Em 1972, S. Josemaria Escrivá visitou Portugal. Na casa onde ficou hospedado, chamou-lhe a atenção esta rústica terrina de barro com a palavra «Amo-te», e já com grampos por se ter partido. Gostou imenso dela. Pediu que lhe deixassem levá-la para Roma. Levantou o tampo, provou um dos pequenos chocolates em forma de coração com que a tinham enchido.

Esta peça tinha sido comprada numa loja de velharias, em Coimbra. O comprador, o P. Hugo de Azevedo, achou que podia agradar ao fundador do Opus Dei, pois falava muitas vezes da nossa fragilidade e da misericórdia de Deus. O nosso amor a Deus e ao próximo é frágil como um vaso de barro. Mas Deus, na sua misericórdia, repara-nos de forma a ficarmos como novos.
Mas deixemos que o conte quem o testemunhou em primeira mão.
As recordações do P. Hugo de Azevedo*
É desse dia, após o almoço, a história de uma velha terrina – uma antiga terrina popular, rachada e recomposta solidamente com sete grampos de ferro – que lhe apresentámos cheia de chocolates em forma de coração.
Comprara-a eu poucos meses antes em Coimbra, numa loja de velharias – o Plácido – da rua da Sofia. Quando a descobri na montra deu-me um pulo o coração: seria um presente ideal para o Padre! Tantas vezes nos falava dos vasos rachados – frágeis, como a nossa alma – que se consertam com uns bons grampos e ficam mais graciosos do que antes –, tal como fica cheia de graça a nossa alma arrependida, depois de uma boa Confissão.
Tantas vezes nos falava dos vasos rachados – frágeis, como a nossa alma – que se consertam com uns bons grampos e ficam mais graciosos do que antes
Não era um vaso, mas era uma terrina, um puchero, outra imagem que usava com frequência, comparando o espírito da Obra ao velho púcaro ou caldeiro rústico donde todos os membros de família, sentados ao redor da mesa, iam tirando aquilo de que necessitavam, cada um segundo a sua idade e o seu apetite. Um único prato para todos; assim como é um só o espírito do Opus Dei; mas de aplicação tão variável como as condições de cada qual.

E, ainda por cima, entre as ramagens pintadas no testo e no bojo, em letra corrida, quase infantil, o artista decorara a terrina com a mais simples declaração de amor, oito vezes repetida: «Amo-te, Amo-te, Amo-te...».
Quando a viu, no dia seguinte, sobre a mesa da sala de estar, comoveu-se. Gostou imenso da velha terrina portuguesa e já não quis separar-se dela. Que a levassem para Roma. Queria vê-la muitas vezes. Dar-lhe-ia muita presença de Deus. E assim se fez.
Erguendo a tampa, provou um dos pequenos chocolates com forma de coração, envoltos em pratinha vermelha, com que a tinham recheado, e achou-lhes graça: – «Que doces são os corações dos meus filhos portugueses!»
Erguendo a tampa, provou um dos chocolates, com que a tinham recheado, e achou-lhes graça: – «Que doces são os corações dos meus filhos portugueses!»
Até o Senhor o levar para o Céu, quantas vezes se referiu a ela, extraindo lições que só uma alma enamorada de Deus seria capaz de tirar!
– «Vistes aquela terrina com grampos que os meus filhos de Portugal tinham preparado para mim?» – perguntava uns meses mais tarde em Roma. – «Surpreendeu-me. Estávamos em Enxomil, a Casa de retiros que há junto do Porto.
E trouxeram-me uma terrina velha, talvez de princípios do século passado; uma terrina de louça, aldeã, muito simpática. É uma coisa vulgar, mas a mim encantou-me, porque se via que a tinham usado muito e se tinha rachado - devia ser de uma família numerosa - e tinham-lhe posto bastantes grampos para continuarem a usá-la.
Além disso, como adorno, tinham escrito, e ali tinha ficado depois de tirá-la do forno: amo-te, amo-te, amo-te [...]. Pareceu-me que aquela terrina era eu. Fiz oração com aquela peça velha, porque também eu me vejo assim: como a terrina de barro, partida e com grampos, e gosto de repetir ao Senhor: – “Com os meus grampos, amo-Te tanto!” Podemos amar o Senhor mesmo estando quebrados, meus filhos!»
* Excerto do livro: "O fundador do Opus Dei em Portugal", Hugo de Azevedo, Lucerna (2021).