No dia 26 de junho de 1975, o último da sua vida na terra, o Padre levantou-se à hora acostumada. Ajudado pelo Pe. Javier Echevarría, celebrou a Missa de Nossa Senhora no oratório da Santíssima Trindade, às sete e cinquenta e três. Eu também celebrei a essa hora, na sacristia maior, porque naquela manhã o nosso Fundador desejava ir com o Pe. Javier e comigo a Castelgandolfo, para despedir-se das suas filhas de Villa delle Rose, já que estávamos em vésperas de sair de Roma. Sentia-se fisicamente bem, e nada fazia prever o que aconteceria pouco depois. (...)
Por volta das dez e meia, chegamos finalmente a Villa delle Rose. Esperavam na garagem algumas das suas filhas. O Padre leva-lhes, como sempre, uns presentes: nesse dia, um pato de cristal lavrado e um pacote de caramelos. O Padre costumava distribuir os presentes que recebia.
Comentou no corredor que eram as suas últimas horas em Roma antes do verão e que oficialmente já não estava para ninguém, a não ser para as suas filhas. Dirigiu-se ao oratório para cumprimentar o Senhor e ficou uns momentos ajoelhado diante do sacrário; beijou a cruz de madeira e encaminhou-se para a “sala dos leques”, onde teria lugar o encontro.
Ao entrar, dirigiu o olhar a um quadro de Nossa Senhora, uma pintura a óleo em que o Menino Jesus aparece esmeradamente penteado, bochechudo e corado, abraçado ao pescoço da Mãe, que lhe oferece uma rosa amarela. É um quadro que procede da família dos Escrivá e que se encontrava no quarto do Centro da rua de Diego de León onde morreu a mãe do nosso Fundador. A divina Providência quis que essa Virgem do Niño peiñadico (“a Virgem do Menino penteadinho”) recebesse também um dos últimos olhares do Padre.
As suas filhas responderam em voz sonora à sua saudação e disseram-lhe que estavam muito contentes por ter vindo. O Padre comentou-lhes sorrindo: “que boa voz tendes!”. Depois sentou-se numa cadeira, cedendo-me uma poltrona de braços que lhe tinham preparado. Repetiu que estava prestes a partir de Roma e acrescentou: “tinha muita vontade de vir. Estamos aproveitando estas últimas horas de permanência em Roma para acabar umas coisas pendentes; de modo que já não estou para os outros: só para vós”.

Depois falou de como todos os cristãos devem ter alma sacerdotal e deteve-se a falar do amor ao Papa e à Igreja. Referiu-se também aos três primeiros sacerdotes da Obra e aos cinquenta e quatro dos seus filhos que seriam ordenados alguns dias mais tarde: “ontem celebrastes o aniversário da ordenação dos três primeiros sacerdotes e estareis a pedir pelos cinquenta e quatro que agora vão ser ordenados. Cinquenta e quatro: parece muito, e neste momento – pensando no que se está a passar por aí – é uma coisa incrível. No entanto, são muito poucos: desaparecem rapidamente. Como vos digo sempre, esta água de Deus que é o sacerdócio, a terra da Obra bebe-a a correr. Desaparecem rapidamente”.
“Tendes alma de sacerdote, digo-vos como sempre faço quando venho aqui. Os vossos irmãos leigos têm também alma sacerdotal. Podeis e deveis ajudar com essa alma sacerdotal; e com a graça do Senhor e o sacerdócio ministerial em nós, sacerdotes da Obra, faremos um trabalho eficaz”.
Contaram-lhe alguns episódios apostólicos, e aproveitou a ocasião para as animar a serem fiéis nas pequenas coisas de cada dia e no cumprimento das práticas piedosas do Opus Dei: “Imagino que aproveitais bem o tempo, que descansais um pouco, que fazeis algum desporto e algumas excursões”.
“Imagino que, acima de tudo, me cumpris muito bem as Normas (isto é, as nossas práticas de piedade), e que de tudo descobris motivo para tratar a Deus e à sua Mãe bendita, nossa Mãe, e a São José, nosso Pai e Senhor, e aos nossos Anjos da Guarda, para ajudar esta Igreja Santa, nossa Mãe, que está tão necessitada, que está a passar tão mal no mundo, nestes momentos. Devemos amar muito a Igreja e o Papa, seja ele quem for. Pedi ao Senhor que o nosso serviço à sua Igreja e ao Santo Padre seja eficaz”.
Não deixou em nenhum momento de animar aquela conversa tão agradável e edificante. Uma das presentes falou-lhe dos frutos apostólicos de uma catequese realizada num país da América do Sul, e o Padre precisou: “Tem em conta que não era fruto vosso: era fruto da Paixão do Senhor, da dor do Senhor; dos trabalhos e das penas suportadas com tanto amor pela Mãe de Deus; da oração de todos os vossos irmãos; da santidade da Igreja. Na aparência, manifestava-se como fruto do vosso trabalho, mas não tenhais o orgulho de pensar que é assim.
A reunião foi breve: durou menos de vinte minutos, porque o Padre começou a sentir-se cansado. Antes de terminar, renovou o ato de amor à Igreja e ao Papa que pronunciara em tantas ocasiões. Poucos minutos depois, sentiu-se pior. O Pe. Javier e eu acompanhamo-lo ao quarto do sacerdote, onde descansou uns momentos.

Nós, como também as diretoras do Centro, insistíamos em que descansasse um pouco mais. O Padre negou-se, talvez para recordar-nos mais uma vez que os sacerdotes do Opus Dei só permanecem nos Centros femininos o tempo indispensável para cumprirem o seu ministério sacerdotal.
Quando parecia que se tinha refeito, decidiu regressar imediatamente a Roma e foi até ao oratório, onde novamente se deteve uns instantes, despedindo-se do Senhor. Enquanto ia para a garagem, interessou-se pelas suas filhas que ia encontrando e, com o seu bom humor habitual, brincou: perdoai-me, filhas, pelo aborrecimento que vos causei. E acrescentou: Pax, minhas filhas. Depois, já dentro do carro, cumprimentou carinhosamente as que nos abriram a porta da garagem: minhas filhas, adeus. Era por volta das onze e vinte.
O Padre voltava de Villa delle Rose indubitavelmente cansado, mas sereno e contente. Atribuiu aquele mal-estar ao calor e pediu a Javier Cotelo que o levasse a Roma “per breviorem”, pelo caminho mais curto. Entretanto, continuou a conversar connosco, embora tenha sido uma conversa um pouco descontínua, porque estávamos impacientes por chegar quanto antes a Villa Tevere e fazê-lo descansar. Javier conduziu a toda a pressa, mas com cuidado, para evitar um possível enjoo.
Chegámos a casa em pouco mais de meia hora. Às onze e cinquenta e sete entramos na garagem de Villa Tevere. Esperava-nos à porta um membro da Obra. O Padre desceu rapidamente do carro, de rosto alegre e movimentos ágeis, tanto que se voltou para fechar pessoalmente a porta. Agradeceu ao filho que o tinha ajudado e entrou em casa.
Cumprimentou o Senhor no oratório da Santíssima Trindade e, como de costume, fez uma genuflexão pausada, devota, acompanhada de um ato de amor. A seguir, subimos até o meu escritório, que era o quarto onde trabalhava habitualmente, e, poucos segundos depois de ter passado pela porta, chamou: Javi! O Pe. Javier Echevarría tinha ficado para trás, a fim de fechar a porta do elevador, e o nosso Padre repetiu com mais força: Javi!; e depois, em voz mais fraca: “Não me sinto bem”. Imediatamente, caiu no chão.
Recorremos a todos os meios possíveis, espirituais e médicos. Assim que percebi a gravidade da situação, dei-lhe a absolvição e a Unção dos Enfermos, como sempre fora seu ardente desejo: ainda respirava. Tinha-nos suplicado infinitas vezes, com toda a força, que não o privássemos desse tesouro.

Foi uma hora e meia de luta, cheia de amor filial (...). Apesar dos nossos esforços, o Padre não recuperou da paragem cardíaca. Resignamo-nos quando vimos que o eletrocardiograma era retilíneo.
À uma e meia, saí do quarto e convidei os outros membros do Centro do Conselho Geral, que estavam na antiga sala de reuniões rezando e chorando contidamente, a entrar e rezar diante dos restos do nosso queridíssimo Fundador.
Todos nos ajoelhámos à volta do seu corpo e beijámos-lhe as mãos e a testa com imenso afeto, cheios de lágrimas. Alguns não podiam acreditar: pensavam que se tratava apenas de um erro e que o nosso Fundador iria recuperar ou que talvez Deus quisesse que lhe pedíssemos com muita fé o milagre de o fazer voltar à vida. Rezámos o responso e continuámos a rezar, destroçados pela dor, sem poder e sem querer conter as lágrimas.
O corpo do nosso Fundador estava estendido, junto à parede presidida por um grande crucifixo, no chão do meu gabinete; por baixo, tínhamos colocado a colcha da minha cama, coberta com um lençol limpo. Na parede oposta, estava a imagem da Virgem de Guadalupe, que tinha recebido o seu último olhar de amor.
Para nós, era sem dúvida uma morte repentina; para o nosso Fundador, pelo contrário, foi algo que vinha amadurecendo – atrevo-me a dizê-lo – mais na sua alma do que no seu corpo, porque cada dia era maior a frequência com que oferecia a sua vida pela Igreja e pelo Papa. (...)
Havia muitos anos que oferecia a Deus a sua vida, e mil vidas que tivesse, pela Santa Igreja e pelo Papa. Era esta a intenção de todas as suas Missas, como também foi da que celebrou em 26 de junho de 1975: nesse dia o Senhor aceitou o seu sofrimento.
(...) O nosso Fundador foi sepultado na cripta do oratório de Santa Maria da Paz, em 27 de junho de 1975, no dia seguinte ao da sua morte.