Prelatura convirja no empenho evangelizador de cada Igreja particular” (João Paulo II, Audiência de 17-III-2001). Ao evocar a festa de S. Josemaría, pretendemos uma vez mais incorporar à nossa vida a consciência do chamamento universal à santidade que nos deve levar a todos a repetir, sem receio, a qualquer cristão: “Tu, vai anunciar o Reino de Deus”, o Reino que é para Ti e para todos aqueles a quem tu fales.

À Nossa Senhora, Mãe da esperança e da consolação, Rainha dos Apóstolos, dirigimos a nossa súplica, com palavras de João Paulo II: «Maria, Mãe da esperança, caminhai connosco! Ensinai-nos a anunciar o Deus vivo; ajudai-nos a dar testemunho de Jesus, o único Salvador; tornai-nos serviçais com o próximo, acolhedores com os necessitados, obreiros da justiça, construtores apaixonados dum mundo mais justo; intercedei por nós que agimos na história certos de que o desígnio do Pai se realizará» (João Paulo II, A Igreja na Europa, 125).

D. Alfio Rapisarda

Núncio Apostólico em Portugal

Homilia da Missa de S. Josemaría Escrivá de Balaguer

Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, 26-06-04