Belém: Basílica da Natividade

Bento XVI chamou à Terra Santa “o quinto Evangelho”. Porque Jesus nasceu num momento preciso e num lugar concreto. Neste artigo descrevem-se as características e a história de Belém e da basílica que recorda o nascimento de Cristo.

Representação do nascimento situada sobre o lugar onde Deus veio à terra (foto: Leobard Hinfelaar).

Jesus nasceu numa gruta de Belém, diz a Escritura, porque não houve lugar para eles na pousada (1).

Calcula-se que Belém foi fundada pelos cananeus cerca do ano 3000 antes de Cristo. É mencionada nalgumas cartas enviadas pelo governador egípcio da Palestina ao faraó, por volta do ano 1350 a. C. Depois foi conquistada pelos filisteus. Na Sagrada Escritura, alude-se pela primeira vez a Belém – que por essa altura também era chamada Éfrata : a fértil – no livro do Génesis, quando se relata a morte e sepultura de Raquel, a segunda esposa do patriarca Jacob: Raquel morreu e foi sepultada no caminho de Éfrata, quer dizer, de Belém (2).

Mais adiante, quando se fez a repartição das terras entre as tribos do povo eleito, Belém foi atribuída à de Judá e foi berço de David, o pastorzinho – filho mais novo de uma família numerosa – escolhido por Deus como segundo rei de Israel. A partir daí, Belém ficou unida à dinastia davídica e o profeta Miqueias anunciou que ali, nessa pequena localidade, nasceria o Messias:

As pessoas aproveitavam as cavernas naturais como armazéns e estábulos, ou então escavavam-nas na encosta. Numa dessas grutas, nasceu Jesus.

E tu, Belém de Éfrata, tão pequena entre as principias cidades de Judá, de ti sairá para mim aquele que há-de dominar em Israel e tem as suas origens desde tempos imemoriais, desde os dias mais remotos. Por isso os entregará à mercê de outrem até ao tempo em que dê à luz aquela que há-de dar à luz e o resto de seus irmãos voltará com os filhos de Israel. Ele permanecerá firme e governará com a força do Senhor e com a majestade do Nome de Javé, seu Deus. Viver-se-á em paz, porque então ela será grande até aos confins da terra (3).

Neste texto encontramos vários elementos relacionados com as profecias messiânicas de Isaías (4) e também com outras passagens da Escritura nas quais se anuncia um futuro descendente de David (5). A tradição judaica viu nas palavras de Miqueias um vaticínio sobre a chegada do Messias, como ficou refletido em vários lugares do Talmud (6). Também São João, no seu Evangelho, faz eco de qual era a opinião dominante entre os judeus do tempo de Jesus acerca da procedência do Messias: não diz a Escritura que o Messias virá da descendência de David e da aldeia de Belém, de onde era David? (7)

Mas é no Evangelho de São Mateus onde se cita explicitamente a profecia de Miqueias, quando Herodes reúne os sacerdotes e escribas para lhes perguntar onde havia de nascer o Messias: em Belém de Judá – disseram-lhe – porque assim foi escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, já não és a mais pequena entre as principais cidades de Judá porque de ti há-de sair um Príncipe que há-de reger o meu povo, Israel (8).

Basílica da Natividade (Gráfico adaptado por Julián de Velasco).

DEUS NASCE EM BELÉM

Nos começos do século I, Belém era uma aldeia que não contaria com mais de um milhar de habitantes. Era constituída por um reduzido conjunto de casas disseminadas pela encosta de uma colina e protegidas por uma muralha que estaria em más condições de conservação, ou mesmo, em boa parte, desmoronada, já que tinha sido construída quase mil anos antes. Os seus habitantes viviam da agricultura e da criação de gado. Tinha bons campos de trigo e cevada na extensa planície junto à colina: talvez se deva a estas culturas o nome de Bet-Léjem, que em hebreu significa “Casa do pão”. Nos campos mais próximos do deserto, pastavam também rebanhos de ovelhas.

A pequena aldeia de Belém continuou a contar os dias da sua monótona existência agrícola e provinciana até que aconteceu o inaudito acontecimento que a tornaria famosa para sempre no mundo inteiro. São Lucas relata-o com simplicidade:

Naqueles dias saiu um édito de César Augusto, prescrevendo o recenseamento de toda a terra. Este recenseamento foi anterior ao que se realizou quando Quirino era governador da Síria. Iam todos recensear-se, cada um à sua cidade. José foi também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à Cidade de David , que se chamava Belém, porque era da casa e família de David, para se recensear juntamente com Maria, sua esposa, que estava grávida. (9).

Cerca de cento e cinquenta quilómetros separavam Nazaré de Belém. A viagem seria especialmente dura para Maria, no estado em que se encontrava.

As casas de Belém eram humildes e, como noutros lugares da Palestina, as pessoas aproveitavam as cavernas naturais para armazéns e estábulos, ou então escavavam-nas na encosta. Numa dessas grutas, nasceu Jesus:

Ora, estando ali, aconteceu completarem-se os dias em que devia dar à luz, e deu à luz o seu filho primogénito e O enfeixou, e O reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria (10).

Frente à basílica da Natividade abre-se uma praça (Foto: Leobard Hinfelaar).

UM MENINO QUE É DEUS

A Providência de Deus tinha disposto os acontecimentos para que Jesus – o Verbo feito carne, o Rei do mundo e o Senhor da história - nascesse rodeado de uma pobreza total. Nem sequer pôde gozar do mínimo de comodidades que uma família humilde poderia ter preparado com afeto para o nascimento do seu filho primogénito, contou apenas com uns paninhos e um estábulo.

Não conseguiremos jamais o verdadeiro bom humor se não imitarmos deveras Jesus, se não formos humildes como Ele. Insistirei de novo: vedes onde se oculta a grandeza de Deus? Num presépio, nuns paninhos, numa gruta. A eficácia redentora das nossas vidas só se pode dar com humildade, deixando de pensar em nós mesmos e sentindo a responsabilidade de ajudar os outros. (11).

Da mesma forma que se condimentam os alimentos com sal, para que não sejam insípidos, na nossa vida temos de pôr sempre a humildade. Minhas filhas e meus filhos – a comparação não é minha: usaram-na os autores espirituais há mais de quatro séculos – não façais como essas galinhas que, mal põem um ovo, atordoam a cacarejar por toda a casa. Há que trabalhar, há que desempenhar o trabalho intelectual ou manual e sempre apostólico, com grandes intenções e grandes desejos – que o Senhor transforma em realidades – de servir a Deus e passar inadvertidos (12)

O lugar onde Jesus nasceu foi convertido num bosque sagrado em honra do deus Adónis. São Cirilo de Jerusalém viu os terrenos onde se encontrava a gruta cobertos de árvores.

BELÉM E OS PRIMEIROS CRISTÃOS

Também os discípulos do Senhor e os primeiros cristãos tinham consciência, desde o princípio, da importância que Belém tinha adquirido. Em meados do século II, São Justino, que era natural da Palestina, fazia eco das recordações, que os habitantes da aldeia transmitiram de pais para filhos, sobre a gruta usada como estábulo, em que Jesus tinha nascido (13).

Lugar do nascimento de Jesus (Foto: Darko Tepert, Wikimedia Commons.

Nos primeiros decénios do século seguinte, Orígenes testemunha que o lugar onde o Senhor nasceu era perfeitamente conhecido na localidade, mesmo entre aqueles que não eram cristãos: Em harmonia com o que nos evangelhos se conta, em Belém mostra-se a gruta em que nasceu [Jesus] e, dentro da gruta, a manjedoura em que foi reclinado envolvido em panos. E o que naqueles lugares se mostra é famoso mesmo entre pessoas alheias à fé; nesta gruta, é dito, nasceu aquele Jesus que os cristãos admiram e adoram (14)

No tempo do imperador Adriano, as autoridades do Império edificaram templos pagãos em vários locais – por exemplo, o Santo Sepulcro e o Calvário – venerados pelos primeiros cristãos, com o propósito de apagar os vestígios da passagem de Cristo pela terra: Desde os tempos de Adriano até ao império de Constantino, durante cerca de cento e oitenta anos, no local da ressurreição dava-se culto a uma estátua de Júpiter e no monte da cruz a uma imagem de Vénus de mármore aí colocada pelos gentios. Sem dúvida que os autores da perseguição pensavam que, se contaminassem os lugares sagrados por meio dos ídolos, nos iam retirar a fé na ressurreição e na cruz (15).

Algo análogo pode ter acontecido em Belém, já que o lugar onde Jesus nasceu foi convertido num bosque sagrado em honra do deus Adónis. São Cirilo de Jerusalém viu os terrenos onde se encontrava a gruta cobertos de árvores (São Cirilo de Jerusalém, Catequesis , 12, 20: Até há poucos anos tratava-se de um lugar coberto com um bosque ), e São Jerónimo refere-se também à tentativa frustrada de paganizar esta memória cristã com palavras não isentas de certa ironia: Belém, que é nossa agora, o lugar mais augusto da orbe, aquele do qual disse o salmista: da terra germinou a Verdade ( Sal 84, 12) , esteve sob a sombra de um bosque de Thamuz, quer dizer, de Adónis, e na caverna onde então Cristo deu os seus primeiros vagidos se chorava ao querido de Vénus (16).

A BASÍLICA DA NATIVIDADE: HISTÓRIA

Apoiando-se nesta tradição, continuada e unânime, o imperador Constantino mandou construir uma grande basílica sobre a gruta; foi consagrada a 31 de maio do ano 339, e na cerimónia esteve presente Santa Helena, que tinha impulsionado decididamente esta iniciativa.

Não é muito o que se conserva da primitiva basílica, que foi saqueada e destruída durante uma sublevação dos samaritanos, no ano 529. Quando se restabeleceu a paz, Belém foi fortificada e o imperador Justiniano mandou construir uma nova basílica, que se edificou no mesmo lugar da primeira, mas com maiores proporções. É a que chegou até nós, salvando-se durante as diversas invasões em que foram destruídos os outros templos da época constantiniana ou bizantina. Conta-se que os persas, que no ano 614 arrasaram quase todas as igrejas e mosteiros da Palestina, respeitaram a basílica de Belém ao encontrar no seu interior um mosaico onde os Reis Magos estavam representados vestidos à maneira usada no seu país. Igualmente, o templo saiu quase incólume da violenta incursão na Terra Santa do califa egípcio El Hakim, no ano 1009, bem como dos furiosos combates que se seguiram à chegada dos Cruzados em 1099.

Após várias vicissitudes históricas que seria prolixo relatar, em 1347 foi concedida aos franciscanos a custódia da Gruta e da basílica. Atualmente continuam lá, embora detenham também direitos sobre este lugar santo os ortodoxos gregos, sírios e arménios.

Uma estrela de prata de catorze pontas assinala o lugar preciso do nascimento (Foto: Alfred Driessen).

O EXTERIOR DA BASÍLICA

Da praça que há defronte da basílica, o visitante tem a impressão de se encontrar frente a uma fortaleza medieval: espessos muros e contrafortes, com escassas e pequenas janelas. Entra-se por uma porta tão diminuta que obriga a passar uma pessoa de cada vez, e mesmo assim com dificuldade: é preciso inclinar-se bastante. Na sua homilia durante a Santa Missa da noite de Natal, Bento XVI referiu-se a este acesso ao templo:

Quem quer entrar hoje na igreja da Natividade de Jesus, em Belém, descobre que a porta, que ao tempo tinha cinco metros e meio de altura, e pela qual os imperadores e califas entravam no edifício, foi em grande parte fechada. Ficou somente uma pequena abertura de um metro e meio. A intenção foi provavelmente proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos mas, sobretudo, evitar que se entrasse a cavalo na casa de Deus. Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus, tem que se inclinar. Parece-me que nisso se manifesta uma proximidade nesta Noite santa: se queremos encontrar o Deus que apareceu como menino, temos de nos apear do cavalo da nossa razão “ilustrada”. Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus (17).

O INTERIOR: A GRUTA DA NATIVIDADE

A basílica – com planta de cruz latina e cinco naves – tem um comprimento de 54 metros. As quatro filas de colunas, de cor rosada, dão-lhe um aspeto harmonioso. Nalguns lugares, é possível contemplar os mosaicos que adornavam o pavimento da primitiva igreja constantiniana; nas paredes também se conservaram fragmentos de outros mosaicos que datam dos tempos das Cruzadas.

Mas o centro desta grande igreja é a Gruta da Natividade, que se encontra sob o presbitério; tem a forma de uma capela de reduzidas dimensões, com uma pequena abside no lado oriental. O fumo dos círios, que a piedade popular colocou durante gerações e gerações, enegreceu as paredes e o teto. Há ali um altar e, por baixo, uma estrela de prata que assinala o lugar onde Cristo nasceu da Virgem Maria. Está acompanhada por uma inscrição, que reza: Hic de Virgine Maria Iesus Christus natus est.

A manjedoura onde Maria deitou o Menino, após O ter envolvido em painhos, encontra-se numa capelinha anexa. Na realidade é um buraco na rocha, embora hoje esteja recoberto de mármore e anteriormente de prata. Em frente, há um altar chamado dos Reis Magos, porque tem um retábulo com a cena da Epifania.

E. Gil Notas

1. Lc. 2, 7.

2. Lc. 2, 7.

3. Mi 5, 1-3.

4. Cfr. Is 7, 14; 9, 5-6; 11, 1-4.

5. Cfr. 2 S 7, 12; 12-16; Sal 89, 4.

6. Cfr. Pesajim 51, 1 e Nedarim 39, 2.

7. Jo 7, 42.

8. Mt 2, 5-6.

9. Lc 2, 1-5.

10. Lc 2, 6-7.

11. Cristo que passa, 18.

12. S. Josemaria, Apontamentos tomados numa meditação, 25-XII-1972.

13. Cfr. S. Justino, Diálogo com Trifón, 78, 5.

14. Orígenes, Contra Celso, 1, 51.

15. S. Jerónimo, Cartas, 58, 3.

16. S. Jerónimo, Cartas, 58, 3.

17. Bento XVI, Homilía, 24-XII-2011.