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Queridíssimos, que Jesus me guarde as minhas filhas e os meus filhos!
1. Nesta breve carta – acolhendo a sugestão que me foi feita há algumas semanas por uma das vossas irmãs – pensei refletir convosco sobre alguns aspetos da alegria, meditando especialmente nas palavras de São Josemaria.
A alegria, em geral, é o efeito da posse e da experiência do bem, e, segundo o tipo de bem, há diferentes intensidades e permanências de alegria. Quando a alegria não é consequência da experiência esporádica do bem, mas do conjunto de toda a existência, costuma ser considerada felicidade. Em todo o caso, a alegria e a felicidade mais profundas são aquelas que têm a sua principal raiz no amor.
São tempos difíceis no mundo e na Igreja (e a Obra é uma pequena parte da Igreja). De facto, de uma forma ou de outra, todos os tempos tiveram as suas luzes e as suas sombras. Também por isso é especialmente necessário fomentar uma atitude alegre. Sempre e em todas as circunstâncias, podemos e devemos estar contentes, porque é isso que o Senhor quer: «Que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). Jesus disse-o aos apóstolos e, neles, a todos nós que viríamos depois deles; por isso, «a alegria é uma condição de vida dos filhos de Deus»[1].
Pelo contrário, «a tristeza é um vício causado pelo amor de si mesmo desordenado, que por sua vez não é um vício especial, mas a raiz geral de todos eles»[2]. Esta afirmação de São Tomás pode surpreender-nos, se pensarmos, por exemplo, no sofrimento pela morte de um ente querido. Na realidade, uma tal situação não conduziria necessariamente à tristeza no sentido referido, mas à dor, o que não é a mesma coisa. De facto, é experiência comum que nem todas as dores e renúncias dão origem a tristeza, sobretudo quando são assumidas com amor e por amor. Assim, os sacrifícios, por vezes muito consideráveis, de uma mãe pelos seus filhos podem produzir dor, mas não tristeza.
«O que é preciso para conseguir a felicidade não é uma vida cómoda, mas um coração enamorado»[3]. Todos nós, que, em Villa Tevere, vimos e ouvimos o nosso Padre nos últimos sete ou oito anos da sua vida, vimo-lo verdadeiramente contente, feliz, apesar de serem anos em que sofreu muito, tanto fisicamente como, sobretudo, por causa das graves dificuldades que a vida da Igreja atravessava naqueles anos.
A alegria da fé
2. A alegria natural elevada pela graça manifesta-se sobretudo na união com os projetos de Deus. Aos pastores de Belém, os anjos anunciam a «grande alegria» (Lc 2, 10) pelo nascimento de Jesus; os Magos voltam a ver a estrela com «grande alegria» (Mt 2, 10). Por fim, os Apóstolos encheram-se de alegria por verem Jesus ressuscitado (cf. Jo 20, 20).
A alegria cristã não é simplesmente a alegria «de um animal sadio»[4], mas o fruto do Espírito Santo na alma (cf. Gl 5, 22); tende a ser permanente, porque se baseia n’Ele, como nos exorta São Paulo: «Alegrai-vos sempre no Senhor; repito, alegrai-vos» (Fl 4, 4).
Esta alegria no Senhor é a alegria da fé no seu amor paternal: «A alegria é consequência necessária da filiação divina, de nos sabermos queridos com predileção pelo nosso Pai Deus que nos acolhe, nos ajuda e nos perdoa. – Lembra-te bem e sempre: mesmo que alguma vez pareça que tudo vem abaixo, nada se desmorona, porque Deus não perde batalhas»[5].
No entanto, perante as dificuldades ou os sofrimentos, a nossa debilidade pessoal pode fazer esmorecer esta alegria, sobretudo devido à possível fraqueza da fé efetiva no amor omnipotente de Deus por nós. «Um filho de Deus, um cristão que vive de fé, pode sofrer e chorar: pode ter razões para se lamentar, mas não para estar triste»[6]. Também por isso, para fomentar – ou recuperar – a alegria, é conveniente atualizar a convicção da fé no amor de Deus, que nos permite afirmar com São João: «Conhecemos e acreditámos no amor que Deus tem por nós» (1Jo 4, 16).
A fé tende a exprimir-se de uma forma ou de outra – com palavras ou sem palavras – na oração e, com a oração, vem a alegria, porque «quando o cristão vive de fé – com uma fé que não é mera palavra, mas realidade de oração pessoal – a segurança do amor divino manifesta-se na alegria, na liberdade interior»[7].
Alegres na esperança (Rm 12, 12)
3. A fé no amor que Deus nos tem traz consigo uma grande esperança. É assim que podemos compreender também a afirmação da Epístola aos Hebreus: «A fé é o fundamento das coisas que se esperam» (Heb 11, 1). A esperança tem propriamente como objeto um bem futuro e possível. E o bem que a fé nos faz esperar é, fundamentalmente, a felicidade plena e a alegria na união definitiva com Deus na glória. Como nos diz São Paulo, é «a esperança que vos está reservada nos céus» (Col 1, 5). Esta certeza dá-nos a segurança de que não nos faltarão os meios para atingir essa meta, se os acolhemos livremente: para começar e recomeçar, quantas vezes for necessário.
E quando, de várias maneiras, se apresenta uma vontade de Deus perante a qual nos sentimos inadequados e impotentes, podemos até ter «a certeza do impossível»[8], como o nosso Padre no início da Obra, em momentos de total falta de meios e num ambiente social profundamente contrário à vida cristã.
4. Temos, podemos ter sempre, «uma esperança que não traz engano», não por causa de uma confiança em nós próprios ou em qualquer coisa deste mundo, mas «porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5).
Por vezes, dificuldades de vária ordem podem levar-nos a pensar, por exemplo, que o trabalho apostólico não está a ser eficaz, que não vemos os frutos do nosso esforço e da nossa oração. Mas estamos bem conscientes – e é bom que atualizemos frequentemente esta convicção de fé – de que o nosso trabalho não é vão no Senhor (cf. 1Cor 15, 58). Como disse também o nosso Padre: «Nada se perde».
A esperança e a alegria são dons de Deus, e é isso que São Paulo pede para todos nós: «O Deus da esperança vos encha de toda a alegria e paz na fé, para que abundeis na esperança pela virtude do Espírito Santo» (Rm 15, 13).
A alegria do coração apaixonado
5. O amor a Deus e aos outros está unido, com a alegria, à fé e também à esperança. «Quem ama tem a alegria da esperança, de chegar a encontrar o grande amor que é o Senhor»[9].
Há várias expressões de amor, que coincidem precisamente no essencial: desejar o bem da pessoa amada (e, na medida do possível, proporcioná-lo) e a alegria consequente de saber que esse bem por fim está presente.
No caso do amor ao Senhor, será que inclui desejar para Deus um bem que Ele não tem? Sabemos que, ao criar-nos livres, quis correr o risco da nossa liberdade[10]. Podemos não dar a Deus algo que Deus anseia: o nosso amor. De certo modo, a alegria do amor a Deus não é apenas o aspeto do amor que consiste no bem que pressupõe para nós, mas também a alegria de Lhe podermos dar o nosso amor.
O amor, como fonte de alegria, manifesta-se de modo especial na nossa dedicação aos outros, procurando ser, apesar dos nossos defeitos, «semeadores de paz e de alegria»[11]. Deste modo, além disso, alegramo-nos ao ver a alegria dos outros e, como o nosso Padre, podemos dizer-lhes verdadeiramente: «A minha alegria é a vossa alegria»[12].
6. «O amor verdadeiro exige sair de si mesmo, entregar-se. O autêntico amor traz consigo a alegria: uma alegria que tem as raízes em forma de Cruz»[13]. Acima de tudo, a Cruz assumida por amor de Deus é fonte de bem-aventurança. É o que nos ensina o Senhor: «Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa, pois também assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós» (Mt 5, 11-12). De facto, todas as bem-aventuranças descrevem as raízes da alegria: «As Bem-aventuranças conduzem-nos à alegria, sempre; são o caminho para alcançar a alegria»[14].
São muitas as causas que podem levar à perda da alegria, sobretudo a experiência concreta da própria fraqueza, a consciência dos próprios pecados. Mas a fé no amor de Deus e a esperança segura que acompanha essa fé são o fundamento, como diz São Josemaria, da «alegria profunda do arrependimento»[15]. Assim também, apesar das nossas limitações e defeitos, com a ajuda do Senhor e com o nosso afeto, podemos «tornar amável e fácil o caminho aos outros»[16].
Invocamos a Virgem Santíssima, Mãe de Deus e nossa Mãe, como Causa nostræ laetitiæ. Que Ela nos ajude a estar sempre contentes e a ser semeadores de paz e de alegria em todas as circunstâncias da nossa vida. Pedimos-lhe, de modo particular, neste Ano Jubilar da Esperança, em estreita união com o sofrimento do Papa Francisco.
Com todo o afeto, abençoa-vos
o vosso Padre

Roma, 10 de março de 2025
[1] Carta 13, n. 99. Os textos dos quais não se menciona o autor são de São Josemaria.
[2] São Tomás, Suma Teológica, II-II, q.28, a.4 ad1. «A tristeza é a escória do egoísmo» (Amigos de Deus, n. 92).
[3] Sulco, n. 795.
[4] cf. Caminho, n. 659.
[5] Forja, n. 332.
[6] “As riquezas da fé”, publicado no jornal ABC, no dia 2 de novembro de 1969.
[7] Ibid.
[8] Carta 29, n. 60.
[9] Francisco, Audiência, 15 de março de 2017.
[10] cf. Amigos de Deus, n. 35.
[11] Sulco, n. 59.
[12] Carta 14, n. 1.
[13] Forja, n. 28.
[14] Francisco, Audiência, 29 de janeiro de 2020.
[15] Carta 14-II-1974, n. 7.
[16] Sulco, n. 63.
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