"Ele encherá as redes de frutos"

Homilia do Prelado do Opus Dei na festa de São Josemaría Escrivá (Roma, 25 junho 2011). "As nossas aspirações serão ultrapassadas pelas maravilhas de Deus", disse com palavras do Fundador.

1. Antecipámos um dia a celebração da festa litúrgica de São Josemaria porque amanhã, aniversário da sua passagem para o Céu, coincide este ano com a festa do Corpus Christi**. Esta circunstância, no entanto, pode ajudar a prepararmo-nos melhor para uma solenidade tão grande. O nosso Padre preparava-a com muito amor e continuava a celebrá-la também nos dias seguintes, durante a oitava que então prescrevia a liturgia, adorando Jesus no Santíssimo Sacramento, agradecendo que tenha ficado connosco sob as espécies eucarísticas, desagravando pelas ofensas que recebe e pedindo pelo Papa, pela Igreja, pelo mundo inteiro.

Convido-vos a unir-vos a estes sentimentos que enchiam a alma de São Josemaria quando estava fisicamente entre nós. Recorramos a sua intercessão para que nos obtenha, da Santíssima Trindade, a graça de ser verdadeiramente almas eucarísticas: mulheres e homens que se empenham de verdade por fazer da Sagrada Eucaristia, dia após dia, o centro do seu trabalho, das suas aspirações e da sua existência inteira.

O que a ti te admira, a mim parece-me razoável. — Que Deus te foi buscar no exercício da tua profissão? Foi assim que procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto das redes; Mateus, sentado à mesa dos impostos...

Também me enche de alegria que hoje seja o aniversário da primeira ordenação sacerdotal de fiéis do Opus Dei: D. Álvaro del Portillo, Mons. José María Hernández Garnica e Mons. José Luis Múzquiz. Dos três está em curso a causa de canonização. Recorramos privadamente a estes três primeiros sacerdotes da Obra para que intercedam por cada um de nós.

Os textos litúrgicos da Missa de São Josemaria resumem os pontos fundamentais do espírito que, inspirado por Deus, começou a difundir desde 2 de outubro de 1928. A oração colecta resume-os bem: «Proclamar a vocação universal à santidade e ao apostolado», como filhos de Deus, no meio do trabalho profissional e nas circunstâncias da vida normal, para «servir com amor ardente a obra da Redenção», através de um trabalho apostólico pessoal de amizade e confidência. Hoje gostaria de me deter neste último aspeto, considerando a cena da pesca milagrosa que acabamos de escutar.

Nesta passagem do Evangelho, que narra a chamada ao apostolado dos primeiros discípulos de Jesus Cristo, descobre-se o modelo exemplar da vocação apostólica dos fiéis cristãos, aos quais o Senhor procura no meio da sua profissão. Em Caminho, já nos anos de trinta, São Josemaria escrevia:

O que a ti te admira, a mim parece-me razoável. — Que Deus te foi buscar no exercício da tua profissão? Foi assim que procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto das redes; Mateus, sentado à mesa dos impostos...[1].

Como o bom pai de família de que fala Jesus[2], São Josemaria soube retirar novas luzes da Palavra de Deus, mostrando como aspirar à santidade na vida corrente, tal como Bento XVI realça na sua exortação apostólica Verbum Domini[3]. Ao mesmo tempo, a pregação de São Josemaria situava-se no sulco aberto pelos Padres da Igreja. Já Santo Agostinho, comentando esta cena evangélica, tinha afirmado que os Apóstolos «receberam de Jesus as redes da Palavra de Deus, lançaram-nas ao mundo, como num mar profundo, e recolheram esse grande número de cristãos que vemos com assombro»[4]. São Cirilo de Alexandria acrescentava que «a rede se continua a lançar agora, quando Cristo chama à conversão aqueles que, segundo a palavra da Escritura, se encontram no meio do mar, quer dizer, no meio das ondas tempestuosas das coisas do mundo»[5] Agora toca-nos a nós prosseguir essa pesca divina, obedecendo ao mandato de Jesus, sob a orientação de Pedro, que é o mestre da barca. Os frutos, agora como então, serão copiosos: recolheram grande quantidade de peixes. Tantos, que as redes se rompiam (Lc 5, 6).

Talvez nalguma ocasião, como fazia notar o nosso Padre, vos possa vir à cabeça a ideia de que tudo isto é muito bonito, mas utópico, um sonho irrealizável; o mar do mundo em que vivemos está tão revolto! Afastemos imediatamente este pensamento, se alguma vez se apresentar, e peçamos ao Senhor que nos aumente a fé, com a certeza absoluta de que as nossas aspirações serão ultrapassadas pelas maravilhas de Deus[6]. A solenidade do Pentecostes, que celebrámos há duas semanas, mostra-nos que para Deus não há impossíveis: Ele encherá as redes de frutos se, da nossa parte, utilizamos em primeiro lugar os meios sobrenaturais — a oração, a mortificação, o trabalho realizado com perfeição humana e sobrenatural — e aproveitamos todas as ocasiões que se nos apresentem para aproximar as almas a Deus.

3. Fixemo-nos na atitude de Simão Pedro. Depois da dúvida inicial — tinha-se esforçado na pesca durante toda a noite, sem conseguir nada — confia no Senhor: sobre a Tua palavra lançarei as redes (Lc 5, 5). Cumpre-se então o milagre. Bento XVI salienta que «Pedro não podia imaginar, então, que um dia chegaria a Roma e seria aqui "pescador de homens" para o Senhor. Aceita essa chamada surpreendente a deixar-se implicar nesta grande aventura. É generoso, reconhece as suas limitações, mas acredita n’Aquele que o chama e segue o sonho do seu coração. Diz sim, um sim valente e generoso, e converte-se em discípulo de Jesus»[7].

O mesmo sucede connosco, se escutamos o Senhor e pomos em prática o que nos diz, como comenta o nosso Padre: se Me seguirdes, far-vos-ei pescadores de homens; sereis eficazes e atraireis as almas a Deus. Devemos, portanto, confiar nessas palavras do Senhor: meter-se na barca, pegar nos remos, içar as velas e lançar-nos a esse mar do mundo que Cristo nos deixa em herança. Duc in altum et laxate rectia vestra in capturam! (Lc 5, 4): fazei-vos ao largo e lançai as vossas redes para pescar[8].

A conduta de São Pedro, que confia em Jesus mais do que da sua experiência pessoal, constitui um precioso ensinamento para todos. Porque «também nós temos desejos de Deus, também nós queremos ser generosos, mas também nós esperamos que Deus atue com vigor no mundo e o transforme imediatamente de acordo com as nossas ideias»[9]. Com estas palavras, Bento XVI alerta para a única coisa que verdadeiramente poderia conduzir ao fracasso mais completo: pôr a confiança ou principalmente nas possibilidades ou nos esforços humanos, descuidando o recurso aos meios sobrenaturais. Seria um gravíssimo erro, porque o Senhor habitualmente «escolhe o caminho da transformação dos corações com o sofrimento e a humildade. E nós, como Pedro, devemos converter-nos sempre de novo»[10].

São Josemaria animava-nos a pedir à Santíssima Virgem, Rainha dos Apóstolos, para que as redes — ou seja, o nosso trabalho profissional, as nossas iniciativas, pessoais ou em colaboração com outros — se encham de eficácia ao serviço da Igreja. Que Ela nos ensinea viver de fé; a perseverar com esperança; a permanecer unidos a Jesus Cristo, a amá-l’O de verdade, de verdade, de verdade; a percorrer e saborear a nossa aventura de Amor, pois estamos apaixonados por Deus; a deixar que Cristo entre na nossa pobre barca e tome posse da nossa alma como Dono e Senhor[11]. 

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** - Note-se que, ao contrário de Portugal, há varios países em que a festa do Corpo de Deus não se celebra no dia próprio mas no domingo seguinte.

[1] São Josemaria, Caminho, n. 799.

[2] Cfr. Mt 13, 52.

[3] Cfr. Exort. apost. Verbum Domini, 30-IX-2010, n. 48.

[4] Santo Agostinho, Sermão 248, 2.

[5] São Cirilo de Alexandria, Comentário ao evangelho de São Lucas, homilia 12.

[6] São Josemaria, Cristo que passa, n. 159.

[7] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 17-V-2006.

[8] São Josemaria, Cristo que passa, n. 159.

[9] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 17-V-2006.

[10] Ibid.

[11] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 22.