Com o Papa em Aparecida

O vigário do Opus Dei na Argentina, Mons. Mariano Fazio, encontrou-se com o atual Papa Francisco na Assembleia Geral dos Bispos Latino-americanos e do Caribe que teve lugar em 2007 em Aparecida (Brasil). Nas linhas que se seguem expõe o seu testemunho pessoal sobre a atuação do então Cardeal Bergoglio naquela assembleia.

Em 2007 fui nomeado pelo Santo Padre Bento XVI perito da V Assembleia Geral dos Bispos latino-americanos e do Caribe, em Aparecida (Brasil). Nesse momento encontrava-me em Roma como reitor da Universidade Pontifícia da Santa Cruz. Havia já dezasseis anos que me tinha ausentado da Argentina e a relação com os Bispos do meu país era esporádica. Conhecia o então Cardeal Bergoglio de vários encontros em Roma e algum em Buenos Aires e sempre me tinha tratado com proximidade fraterna.

Quando cheguei a Aparecida comunicaram-me que ficaria no mesmo hotel em que ficavam os Bispos argentinos. Foi o Cardeal que me apresentou aos seus irmãos no episcopado e me convidou para fazer vida em comum com eles. Foi um pormenor de fina caridade, pois eu não pertencia à delegação argentina. Partilhei com ele refeições, caminhadas e trabalho. A sua proximidade emocionava-me.

Um dia, quando caminhávamos do nosso alojamento para o Santuário, comentou que ia abrigado, ainda que estivesse calor, porque tinha uma deficiência pulmonar desde a sua juventude que o obrigava a ter cuidado. Falou-me de amigos comuns, sempre de maneira positiva e afetuosa. Recordo um pormenor que talvez não tenha demasiada importância, mas que fala da sua grande humanidade; a nossa estadia em Aparecida coincidiu com uma das principais festas nacionais argentinas e nesse dia, embora a diocese de Aparecia servisse sempre vinho brasileiro ao jantar, o Cardeal quis obsequiar todos os que estavam no hotel com garrafas de vinho argentino.

Como é sabido, a importância destas assembleias reside no documento final. Por isso a Comissão de Redação é fundamental. O Cardeal Bergoglio foi eleito por uma enorme maioria dos votantes para presidente dessa Comissão. Empenhou-se seriamente nesse trabalho ficando até de madrugada para ir elaborando o documento, com a ajuda de outros Bispos e dos peritos. O resultado foi uma atualização dos desafios da Igreja na América Latina, vistos na ótica do discípulo de Cristo que deve encontrar-se pessoalmente com Jesus para se converter em missionário.

Muitas das indicações práticas do documento encaixam perfeitamente nas linhas pastorais que procurou aplicar na Arquidiocese de Buenos Aires. O fervor apostólico do discípulo que sai em busca dos afastados, evitando a auto-referencialidade do cristão é um de tantos elementos em que se vê claramente a sua influência.

Em declarações feitas num livro-entrevista, o Cardeal Bergoglio defende que a página mais bela do documento é a que se refere à religiosidade popular. Isto está em plena coerência com o seu interesse por impulsionar diferentes manifestações da piedade popular em Buenos Aires, desde a Via-Sacra multitudinária que se realiza todos os anos na Avenida de Maio, como a devoção que atrai autênticas multidões ao santuário da “Virgem Desata Nós” num bairro de Buenos Aires, imagem que o agora Papa importou de Augsburg, na Alemanha. Presidiu sempre à peregrinação a pé ao Santuário da Virgem de Luján, com uma participação que supera o milhão de pessoas.

Num artigo da sua autoria publicado após o encontro de Aparecida, expressava-se deste modo: “ A religiosidade popular tem um profundo sentido de transcendência e, ao mesmo tempo, é experiência real da proximidade com Deus, possui a capacidade de expressar a fé numa linguagem total que supera os racionalismos com rasgos contemplativos, que definem a relação com a natureza e com os outros homens, dá um sentido ao trabalho, às festas, à solidariedade, à amizade, à família e um sentimento de gozo na sua própria dignidade, que não se sente debilitada apesar da vida de pobreza e simplicidade em que se encontram”.

No recente encontro com a Presidente da Argentina, o Papa Francisco ofereceu-lhe um exemplar do documento de Aparecida. Em tom coloquial disse-lhe que lho oferecia para “ que se aperceba um pouco o que pensam os padres latino-americanos” . É um bom conselho também para todos os católicos, porque aí encontrarão algumas chaves do atual pontificado.

Revista “Palabra” – maio 2013