Sumário:
- Consagração à Sagrada Família (1951).
- Consagração ao Coração Dulcíssimo de Maria (1951).
- Consagração ao Coração Sacratíssimo de Jesus (1952).
- Consagração ao Espírito Santo (1971).
As consagrações pessoais e coletivas – tanto de dioceses e outras instituições religiosas, como de entidades civis – têm uma tradição secular na Igreja Católica. Entre as populares mais enraizadas estão as que são feitas à Santíssima Virgem e ao Sagrado Coração de Jesus. Países inteiros, cidades, igrejas particulares, ordens e congregações religiosas, famílias e lares... e, naturalmente, pessoas singulares, consagraram-se à Virgem Maria, ao Sagrado Coração ou a outras invocações para buscar proteção divina em necessidades específicas. Ao mesmo tempo, esse ato sempre implicou um compromisso com a vida cristã: desde praticar um ato de devoção até identificar a própria vida com o significado espiritual daquela consagração específica, buscando um efeito duradouro e conformador da própria espiritualidade. Por essa razão, as consagrações costumam ser renovadas periodicamente, muitas vezes anualmente ou em aniversários específicos.
O Opus Dei foi consagrado pelo seu fundador em quatro ocasiões: à Sagrada Família (1951), ao Coração Dulcíssimo de Maria (1951), ao Coração Sacratíssimo de Jesus (1952) e ao Espírito Santo (1971). Nos diferentes casos, São Josemaria tomou essa iniciativa para pedir auxílio divino perante necessidades específicas. Ao mesmo tempo, essas consagrações – e a indicação de que fossem renovadas ano após ano – serviram ao fundador para reforçar certos aspetos da vida de piedade dos membros do Opus Dei.
1. Consagração à Sagrada Família (1951)
A primeira consagração ocorreu em 14 de maio de 1951, no oratório dedicado à Sagrada Família – ainda em construção – em Villa Tevere. A decisão de realizá-la foi rápida, logo após o fundador regressar a Roma depois de uma viagem a Espanha, durante a qual soube que algumas pessoas tinham enviado ao Papa uma queixa contra o Opus Dei, assinada pelos pais de cinco membros italianos da Obra. Essa carta continha queixas sobre a decisão dos seus filhos de solicitarem a admissão no Opus Dei, decisão que haviam tomado livremente.
Imediatamente, São Josemaria escreveu: «Roma, 14 de maio de 1951. Colocar sob o patrocínio da Sagrada Família, Jesus, Maria e José, as famílias dos nossos: para que possam participar do gaudium cum pace da Obra, e obtenham do Senhor afeto pelo Opus Dei»[1].
Essa reação do fundador não ficou a dever-se apenas àquele episódio isolado. Em outras ocasiões, anos antes, algumas famílias de membros da Obra haviam sido prevenidas contra o Opus Dei por alguns religiosos – algo semelhante ao que acabara de acontecer em Itália – e houve outras incompreensões por parte de pais que, por diversos motivos, não aceitaram com agrado a vocação dos filhos. Ao mesmo tempo, na sua maioria, as famílias tinham acolhido essa escolha com alegria e até se tinham aproximado do Opus Dei, a ponto de solicitarem a admissão em anos seguintes. Mas São Josemaria, que professava especial afeto e simpatia pelas famílias dos membros do Opus Dei, chegando a afirmar que deviam aos seus pais não apenas o dom da vida, mas também «noventa por cento da sua vocação»[2], entristeceu-se profundamente com essa nova contradição, especialmente porque sabia que estavam enganados e agiam de boa-fé. Sempre o magoou a falsa acusação de que o Opus Dei separava os filhos das suas famílias, porque desejava precisamente o contrário: que as famílias partilhassem do calor de família e da ajuda da Obra, especialmente se as exigências de servir a Deus significassem que um filho ou filha tivessem de ir trabalhar para longe. Por outro lado, sabia que muitas instituições sofreram essa censura ao longo da história, e as biografias dos santos estão repletas de exemplos de oposição familiar à vocação de uma filha ou filho. O próprio Jesus Cristo colocou o seguimento da chamada de Deus acima da proximidade com os próprios parentes com palavras taxativas (cf. Lc 9, 59-62; 14, 26), e exemplos claros disso podem ser encontrados no seu comportamento (cf. Mt 12, 46-49; Lc 2, 49).
Na fórmula – que se repete no Opus Dei na festa da Sagrada Família – a oração pelas famílias dos membros do Opus Dei é: «Concede-lhes, Senhor, que de dia para dia conheçam melhor o espírito do nosso Opus Dei, a que nos chamaste para Teu serviço e nossa santificação; infunde neles um amor grande à nossa Obra; faz com que compreendam com luz sempre mais clara a beleza da nossa vocação, a fim de que sintam um santo orgulho por Te haveres dignado escolher-nos e saibam agradecer a honra que lhes outorgaste. Abençoa especialmente a colaboração que prestam aos nossos trabalhos apostólicos, e fá-los sempre participantes da alegria e da paz, que nos concedes como prémio da nossa entrega»[3].
Com esta consagração à Sagrada Família, São Josemaria reforçou a presença da Família de Nazaré (a “trindade da Terra”, como frequentemente a chamava) na vida espiritual dos fiéis do Opus Dei, tanto celibatários como casados. Anos mais tarde, disse-lhes: «Procurai com maior empenho a presença, o convívio, a convivência e a intimidade com Deus Nosso Senhor, Uno e Trino, através da devoção familiar à trindade da Terra. Que esta confiança habitual em Jesus, Maria e José seja para nós e para os que nos rodeiam uma catequese contínua, um livro aberto que nos ajude a participar nos mistérios misericordiosamente redentores de Deus feito Homem»[4].
No fim da vida, apresentou essa devoção e a contemplação desse mistério, que ele mesmo praticava, como uma via mestra para chegar a Deus: «Esforço-me por chegar à Trindade do Céu através da trindade da Terra: Jesus, Maria e José. É como se estivessem mais acessíveis. Jesus, que é perfectus Deus e perfectus Homo. Maria, que é uma mulher, a mais oura criatura, a maior: mais do que Ela, só Deus. E José, que se segue imediatamente a Maria: limpo, varonil, prudente, íntegro. Ó meu Deus! Que modelos!»[5].
2. Consagração ao Coração Dulcíssimo de Maria (1951)
A segunda consagração ocorreu em 15 de agosto de 1951, no santuário de Loreto. Nos meses anteriores, o fundador pressentira que uma grave ameaça pairava sobre a Obra, devido a uma série de indícios que, em graus variados, apontavam nessa direção. Mas, como não tinha provas conclusivas e não sabia a quem recorrer para agir e impedir esse perigo, a sua ansiedade interior não encontrou saída. Por fim, pediu a todos os membros do Opus Dei que rezassem a jaculatória Cor Mariæ dulcissimum, iter para tutum! (“Coração dulcíssimo de Maria, preparai-nos um caminho seguro!”) e decidiu consagrar a Obra ao Coração Dulcíssimo de Maria. Escolheu o santuário de Loreto, onde se venera a Santa Casa, para realizar a consagração, com palavras espontâneas, durante a celebração da Missa. Em seguida, compôs uma fórmula e indicou que fosse renovada anualmente, no dia 15 de agosto.
Meses depois, a ameaça que São Josemaria pressentira veio à tona, graças a várias circunstâncias, incluindo a advertência do Beato Cardeal Schuster, Arcebispo de Milão. Segundo os dados disponíveis, tratava-se de uma tentativa de rever o estatuto jurídico do Opus Dei (que havia sido aprovado definitivamente pelo Papa um ano antes) a fim de modificá-lo substancialmente, prescindindo inclusivamente do fundador. Após um protesto decidido de Mons. Escrivá, dirigido em carta ao Papa, Pio XII pôs fim a qualquer processo em andamento, e o assunto foi encerrado ali.
Esta consagração está em harmonia com o profundo espírito mariano que caracteriza a vida espiritual dos membros do Opus Dei e corroborou algo que já vinha sendo praticado desde o início: colocar a Obra e seus apostolados sob a proteção da Santíssima Virgem. Situando-a no seu contexto histórico, é importante lembrar que Pio XII consagrou toda a humanidade ao Imaculado Coração de Maria em 1942 e que, em 1948, convidou todas as dioceses, paróquias e famílias católicas a fazerem essa mesma consagração[6]. Embora São Josemaria não tenha estabelecido uma ligação direta a esse pedido pontifício – relacionada com a paz do mundo –, a ideia andava no ar e pode ter inspirado o fundador, dada a grave necessidade que a Obra enfrentava. Por outro lado, a 15 de agosto de 1951, era recente a proclamação do dogma da Assunção de Maria, realizada por Pio XII, a 1 de novembro de 1950, tornando-se uma data duplamente apropriada para a consagração do Opus Dei.
3. Consagração ao Coração Sacratíssimo de Jesus (1952)
Em 26 de outubro de 1952, Solenidade de Cristo Rei, São Josemaria consagrou o Opus Dei ao Sagrado Coração de Jesus. Foi a terceira consagração no período de um ano e meio. Sabemos que um dos motivos tinha pontos em comum com os dois anteriores: uma «contradição dos bons»[7], também relacionada com a situação jurídica do Opus Dei. Outro foi a grave situação financeira em que a Obra se encontrava, pois era necessário prosseguir com a construção da sede central e da sede provisória do Colégio Romano da Santa Cruz, em Roma. As obras não podiam parar sem grave quebra financeira e apostólica, mas não havia dinheiro para pagar as dívidas. Um terceiro motivo foi a petição de paz para as almas e para o mundo. Por isso, uniu esta consagração à jaculatória: “Cor Iesu Sacratissimum, dona nobis pacem!”, que completou mais tarde, já nos anos setenta, com as palavras et misericors (“Coração Sacratíssimo e misericordioso de Jesus, dai-nos a paz!”).
O fundador deve ter tomado a decisão de realizar a consagração entre abril e maio de 1952. Em junho, já tinha preparado a fórmula que usaria na festa de Cristo Rei e que, a partir do ano seguinte, seria renovada em todos os Centros do Opus Dei[8]. Na manhã de 26 de outubro de 1952, durante a ação de graças da Comunhão, consagrou o Opus Dei diante de uma imagem do Sagrado Coração no chamado Oratório-biblioteca, contíguo ao escritório do então Presidente Geral, agora Prelado, do Opus Dei. O oratório ainda estava em construção, e a imagem não era a que o preside hoje. Essa consagração também representou um reforço do amor e da devoção à Santíssima Humanidade de Cristo que caracterizam a vida espiritual dos membros do Opus Dei. A fórmula destaca o carácter interior de dedicação pessoal a Cristo que Escrivá de Balaguer quis dar a esta consagração. De facto, indica que, ao consagrar o Opus Dei, «com todos os seus trabalhos apostólicos, consagramos-te também as nossas almas com todas as suas faculdades; os nossos sentidos; os nossos pensamentos, as nossas palavras e as nossas ações; os nossos trabalhos e as nossas alegrias. De um modo especial, Te consagramos os nossos pobres corações, para que não tenhamos mais liberdade que a de Te amar a Ti, Senhor». As petições finais enfatizam o amor a Cristo e à sua Mãe, o serviço à Igreja e ao Papa e o zelo apostólico. Inclui também uma dupla petição pela unidade: «Mantém-nos sempre unidos, pelo amor, à Obra, ao nosso Padre, ao Padre e aos nossos irmãos […] Estabelece nos nossos corações o lugar do Teu repouso, para assim permanecermos intimamente unidos, a fim de que um dia Te possamos louvar, amar e possuir por toda a eternidade no Céu»[9].
A escolha da festa de Cristo Rei foi oportuna, pois naquele dia a consagração da humanidade ao Sagrado Coração, feita por Leão XIII em 1899, era renovada cada ano. Foi o que Pio XI decretou ao criar a nova festa em 1925[10]. Era, portanto, um dia dedicado à renovação do desejo de se identificar com Cristo e de participar da missão evangelizadora da Igreja na construção do seu Reino, objetivos com os quais o Opus Dei se identifica plenamente e que a consagração de 1952 reforçou.
4. Consagração ao Espírito Santo (1971)
O fundador realizou a consagração definitiva do Opus Dei em 30 de maio de 1971, no oratório do Conselho Geral em Villa Tevere, cujo retábulo consiste num vitral que representa a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes.
A razão para esta consagração foi múltipla. Acima de tudo, São Josemaria queria implorar a ajuda da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade para inspirar e guiar toda a ação da Obra e a sua expansão «entre almas de toda a raça, língua e nação» e aumentar a santidade dos seus membros no meio da crise doutrinal e disciplinar que se abateu sobre muitas instituições católicas nos anos do pós-concílio.
A fórmula – a mais longa e elaborada das quatro – também inclui uma petição especial pela Igreja, pelo Papa e pelos pastores. É bem possível que também tivesse em mente, nesta consagração, o novo estatuto jurídico do Opus Dei, de cuja obtenção dependia, em última análise, a defesa do carisma genuíno da Obra. Finalmente, este ato é reflexo de um novo ressurgimento da devoção ao Paráclito na alma do fundador – muito antiga em São Josemaria – mas que naqueles anos apareceu na sua alma como uma “nova descoberta”, especificamente em referência à ação do Paráclito na Missa[11].
Com esta consagração, São Josemaria não estava simplesmente a recomendar mais uma devoção aos membros do Opus Dei. O seu propósito era fomentar uma vida espiritual mais pneumática, fomentar naqueles que por vocação são chamados a procurar a santidade uma relação mais próxima com o Santificador, a quem ele frequentemente chamava “o Grande Desconhecido”, como o era pelo menos na devoção popular e também em algumas reflexões teológico-espirituais. Daqueles anos data uma homilia dedicada ao Espírito Santo, que intitulou precisamente O Grande Desconhecido (posteriormente incluída em Cristo que passa), em que é sublinhada a ação constante do Paráclito nas almas e na Igreja.
Bibliografia:
- Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III, págs. 143-195,
- Salvador Bernal, Monsenhor Josemaria Escrivá de Balaguer. Apontamentos sobre a vida do Fundador do Opus Dei, Prumo/Aster, Lisboa 1978;
- Federico Requena - Javier Sesé, Fuentes para la historia del Opus Dei, Madrid, Ariel, 2002, págs. 99-101.
[1] Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III, pág. 154.
[2] Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III, pág. 188.
[3] Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III, pág. 155.
[4] São Josemaria, Carta de 14 de fevereiro de 1974, n. 1
[5] Salvador Bernal, “Oração”, 28/03/1975, pág. 354.
[6] Pio XII, Auspicia Quaedam.
[7] cf. Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III, pág. 227.
[8] cf. documentos em AGP, A-85-2-01)
[9] cf. Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III, pág. 185.
[10] Pio XI, Quas primas.
[11] cf. Andrés Vazquez de Prada, Josemaria Escrivá III.