Correm e chutam com meias mal combinadas e sapatos em segunda mão, mas isso não preocupa os rapazes do United Football Club Navy (UFCN) . É mais divertido do que andar à procura de sucata de metal e plástico depois da escola.
O clube, sediado em Puerto Princesa, Palawan (Filipinas Ocidentais), superou as adversidades apesar dos seus começos instáveis e da falta de recursos. O UFCN é uma versão relançada de 2023 do Paragua Father and Son Football Club original, fundado em 2016. Tem como objetivo treinar alunos de escolas públicas e privadas na área de desportos como parte do seu desenvolvimento integral.
De 15 rapazes em 2016, cresceu para 120 jogadores de 5 a 19 anos, agrupados em quatro equipas. Oitenta por cento dos jogadores vêm de zonas pobres da cidade. Por meio do futebol, essas crianças e jovens desenvolveram novas capacidades e afastaram-se de gangues, drogas, jogos online e álcool.
Donalyn Canaricio, de 11 anos, diz: “Se eu não estivesse a jogar futebol, passaria as noites das 18h às 22h nas redes sociais e em jogos online.” Donalyn é uma das 10 jogadoras do clube.

Rachel Ann Dacir, dona de casa com dois filhos no clube, diz que o filho mais velho, Earl Jake, de 13 anos, costumava ser gordo e doente, mas perdeu peso, ficou com melhor cor e mais saudável, desde que começou a jogar futebol. Também passa menos tempo com jogos online.
O treinador principal do clube descobriu um talento incrível entre os seus jogadores. Quatro deles – três rapazes e uma rapariga – foram selecionados para jogar em torneios nacionais. Os jogadores talentosos recebem bolsas de estudo e o dinheiro ajuda-os a eles e às famílias.
Um deles, Billy Madarcos, de 13 anos, representará Puerto Princesa no Campeonato Nacional Batang Pinoy 2024. Filho de uma lavadeira, recebe um salário de 500 pesos filipinos por semana.
A falta de botas de futebol adequadas não impediu Billy de ser bom no desporto. Durante quatro anos, usou sapatos em segunda mão cobertos com fita adesiva na biqueira para evitar que batessem enquanto corria e chutava as bolas.

Joel Solivio, de 14 anos, vai recolher lixo depois da escola para ganhar dinheiro. É um avançado poderoso e um dos jogadores talentosos da equipa. O seu talento rendeu-lhe uma bolsa de estudos; recebe 500 pesos por cinco dias como ajuda para transportes e refeições ligeiras. Tem seis irmãos; o pai trabalha na manutenção num campo militar e a mãe trabalha como lavadeira. Com a bolsa, não precisa de recolher lixo com tanta frequência como antes.
Não só um clube
Juntamente com as regras de futebol, os jovens aprendem espírito desportivo, que percebem ser uma competência importante para a vida. Alexa Enriga, de 14 anos, diz que o futebol lhes ensinou “a saber perder com elegância. Em vez de chorar, aprendemos a encarar a perda como um desafio para compensar no jogo seguinte”.
Acrescenta: “Estar numa equipa ensina-nos a darmo-nos bem uns com os outros. Tentamos resolver as nossas diferenças, conversamos com os nossos colegas e resolvemos as diferenças antes do jogo”.
Daryl Loreno, de 16 anos, que joga desde os nove, diz: “No campo, não existe apenas um jogador bom. Ninguém acha que é melhor do que o outro. Nenhum deve tirar vantagem do outro porque precisamos uns dos outros”.
Um treinador disse uma vez que “o espírito de equipa, a preocupação constante com o bem comum, a disposição de sacrificar o ego e ajudar os outros a meterem o golo podem encontrar-se no mais alto grau no futebol”.

O desporto promove uma “cultura de inclusão”, diz o Papa Francisco, adepto de futebol. Pertencer a uma equipa desportiva “significa rejeitar todas as formas de egoísmo e isolamento – é uma oportunidade de conhecer e estar com os outros, de se ajudarem uns aos outros, de competir em estima mútua e crescer em fraternidade”.
Embora a maioria dos jogadores venha de famílias pobres, o clube também abrange crianças de classe média e famílias ricas. Todos são tratados da mesma forma: sejam ricos ou pobres, tenham sapatos e meias a combinar ou não. Isso vale também para Daryl, que é membro da tribo Tagbanwa. O povo Tagbanwa é um dos povos indígenas mais antigos das Filipinas, a viver principalmente no centro e norte de Palawan.
Jolly Huela, gerente da UFCN, diz que quando o clube começou, era “cada um por si”. Com o tempo, todos aprenderam a considerar-se como companheiros de equipa, aprendendo e cuidando uns dos outros.
Como pais, ela e o marido aprenderam a dar-se mais não apenas aos próprios filhos, mas também às outras crianças. “Aprendi a ser mais paciente. Percebo que o meu marido e eu precisamos de trabalhar mais para podermos continuar a prestar-lhes o nosso serviço. Este não é apenas um clube, mas uma família. Num clube, os pais cuidam apenas dos próprios filhos, ou talvez, dos amigos dos filhos. Aqui, os que temos mais, compartilhamos com os necessitados”.
Arroz com sal
Nida Fernandez, de 53 anos, coordenadora do clube, é de origens humildes. É a oitava de 10 filhos de um pescador e trabalha para o governo da cidade de Puerto Princesa como funcionária administrativa.

Nida tem três filhos no clube de futebol. “Eu consigo comprar sapatos e meias para os meus filhos – diz –, mas vi que a maioria dos rapazes não tinha dinheiro para comprar o equipamento adequado. Sou de um bairro pobre, mas fui ajudada a sair de lá. Agora é a minha vez de retribuir”.
Nida compra roupas e sapatos em lojas de segunda mão. Também escreve para empresas e indivíduos a pedir donativos para financiar os uniformes e mesadas dos rapazes. Conseguiu recolher 30 mil pesos de doadores privados e usou-os para comprar 45 pares de sapatos para os jogadores.
“Queremos fazer a diferença na vida dessas crianças, mesmo nas pequenas coisas”. Parafraseando São Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei, diz Nida: “As coisas pequenas tornam-se grandes quando são feitas por Amor”.
Rachel, que tem dois filhos no clube, diz que a maioria dos rapazes tiveram de se desembaraçar sozinhos porque os pais não conseguem sustentá-los. “Muitas vezes estão com fome, então habitualmente compramos pão e alimentamo-los antes de começarem o treino. Alguns deles não conseguem aparecer aos treinos por terem fome. Outros não conseguem ir porque não têm dinheiro para o transporte”.

Prinsipe Caleb Agas, de 8 anos, joga desde os quatro anos de idade. Recebe uma ajuda de 100 pesos por semana. Com 20 pesos por dia, o almoço dele é arroz, sal e água porque usa o dinheiro que sobra para comprar material escolar. Depois da escola, vai ao lixo e vende-o para comprar arroz para a família.
O clube deu aos miúdos um sentido de pertença, especialmente a Lhianne Barrameda, que foi expulsa de casa pela madrasta. Recebeu uma bolsa de 500 pesos por semana para prover às suas necessidades.
As crianças valorizam as amizades e as dormidas em casa do treinador. Nida diz: “Somos uma família para elas porque os seus próprios pais estão muito ocupados a tentar sobreviver”.
Acrescenta: “Outros clubes focam-se apenas no desporto. O nosso objetivo é o crescimento integral das crianças ensinando valores como respeito aos pais, espírito de serviço e generosidade para com os outros”.
Transmitir um crescimento integral foi o que atraiu Nida para o Opus Dei. Diz que o Opus Dei lhe deu a “bússola” para permanecer no caminho certo quando estava a passar por uma depressão causada por uma crise familiar em 2015. “Passei por cinco anos de intensa luta emocional e dor, mas Deus também me deu os meios para superar isso – a Missa diária e os sacramentos”.
O trabalho dela com o clube de futebol também tem sido terapêutico. Ensinou-a a esquecer-se de si mesma e das suas circunstâncias, algo que os rapazes também estão a aprender a fazer.

Ser dos desfavorecidos não significa que não se possa estender a mão para ajudar os outros. Em outubro passado, o clube ajudou a alimentar crianças num orfanato em Puerto Princesa. “Somos pobres, mas podemos compartilhar e servir aqueles que são pobres como nós”, diz Benjie Bonbon, de12 anos, filho de um comerciante itinerante de sucata.
Outra visita a um orfanato administrado pela Ordem Franciscana também fez as crianças aperceberem-se da sua sorte. “Ainda temos pais e podemos ir à escola. Podemos servir os outros mesmo se não tivermos nada”, diz Reynald Geli, de 12 anos, filho de um trabalhador. Durante a visita, os rapazes ensinaram os órfãos a jogar futsal.
“Pede os sapatos emprestados”
Atender às necessidades das crianças com recursos limitados ensinou Nida a ter fé na providência de Deus. “Isso ensinou-me a ter esperança. Conseguimos fazê-lo”.
De comida e uniformes a transporte, tudo isso vem da generosidade das pessoas. Apenas 20% dos jogadores conseguem pagar os salários dos treinadores do clube com ajuda dos pais, porque a maioria das famílias não tem condições, diz Nida.
A maioria dos uniformes dos rapazes são doados por colegas ricos. Os jogadores precisam de ter chuteiras de futebol, meias aderentes e caneleiras para protegê-los de lesões. Apenas os jogadores ricos têm equipamentos completos, enquanto os restantes se revezam pedindo emprestado aos outros.
Alexa diz: “Nós emprestamos uns aos outros não apenas sapatos, mas também meias e uniformes”. Daryl não tem sapatos. Espera que um companheiro de equipa volte do campo para pedir emprestados os sapatos para ele poder jogar.
Durante os treinos e torneios, as mães dos jogadores de futebol levam comida “o triplo da dose habitual” porque sabem que a maioria não tem comida.
“Mas esses miúdos não recebem apenas. Sabem como compartilhar. Não tiram vantagem da situação”, diz Nida. Joel recebeu uma bolsa de 160 pesos por dia. Disse que aceitaria apenas 100 para que mais colegas de equipa pudessem beneficiar.

Mesmo que o clube tenha como objetivo desenvolver crianças no desporto, a educação é uma prioridade de longo prazo para os organizadores. “Queremos que eles concluam a sua formação universitária. Por meio das suas capacidades no futebol, esperamos obter bolsas de estudos ou patrocínios universitários. Também estamos a procurar donativos para que mais crianças possam receber uma bolsa”, diz Jolly, gerente da equipa.
Existem três caminhos para os jovens que os levam a uma vida melhor, diz o Papa Francisco. O caminho da educação, o caminho do desporto e o caminho do trabalho. “A escola leva-vos para a frente, o desporto leva-vos para a frente e o trabalho leva-vos para a frente”. Billy e Daryl, foram levados para a frente mesmo com sapatos emprestados.