Acompanhamento espiritual

O acompanhamento espiritual, num contexto de amizade e intimidade com Deus, orienta, dá otimismo, abre à esperança, amplia horizontes e contribui para que a alma seja capaz de coisas grandes.

«Hoje mais do que nunca precisamos de homens e mulheres que conheçam, a partir da sua experiência de acompanhamento, o modo de proceder onde reine a prudência, a capacidade de compreensão, a arte de esperar, a docilidade ao Espírito, para no meio de todos defender as ovelhas a nós confiadas dos lobos que tentam desgarrar o rebanho»[1]. Com estas palavras, o Papa Francisco recorda-nos a conveniência do acompanhamento ou direção espiritual para a vida cristã.

É o Espírito Santo, que santifica: «o modelo é Jesus Cristo; o modelador, o Espírito Santo, por meio da graça»[2]. Quem exerce uma direção espiritual pessoal é um “instrumento” de Deus, que é quem faz crescer (cf. 1Cor 3, 7-9). É preciso deixar que «a graça de Deus e o Diretor façam a sua obra», para que apareça «a imagem de Jesus, em que se transforma o homem santo»[3]. Essa graça é uma participação na vida de Jesus Cristo, que na Eucaristia «nos faz cor unum et anima una, um só coração e uma só alma; e nos converte em família, em Igreja»[4].

1. O acompanhamento fraternal dos filhos de Deus em Cristo

É lógico que se procure um acompanhamento espiritual quando se avança na vida espiritual e se percebe que o Senhor pede mais vibração. Teologicamente poderíamos dizer identificar-se com Cristo, ser outro Cristo para o próximo. Esta é a razão autêntica pela qual cada cristão pode desejar legitimamente a ajuda do conselho espiritual. Viver na disposição contínua de procurar Deus, habitar no desejo convicto de lhe agradar. Existe um impulso interior que pede algo mais, não do ponto de vista da eficiência (fazer muitas coisas), mas sim no deixar-se fazer pelo Outro (Deus)[5].

A consideração da Igreja como família é uma das chaves para o acompanhamento espiritual. Neste ambiente de fraternidade cristã, de família, amando as pessoas com o proverbial coração de pai e de mãe, cada um é ajudado a buscar, encontrar e amar a Cristo[6].

O ACOMPANHAMENTO ESPIRITUAL É, PORTANTO, UMA REALIDADE COM FUNDAMENTO BATISMAL

O Catecismo da Igreja Católica recorda, a propósito da direção espiritual, que «o Espírito Santo concede a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento»[7]. Estes dons podem ser encontrados em sacerdotes e também nos fiéis não ordenados: religiosos, religiosas, leigos. Efetivamente, proporcionar direção espiritual a outras pessoas é um dos modos de os leigos exercerem o seu sacerdócio comum, que capacita para «ajudar os homens a caminhar para Deus, mediante o testemunho da palavra e do exemplo, mediante a oração e a expiação»[8].

O acompanhamento espiritual é, portanto, uma realidade com fundamento batismal, como desenvolvimento por ter recebido o batismo, e um apostolado concreto. Efetivamente, pode ler-se em contexto de direção espiritual (introduzindo os matizes e os devidos ajustes) o que S. Josemaria escreve em relação ao apostolado de amizade e confidência; um apostolado que na existência laical pressupõe o testemunho da vida cristã dado com naturalidade, através das situações comuns do dia a dia: «E ao perceberem que somos iguais a eles em todas as coisas, os outros sentir-se-ão impelidos a perguntar-nos: Como se explica a vossa alegria? Donde vos vêm as forças para vencer o egoísmo e o comodismo? Quem vos ensina a viver a compreensão, a convivência limpa e a entrega, o serviço aos outros? É então o momento de lhes manifestar o segredo divino da existência cristã, de lhes falar de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, de Maria; o momento de procurar transmitir, através das nossas pobres palavras, a loucura do amor a Deus que a graça derramou em nossos corações»[9]. Tudo isso pressupõe que quem assume a tarefa de dirigir espiritualmente uma pessoa reúna condições devidas de maturidade espiritual, de prudência, de discrição, de afabilidade etc., e de formação, já que na direção espiritual não se aconselha a partir das próprias experiências e opiniões, mas a partir da fé da Igreja.

2. Rumo à santidade

«Para caminhar rumo ao Senhor temos sempre necessidade de um guia, de um diálogo. Não o podemos fazer apenas com as nossas reflexões»[10]. O papel do “mestre” espiritual consiste em secundar o trabalho do Espírito Santo na alma e dar paz, em vista do dom de si e da fecundidade apostólica[11]. Por isso, a sua tarefa introduz-nos no Evangelho, onde «tudo, cada ponto relatado, se recolheu, pormenor a pormenor, detalhe por detalhe, para que o encarnes nas circunstâncias concretas da tua existência»[12]. A direção espiritual ajuda a descobrir o que o Evangelho diz a cada alma, e a reagir com uma resposta de entrega. «Permanece válido para todos (...) o convite a recorrer aos conselhos de um bom pai espiritual, capaz de acompanhar cada um no conhecimento profundo de si mesmo, e conduzi-lo à união com o Senhor, para que a sua existência se conforme cada vez mais com o Evangelho»[13]. A direção espiritual bem recebida leva a confrontar a própria vida com Cristo e com a sua mensagem de amor (cf. Jo 13, 34), e a ver a mão de Deus na própria existência, à luz da Escritura e contando com a ação do Espírito Santo.

«A função do diretor espiritual – ensina S. Josemaria – é abrir horizontes, ajudar a formar critério, mostrar os obstáculos, indicar os meios adequados para superá-los, corrigir as deformações ou desvios do caminho, animar sempre: sem perder nunca o ponto de mira sobrenatural, que é uma afirmação otimista, porque cada cristão pode dizer que tudo pode com a ajuda divina (cf. Fl 4, 13)»[14]. Com o crescimento da fé, da esperança e da caridade, ajuda-se a tratar a Deus pessoal e continuamente, muitas vezes por meio de um plano de vida. Dessa forma, a oração (vocal e mental), a confissão frequente, a participação na Eucaristia – verdadeiro centro da vida cristã –, a familiaridade com a Sagrada Escritura, levam a aprofundar no sentido da existência, a conhecer o amor de Deus, a melhorar em conhecimento próprio e desejos de servir a todas as almas.

“A FÉ E A VOCAÇÃO DE CRISTÃOS AFETAM TODA A NOSSA EXISTÊNCIA, E NÃO só UMA PARTE DELA”

S. Josemaria aconselha abordar sempre, na direção espiritual, três pontos necessários para um verdadeiro progresso espiritual: fé, pureza e vocação[15]. Esta trilogia pode relacionar-se com o que nos dizem os Atos dos Apóstolos, descrevendo a vida e a perseverança dos primeiros cristãos «ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações» (At 2, 42). A remete para a doutrina apostólica[16]. A pureza vincula-se ao Pão eucarístico: a comunhão frequente ajuda-nos a ter um olhar limpo e protege o tesouro da castidade. A oração, resposta à Palavra de Deus que chama, é essencial para ser fiel à própria vocação[17].

«A fé e a vocação de cristãos afetam toda a nossa existência e não só uma parte dela»[18]; portanto, estão relacionadas com a vida familiar, o trabalho, o descanso, a vida social, a política, etc. Mesmo que a direção espiritual não tenha esses âmbitos como matéria imediata, deve facultar luz e conselhos para que cada um, com liberdade e responsabilidade, firme na fé e na moral católicas, tome as decisões que considerar oportunas com conhecimento de causa e deixando que a luz de Deus ilumine toda a sua vida. Partindo desta perspetiva, a direção espiritual tem como meta promover a “unidade de vida”[19] que leva a procurar e amar Deus em tudo e a viver toda a existência com consciência da missão que a vocação cristã implica. A direção espiritual contribui para o processo de crescimento de cada cristão na sua condição de filho ou de filha de Deus Pai em Cristo, pelo Espírito; ajudando a descobrir com

3. Liberdade e responsabilidade

O irmão que acompanha espiritualmente outro irmão contribui com um parecer desinteressado e reto, respeitando a personalidade daquele a quem aconselha, sem suplantar a sua liberdade e, portanto, a sua responsabilidade. Como escreve S. Tomás de Aquino, «os filhos de Deus são movidos pelo Espírito Santo livremente, por amor; não servilmente, por temor»[20]. Um conceito que S. Josemaria condensa deste modo: «Só quando se ama se chega à liberdade mais plena»[21]. A pessoa humana é um mistério: «em cada alma há um fundo delicado, no qual só Deus pode penetrar»[22]. E a cada pessoa corresponde secundar as inspirações que recebe do Espírito Santo, pastor das nossas almas[23].

A tarefa do pastor de almas está «dirigida a situar cada pessoa em face das exigências totais da sua vida, ajudando-a a descobrir aquilo que Deus em concreto lhe pede, sem pôr qualquer limitação à santa independência e à bendita responsabilidade individual que são características de uma consciência cristã. Esse modo de agir e esse espírito baseiam-se no respeito pela transcendência da verdade revelada e no amor à liberdade da criatura humana. Poderia acrescentar que se baseiam também na certeza da indeterminação da História, aberta a múltiplas possibilidades, que Deus não quis limitar»[24]. S. Josemaria também aponta que «para conseguirem a perfeição cristã na respetiva profissão ou ofício», os cristãos «necessitam adquirir uma formação que lhes permita administrar a sua liberdade: com presença de Deus, com piedade sincera, com doutrina»[25]. Por isso, os conselhos da direção espiritual servem para iluminar a inteligência, robustecem a liberdade. Por vezes, essa transmissão da verdade será feita com fortaleza. «A verdadeira finura e a verdadeira caridade exigem que chegar até a medula, ainda que custe»[26]: sempre com delicadeza e respeitando os ritmos próprios de cada pessoa.

A LIBERDADE ASSUMIDA COMO ESCOLHA DO BEM É INSEPARÁVEL DA CORRELATIVA RESPONSABILIDADE PESSOAL

A pessoa que é acompanhada espiritualmente deve ter uma atitude aberta à ajuda. Por isso é necessário recordar que «a humildade é a verdade no caminho da luta ascética»[27]. Uma das manifestações mais importantes da humildade é a sinceridade que, algumas vezes, tem que ser «sinceridade selvagem»[28], isto é, manifestação do que há na alma, sem enfeites nem eufemismos. A direção espiritual tem as características de uma confidência[29], que está baseada na confiança. Por isso, assim como a direção espiritual procede sem «espartilhar ninguém (...), respeitando cada alma tal como é, com as suas características próprias»[30], quem a recebe deixa «a graça de Deus e o Diretor fazerem a sua obra», já que, se não se fundamenta assim, «jamais aparecerá a escultura, imagem de Jesus, em que se transforma o homem santo»[31]. Isto requer certa regularidade nas conversas.

Neste âmbito de confiança fraternal, é lógico procurar ser dócil à palavra ouvida que, diante de Deus, se reconhece como uma luz do Espírito Santo. Pode-se, pois, falar de obediência à direção espiritual, mas tendo presente que a obediência não é um conceito unívoco[32]. Na direção espiritual, não se dá importância ao conselho recebido por se estar obrigado a isso, nem por reconhecer a sua experiência ou sabedoria, mas porque a pessoa adverte que, por meio das suas palavras, Deus a ilumina e aconselha. Muitas vezes, os conselhos da direção espiritual não são totalmente detalhados, mas somos encorajados a refletir e, acima de tudo, confrontarmo-nos com o Senhor na oração. Efetivamente corresponde ao interessado ponderar o que ouviu e decidir com uma resolução que, certamente, foi iluminada pelo conselho, mas que surge das suas deliberações e sua vontade.

A liberdade assumida como escolha do bem é inseparável da correspondente responsabilidade pessoal. «Cada qual é como é, e é preciso tratar cada um conforme Deus o fez. Omnibus omnia factus sum, ut omnes facerem salvos (1Cor 9, 22), é preciso fazer-se tudo para todos. Não existem panaceias. É preciso educar, dedicar a cada alma o tempo que necessitar, com a paciência de um monge medieval para as miniaturas – folha a folha – de um códice; levar as pessoas à maturidade, formar a consciência, para que cada um sinta a sua liberdade pessoal e a sua consequente responsabilidade»[33]. Deste modo, o acompanhamento espiritual, em um contexto de amizade e intimidade com Deus, orienta, dá otimismo, abre à esperança, amplia horizontes e contribui para que a alma seja capaz de coisas grandes.


Bibliografia:

  • Artigos de Collationes.org: El arte de dirigir almas
  • Fulgencio Espa, Conta comigo, p. 38, Cultor de Livros, São Paulo 2017.
  • Francisco Fernández-Carvajal, Para llegar a puerto. El sentido de la ayuda espiritual, Palabra, Madrid, 2010.
  • Guillaume Derville. Diccionario de San Josemaría Escrivá de Balaguer. Voz: “Dirección espiritual”. Burgos, Monte Carmelo - Instituto Histórico Josemaría Escrivá, 2013, pp. 339-345.

[1] Francisco, Evangelii Gaudium, n. 171.

[2] S. Josemaria, Carta 08/08/1956, n. 37: AGP, série A.3, 94-1–2.

[3] Ibid., Caminho, n. 56.

[4] Ibid., Entrevistas a S. Josemaria, n. 123.

[5] cf. Fulgencio Espa, Conta comigo, p. 38, Cultor de Livros, São Paulo 2017.

[6] cf. S. Josemaria, Caminho, n. 382.

[7] Catecismo da Igreja Católica, n. 2690.

[8] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 120.

[9] Ibid., n. 148.

[10] Bento XVI, Audiência Geral, 16/09/2009.

[11] cf. S. Josemaria, Caminho, n. 62.

[12] Ibid., Forja, n. 754.

[13] Bento XVI, Discurso, Audiência Geral, 16/09/2009.

[14] S. Josemaria, Carta 08/08/1956, n. 37: AGP, série A.3, 94-1–2.

[15] cf. Ibid., Sulco, n. 84; Amigos de Deus, n. 187.

[16] cf. Ibid., Entrevistas a S. Josemaria, n. 73.

[17] cf. Ibid., Forja, n. 297 e 789.

[18] Ibid., Cristo que Passa, n. 46.

[19] cf. Ibid., Cristo que Passa, n. 10; Gaudium et Spes, n. 43.

[20] S. Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, IV, 22.

[21] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 38.

[22] Ibid., Carta 08/08/1956, n. 37: AGP, série A.3, 94-1-2.

[23] cf. Ibid., Cristo que passa, n. 174.

[24] Ibid., Cristo que passa, n. 99.

[25] Ibid., Entrevistas a S. Josemaria, n. 53.

[26] Andrés Vázquez de Prada, Josemaria Escrivá, tomo II, p. 291.

[27] S. Josemaria, Sulco, n. 259.

[28] Ibid., Forja, n. 127.

[29] cf. Ibid., Caminho, n. 64.

[30] Ibid., Amigos de Deus, n. 249.

[31] Ibid., Caminho, n. 56.

[32] cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 104.

[33] S. Josemaria, Carta 08/08/1956, n. 38: AGP, serie A.3, 94-1-2.