Há um mês e meio, naquela tarde histórica da primavera romana, o recém-eleito Papa Leão XIV transformou a saudação de Cristo ressuscitado nas suas primeiras palavras como pontífice, dirigidas ao mundo inteiro a partir da varanda da Praça de São Pedro: «A paz esteja com todos vós!». E, mais adiante, completou: «Gostaria que esta saudação de paz entrasse no vosso coração, chegasse às vossas famílias, a todas as pessoas, onde quer que se encontrem, a todos os povos, a toda a terra».
A proposta do Papa traça um percurso: da paz nos corações à paz em toda a terra. Entre tantas coisas que poderia ter dito, escolheu um anúncio de paz. Entretanto, as manchetes dos jornais continuam a espelhar diariamente a inquietante falta de paz do nosso tempo. Falta paz nas grandes manchetes e entre as grandes potências, mas também nas pequenas mensagens do quotidiano: entre familiares, vizinhos, amigos, colegas. Falta paz também nas consciências, onde muitas vezes reinam o medo, a dúvida, a ansiedade, a preocupação.
Perante este panorama, o desejo de paz apresenta-se, na melhor das hipóteses, como uma utopia; e, na pior, como uma abdicação dos ideais pelos quais deveríamos lutar. Contudo, os cristãos sabem que Cristo é a nossa paz (cf. Ef 2, 14) e que a paz que desejamos é um dom de Deus, que precisamos de aprender a acolher e a transmitir.
Hoje, nos cinquenta anos do falecimento de São Josemaria Escrivá – fundador do Opus Dei –, vem à memória uma das suas expressões mais recordadas: o convite a sermos “semeadores de paz e de alegria”. Pode parecer uma frase bonita, mas pouco realista; no entanto, é o testemunho de quem viveu na pele uma guerra civil e as consequências devastadoras de uma guerra mundial. Nesse contexto dramático, São Josemaria procurou ser ponte, não trincheira; união, não divisão. As suas convicções de sacerdote e de cristão levavam-no a viver «de braços abertos para acolher todos: os da direita, os da esquerda, os da frente, os de trás, todos, todos, todos!». De braços abertos, como Cristo na cruz, que implorou o perdão para os seus algozes e deu impulso à história – como gostava de dizer Bento XVI – com a «revolução do amor».
Assim, quando a violência parece ter a última palavra, quando a agressão surge como a única alternativa, aparece a oportunidade de desafiar a lógica terrena e levantar o olhar para o exemplo de Cristo. «Cristo vai à nossa frente – afirmava Leão XIV no seu primeiro discurso, minutos após ser eleito Papa –. O mundo precisa da sua luz. A humanidade precisa d’Ele como ponte para poder ser alcançada por Deus e pelo seu amor». A paz é um dom de Deus que devemos pedir unidos.
Além disso, todos podemos contribuir para edificar a paz nos corações e nas relações, normalmente com pequenos gestos de pacificação: em nossa casa, no bairro, no local de trabalho. Por sua vez, a paz precisa de assentar numa justiça vivificada pelo amor. Quem se sabe filho de Deus descobre “irmãos” nos outros, como aconselhava São Josemaria: «Cada um de nós renasceu em Cristo, para ser uma nova criatura, um filho de Deus: todos somos irmãos, e temos de conviver fraternalmente!» (Sulco, n. 317).
O anseio universal de paz é também uma urgência cada vez mais visível. Não basta lamentar a violência; todos, crentes ou não, somos chamados a cultivar, a partir do nosso lugar, um ecossistema de paz: quem tem paz, transmite-a com a sua presença, com a sua forma de reagir perante as pessoas e os acontecimentos. Esta tarefa começa nas pequenas coisas: na linguagem que usamos, nas nossas conversas, nos gestos quotidianos em casa, no trabalho, na universidade ou no espaço digital. Há alguns dias Leão XIV fazia esta reflexão: «A paz não é uma utopia: é um caminho humilde, feito de gestos quotidianos, que entrelaça paciência e coragem, escuta e ação» (17/06/2025).
Neste sentido, quando São João Paulo II canonizou São Josemaria em 2002, chamou-lhe o “santo da vida quotidiana”. Esse título exprime o coração da sua mensagem: Deus encontra-se no quotidiano, e também aí se constrói a paz. Habitualmente, não se trata de realizar feitos heroicos, mas de construir vínculos através da paciência, da amabilidade, do perdão. As guerras da vida quotidiana não começam com bombas, mas com palavras duras, pequenos desprezos, gestos de egoísmo ou indiferença, que vão escalando.
Comentando a bem-aventurança – a alegria – dos que «trabalham pela paz» (Mt 5, 9), o Papa Leão convidava os representantes dos meios de comunicação a considerar que «a forma como comunicamos adquire uma importância fundamental; temos de dizer ‘não’ à guerra das palavras e das imagens» (12/05/2025)
Por isso, o primeiro terreno onde lançar a semente da paz é o nosso próprio coração. Alcançar a paz interior é um desafio particular nestes tempos de ansiedades e medos. Com palavras de São Josemaria: «não há paz em muitos corações que tentam em vão compensar a intranquilidade da alma com a distração contínua, com a pequena satisfação dos bens que não saciam» (Cristo que passa, n. 73).
As palavras do apóstolo São Tiago, que exprimem essa tensão entre o bem e o mal que carregamos na nossa natureza humana, têm hoje uma atualidade impressionante: «Onde há inveja e espírito faccioso também há perturbação e todo o género de obras más. Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura; depois, é pacífica, indulgente, dócil» (Tg 3, 16-18).
Da paz interior nasce a paz à nossa volta. Notamo-lo em nós próprios e, de modo especial, agradecemos quando surge na nossa vida um artífice da paz: essas pessoas que são portadoras de luz, que tecem unidade e concórdia – sintonia dos corações –, que abrem horizontes e contagiam alegria. Evocando o Papa Francisco, são esses “santos ao pé da porta” que constroem a paz da porta ao nosso lado. Essas pessoas inspiram-nos com o seu exemplo de pedagogos da paz.
Muitas vezes, o contributo que podemos dar para a paz ao nosso redor passa por criar uma atitude de compreensão para com os outros. «A caridade, mais do que em dar, está em compreender – ensinava São Josemaria –. O espírito de compreensão é expressão da caridade cristã do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que estejamos presentes em todos os caminhos retos da terra, para estender a semente da fraternidade – não do joio –, da desculpa, do perdão, da caridade, da paz» (Cristo que passa, n. 124).
Recordar hoje São Josemaria é também renovar esse compromisso de trabalhar pela paz, sendo «irmãos de todas as criaturas e semeadores de paz e alegria». A «paz desarmada e desarmante» de Cristo ressuscitado, anunciada por Leão XIV no seu primeiro discurso, bem pode inspirar o nosso dia a dia, não como um ideal abstrato, mas como uma atitude concreta: uma forma de estar no mundo que gere reconciliação, esperança e unidade.