A pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus, encerra uma riqueza e unidade insondáveis, que nunca chegaremos a compreender plenamente e que desperta o nosso anseio por penetrar, cada vez mais, na verdade do seu ser. Esta pretensão palpita no coração de todo o verdadeiro professor universitário; é a ânsia de poder exprimir algo mais sobre o homem e de enriquecer a nossa compreensão acerca da pessoa. Investigam-se as múltiplas dimensões do ser humano desde os mais diversos âmbitos e disciplinas, e ensaiam-
-se argumentos que possam dar uma explicação racional dos fenómenos sensíveis, psíquicos e espirituais.
As ciências a que dedicaram a vida os três novos doutores que hoje homenageamos, partilham com distintos métodos e em diferentes níveis, este esforço por aprofundar no conhecimento da pessoa humana e promover a sua dignidade. A brevidade da cerimónia impede-me de me deter de modo proporcional no elogio que estes homens do saber merecem. Penso que entendereis o meu sabor agridoce perante a necessidade de ser parco nas palavras, não no apreço, nem na estima, nem na admiração por cada um destes três ilustres professores.
No campo das ciências neurológicas, o Professor Tomas Hökfelt conseguiu resultados de grande importância. Unido ao reconhecimento internacional merecido pelas suas valiosas investigações no Instituto Karolinska, é preciso evidenciar o seu interesse por formar numerosos estudantes de todo o mundo. Esta atitude de generosa dedicação revela a categoria humana e cristã do Doutor Hökfelt, e constitui um exemplo eloquente de como tornar compatíveis um trabalho de alta exigência e perfeição, com o real apreço pelos seus colaboradores, aos que orienta e ajuda com atenta solicitude.
Ao investigar os mecanismos físicos e químicos reguladores do corpo humano, o cientista dá conta de que o método experimental não esgota a realidade, mas que -para a compreender cabalmente- se requer prestar atenção a outras ciências e procurar como último guia a dimensão sapiencial da teologia e da filosofia (1). Com palavras de João Paulo II, a Filosofia “contribui directamente para formular a pergunta acerca do sentido da vida e dar a resposta (2). Por isso, é caminho conhecer verdades fundamentais relativas à existência do homem” (3).
Mediante este saber, e mais concretamente no campo da lógica, o Doutor Ignacio Angelelli, professor da Universidade de Texas-Austin, desenvolveu um fecundo trabalho de investigação, internacionalmente reconhecido, e dedicou-se às tarefas docentes como bom mestre. Os seus resultados académicos e escritos são manifestação desta atitude de serviço aos outros, por meio da Filosofia.
Para uma compreensão profunda da pessoa humana, é preciso considerar também o seu carácter relacional e o seu saber comunicativo. O homem está essencialmente aberto a Deus, às outras pessoas humanas e, de modo diferente, ao universo físico. Cresce e atinge a sua plenitude na comunicação interpessoal. Na existência de cada um, poder transmitir uma ideia ou uma sensação, manifestar a intimidade para compartilhá-la com um ser querido, ou exprimir um fenómeno estético, são possibilidades que enriquecem o eu e confirmam o seu carácter relacional. O professor Alfonso Nieto, reitor da Universidade de Navarra durante mais de uma década, talvez apoiando-se na sua capacidade de trato humano e cristão, soube explorar a arte da comunicação em várias das suas formas contemporâneas. O seu esforço na defesa da pessoa dirigiu-se a compreender com maior profundidade a função humanizadora dos meios de Comunicação, que exigem uma responsabilidade e uma vocação de serviço, das que o Doutor Nieto se fez porta-voz.
Três professores de diferentes áreas académicas, com trabalhos que se unem harmonicamente no serviço em prol do ser humano. A defesa da pessoa constitui e constituirá sempre um aspecto essencial da mensagem da Igreja, como assinalou Sua Santidade João Paulo II: “A Igreja deseja servir a este único fim: que todo o homem possa encontrar Cristo, para que Cristo possa percorrer com cada um o caminho da vida, com a potência da verdade acerca do homem e do mundo” (4). A Prelatura do Opus Dei, nascida na Igreja e sendo uma parte da Igreja para a servir, tem a missão de abrir caminhos de vida cristã àqueles que desejam santificar-se através do trabalho profissional no meio das realidades seculares. Nos momentos históricos nos que algumas manifestações culturais, sociais e políticas oferecem concepções redutoras da criatura racional, ou mesmo abertamentamente contrárias à sua dignidade e destino eterno, é oportuno fazer ressoar audazmente outras palavras do Santo Padre quando afirma que o sentido da cultura deve ser a medida da pessoa humana (5).
A Universidade Austral, inspirada pela figura e mensagem de São Josemaría Escrivá, a partir do seu próprio âmbito -o da investigação e da docência- cultiva a aspiração de dar luzes e ser guia para construir uma nova cultura, na que todo o homem e toda a mulher vejam respeitada a sua mais íntima identidade e descubram nos seus corações a imagem de Deus Uno e Trino, em cuja Vida estão chamados a participar.
Não se trata de uma meta utópica, nem de uma mera declamação de intenções inoperantes. Estamos convencidos de que, como afirmou o Fundador do Opus Dei numa circunstância similar a esta, “a Universidade (...) ao estudar com profundidade científica os problemas, remove também os corações, espevita a passividade, desperta forças adormecidas e forma cidadãos dispostos a construir uma sociedade mais justa” (6). Temos que ter muito presente que uma Alma Mater, tem de manter sempre o desejo de fomentar, no seu Claustro, nos alunos e em todo o pessoal que aqui trabalha, o nobre afã de adquirir um sério e sólido prestígio profissional, entendido também como serviço, com o fim de transformar o nosso mundo em terra de honrada convivência, de leal e coerente adesão aos desígnios do Criador.
Muitas são as urgências perante as quais o espírito cristão não pode permanecer insensível (7), recorda-nos João Paulo II no novo milénio que começamos. Agradecemos a esforçada tarefa dos três novos Doutores que souberam responder a essas urgências com a sua dedicação esmerada e que estão decididos a seguir respondendo aos desafios que se lhes apresentam. Com a ajuda de Deus e a maternal intercessão de Nossa Senhora de Luján, desejo que todos dirijamos os nossos esforços e desvelos em uníssono, enfrentando assim os grandes desafios do nosso tempo.
(1) Cf. João Paulo II. C. Enc. Fides et Ratio, 14-IX-1998, n. 81.
(2) Ibid., n. 3.
(3) Ibid., n. 5.
(4) João Paulo II, C. Enc. Redemptor hominis, 4-III-1979, n. 13.
(5) João Paulo II, Discurso aos participantes no Encontro Mundial de docentes universitários, 9.IX-2000.
(6) São Josemaría Escrivá, Discurso no acto académico de doutores “honoris causa” pela Universidade Navarra, 7-X-1972, in Josemaría Escrivá de Balaguer y la Universidad, EUNSA, Pamplona 1993, p.98.
(7) João Paulo II, C. apost. Novo Millennio Ineunte, 6-01-2001, n.51.