A Caminho do centenário (6): O trabalho, condição natural do ser humano

A partir do desenvolvimento histórico do trabalho, é feita uma reflexão sobre a sua dignidade e relevância na vida humana. À luz dos ensinamentos de São Josemaria, o trabalho é proposto como um lugar de encontro com Deus e um meio de santificação.

Se analisarmos o percurso histórico da humanidade, surpreende ver como o trabalho evoluiu ao longo dos séculos. Há apenas 12 000 anos, os nossos antepassados – até então dedicados à caça e à recolha de alimentos – começaram a cultivar a terra. A pecuária foi-se aperfeiçoando progressivamente, tornando-se cada vez mais produtiva. O desenvolvimento de utensílios mecânicos, inicialmente rudimentares e depois cada vez mais complexos, transformou o artesanato, a agricultura, a construção e a produção têxtil. A energia, que ao princípio dependia dos elementos naturais e da força dos animais ou dos próprios seres humanos, foi substituída, a partir da segunda metade do século XVIII, pelas máquinas a vapor e, mais tarde, por motores de combustão interna e sistemas de propulsão a jato. O avanço da ciência permitiu a descoberta e o uso da eletricidade, a transmissão de ondas eletromagnéticas e o controlo da energia nuclear. Ao longo do século XX, a tecnologia foi sendo incorporada de forma generalizada no mundo do trabalho. Nas últimas décadas, os microprocessadores facilitaram o processamento de informação e o controlo das máquinas. Mudou a forma de construir, de nos deslocarmos, de comunicar, de ensinar e de aprender. Mudou – e continuará a mudar – a nossa maneira de trabalhar.

Haverá algo de estável no meio deste desenvolvimento constante? Que define, em termos antropológicos, o trabalho humano para além de todas estas transformações? Ao contrário de outros seres vivos, o ser humano não trabalha apenas para satisfazer as suas necessidades básicas – como a sobrevivência, a alimentação ou a reprodução – mas é também capaz de planear o futuro, transformar o ambiente de acordo com as suas necessidades vitais, criar obras de arte e transmitir conhecimentos às gerações seguintes, tornando possível o progresso. O trabalho, em última análise, mantém-nos vivos.

No entanto, no mundo antigo – tanto na cultura greco-romana como noutras tradições extrabíblicas – o trabalho não possuía especial dignidade. Estava associado, antes, a uma dimensão servil, própria de uma condição humana fatigante e subordinada. A verdadeira plenitude da vida situava-se no ócio, entendido como a possibilidade de se dedicar ao prazer intelectual, desde a filosofia a diversas formas de distração e hedonismo. Talvez por esta conceção de fundo, algumas correntes do ascetismo cristão acabariam por considerar o trabalho, em séculos posteriores, como um simples meio de se manter ocupado, quase um remédio contra os perigos da ociosidade e da fantasia.

A filosofia moderna e contemporânea tem considerado com frequência a relação entre o ser humano e a técnica, oscilando muitas vezes entre dois extremos: por um lado, o otimismo que confia em que a história nos conduzirá a conquistas cada vez maiores, chegando mesmo ao ponto de superar o trabalho graças à substituição completa do ser humano pela máquina; e, por outro, um pessimismo catastrofista, que receia que um progresso técnico-científico descontrolado acabe por provocar a destruição da humanidade e do planeta que a sustenta.

Como é sabido, a Teologia e o Magistério da Igreja refletiram amplamente sobre o trabalho, centrando-se sobretudo nas suas dimensões éticas e morais, o que deu origem à Doutrina Social da Igreja. Muito menos desenvolvida foi, contudo, a reflexão sobre o valor espiritual do trabalho. Não é frequente encontrar autores ou documentos que falem do dinamismo que o trabalho encerra na vida espiritual cristã: do trabalho como lugar de diálogo entre Deus e o homem, como espaço para o anúncio do Evangelho e para a construção do Reino de Deus.

É esta a razão pela qual a pregação de São Josemaria Escrivá desperta hoje especial interesse. De facto, o fundador do Opus Dei ensinou que o trabalho – e, por extensão, a vida quotidiana – é um lugar de encontro com Deus e o âmbito onde a maioria das pessoas pode procurar a santidade. O trabalho gera uma rede de relações humanas que favorecem o apostolado cristão e constitui a matéria a santificar para tornar mais cristã, e, portanto, mais humana, a sociedade em que vivemos. Na realidade, pode falar-se de uma vocação específica à santidade no e através do trabalho. A proximidade do centenário da fundação do Opus Dei (1928-2028) oferece uma ocasião propícia para redescobrir a atualidade desta mensagem e valorizar a sua contribuição para a missão da Igreja e para a vida social, num mundo em que formas de trabalho sempre novas moldam o presente e orientam o futuro.

Bênção, não castigo

Quem se aproxima dos ensinamentos do fundador do Opus Dei costuma surpreender-se com a sua insistência em sublinhar a dignidade do trabalho, uma dignidade que ele situa já no contexto da criação, antes do pecado de Adão:

«O trabalho – prego isto desde 1928 – não é uma maldição, nem um castigo do pecado. O Génesis fala dessa realidade, antes de Adão se ter revoltado contra Deus. Nos planos de Nosso Senhor, o homem teria sempre de trabalhar, cooperando assim na imensa tarefa da criação»[1].

«Aprendei bem: esta obrigação [a de trabalhar] não surgiu como um sequela do pecado original, nem se reduz a uma descoberta dos tempos modernos. Trata-se de um meio necessário que Deus nos confia na terra, alongando os nossos dias e tornando-nos partícipes do seu poder criador, para que ganhemos o sustento e, simultaneamente, “recolhamos frutos para a vida eterna” (Jo 4, 36): “o homem nasce para trabalhar, como as aves para voar” (Job 5, 7)»[2].

O trabalho é, portanto, a condição inicial e a vocação natural de todo o ser humano:

«O trabalho é a vocação original do homem: é uma bênção de Deus; e enganam-se lamentavelmente aqueles que o consideram um castigo. O Senhor, o melhor dos pais, colocou o primeiro homem no Paraíso, ut operaretur – para trabalhar»[3].

Para compreender o sentido e o valor do trabalho, não é preciso partir do pecado e das suas consequências, mas sim da imagem de Deus impressa em cada ser humano. A nova fundação que São Josemaria se sente chamado a promover na Igreja tem precisamente como missão revalorizar a dignidade originária do trabalho.

«Certamente, filhas e filhos, ao virmos para o Opus Dei e ao agir assim, não fizemos mais do que recordar que Deus quis que amássemos o trabalho. Quando a Escritura narra a criação do primeiro homem, conta-nos que “o Senhor Deus levou o homem e colocou-o no jardim do Éden, ut operaretur, para o cultivar” (Gn 2, 15). Depois do pecado, permanece a mesma realidade do trabalho, unido – por causa desse pecado – à dor, à fadiga: “comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn 3, 19), lê-se no Génesis. O trabalho não é algo acidental, mas lei para a vida do homem»[4].

Com efeito, trata-se de “recordar” algo que certas leituras do Génesis poderiam ter deixado de lado: o trabalho não é um castigo, mas uma bênção. Os nossos primeiros pais não receberam de Deus uma simples ordem nem uma tarefa servil, mas uma verdadeira bênção: «Abençoando-os, Deus disse: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra» (Gn 1, 28). Nada mais distante do espírito bíblico do que considerar o trabalho como uma maldição. Depois do pecado de Adão, o homem continua a ser o “cultivador” e o “guardião” da terra, tal como o quis o Criador, embora agora a sua tarefa esteja marcada pelo esforço, pela precariedade e pela insegurança. Apesar de estar exposto ao risco do pecado – como mostra o episódio da torre de Babel (cf. Gn 11, 1-9) –, mediante um trabalho cuidadoso e esmerado, o ser humano pode prestar culto a Deus: constrói altares, fabrica a Arca da Aliança, edifica o Templo de Jerusalém.

Enquanto houver homens na terra

A originalidade do trabalho como dimensão existencial que acompanha a vida de cada pessoa, bem como a diversidade de formas em que se manifesta a atividade humana, levam São Josemaria a formular duas considerações fundamentais. A primeira é a de que a vocação à santidade no meio do mundo, com a qual Deus chama cada pessoa do Opus Dei deve incluir, de algum modo, a vocação profissional e humana que cada um já exerce ou se prepara para exercer:

«Convencei-vos de que a vocação profissional é parte essencial e inseparável, da nossa condição de cristãos. O Senhor quer que sejais santos no lugar onde estais e no trabalho que haveis escolhido pelas razões que vos aprouveram: a mim, todas me parecem boas e nobres – desde que não se oponham à lei divina –, e capazes de ser elevadas ao plano sobrenatural, isto é, enxertadas nessa corrente de Amor que define a vida de um filho de Deus»[5].

Em segundo lugar, dada a riqueza e diversidade das formas que o trabalho humano assume e das circunstâncias concretas da vida corrente, um chamamento à santidade no e através do trabalho implica – quase como consequência natural – um chamamento universal à santidade.

O caminho que a nova fundação propôs está destinado a perdurar até ao fim dos tempos, porque – como escreve São Josemaria – sempre haverá na terra homens e mulheres que trabalhem: «Enquanto houver homens na terra, existirá a Obra»[6].

Com efeito, a universalidade do chamamento à santidade tem como fundamento teológico o sacramento do batismo, e não o trabalho. É o batismo que configura o crente com Cristo, convidando-o a levar à plenitude essa identificação com Ele ao longo de toda a vida. Todos os membros do Povo de Deus – ministros ordenados e leigos, religiosos e consagrados, homens e mulheres, sãos e doentes – são chamados a tender para a perfeição cristã.

Contudo, o facto de ter visto que essa santidade podia ser procurada no exercício do trabalho e na vida corrente[7] permitiu ao fundador do Opus Dei mostrar que essa universalidade era, na prática, acessível a todos. Abriam-se assim – afirmava – os caminhos divinos da terra[8], porque todo o trabalho e toda a atividade quotidiana podem converter-se em lugar de encontro com Deus[9].

Eis aqui dois textos particularmente significativos:

«Meus filhos, metei-vos por todos os recantos. Onde uma pessoa honesta puder viver, aí encontraremos ar para respirar. Aí devemos estar com a nossa alegria, com a nossa paz interior, com o nosso empenho em levar as almas a Cristo. Em que lugares? Onde estão os intelectuais? Onde estão os intelectuais. Onde estão os que trabalham em tarefas manuais? Onde estão os que trabalham em tarefas manuais. E, destas tarefas, qual é a melhor? Direi como noutras ocasiões: tem mais valor aquele trabalho que se faz com mais amor de Deus. Vós, quando trabalhais e ajudais o vosso amigo, o vosso colega, o vosso vizinho de modo discreto, estais a curá-lo; sois Cristo que cura, sois Cristo que convive sem repugnâncias com os que necessitam de saúde, como também nos pode acontecer a nós em qualquer dia»[10].

«Parece-te pouca loucura dizer que, no meio da rua, se pode e deve ser santo? Que pode e deve ser santo o que vende gelados num carrinho, a empregada que passa o dia na cozinha, o diretor de um banco, o professor da universidade, o que trabalha no campo, o que carrega as malas às costas...? Todos chamados à santidade!»[11].

Os dois textos – especialmente o segundo – referem a universalidade do chamamento à santidade, percorrendo as diversas atividades, profissões e ofícios. Se todo o trabalho honesto pode ser santificado e tornar-se lugar de encontro com Deus, então o chamamento à santidade é tão universal como as inúmeras facetas do mundo laboral, desempenhadas por homens e mulheres de todos os tempos.

A convicção de São Josemaria de que a nova fundação que se sente inspirado a promover perdurará no tempo assenta numa certeza simples, mas profunda: como o trabalho é a condição natural do ser humano, a santificação do trabalho será sempre possível, porque será sempre possível amar e viver na presença de Deus no contexto da vida habitual.

O caminho que propõe não é uma adaptação para leigos de outras formas de testemunho cristão que, em virtude de uma consagração específica ou de votos canónicos, exigem uma entrega total à oração contemplativa e diferentes formas de separação do mundo. São Josemaria sabe que se dirige a pessoas que estarão imersas nas atividades seculares. Também elas – homens e mulheres – podem atingir cumes de intensa vida de oração e união com Deus. Assim o sugere, por exemplo, o uso insistente do adjetivo contemplativo e da expressão contemplativos no meio do mundo[12], com a qual se refere à vida habitual de quem trabalha. A mesma profundidade de oração a que aspira um religioso contemplativo, seguindo um estilo de vida retirado do mundo, deve poder alcançá-la igualmente um operário, uma mãe de família, uma investigadora científica ou um artista:

«Nestes anos, ao suscitar a sua Obra, o Senhor quis que nunca mais se ignore ou se esqueça a verdade de que todos devem santificar-se, e de que à maioria dos cristãos corresponde santificar-se no mundo, no trabalho quotidiano. Por isso, enquanto houver homens na terra, existirá a Obra. Sempre se produzirá este fenómeno: que haja pessoas de todas as profissões e ofícios, que procurem a santidade no seu estado, nessa profissão ou nesse ofício, sendo almas contemplativas no meio da rua»[13].

O trabalho, lugar da missão

Os especialistas em sociologia do trabalho afirmam que aproximadamente um terço das crianças que hoje nascem nos países desenvolvidos, no futuro terão empregos que ainda não existem: trata-se de ocupações que a dinâmica da vida social irá configurando nos próximos anos, antes de acederem ao mercado laboral. Apesar destas transformações aceleradas que caracterizam a nossa época, estamos convencidos de que o ensinamento de São Josemaria sobre a santificação do trabalho mantém plena atualidade, porque se refere à pessoa que trabalha, e não ao tipo concreto de trabalho que realiza.

O perfil espiritual que o fundador do Opus Dei traçou na sua pregação para os cristãos imersos nas realidades do mundo apresenta, de facto, respostas claras para muitas das incertezas que hoje enfrentamos.

No mundo contemporâneo, o trabalho costuma ser percecionado como um obstáculo que impede dedicar tempo a si próprio, à família ou aos próprios interesses. A vida – a verdadeira vida – pareceria começar apenas quando termina a jornada laboral. Emblemática desta visão é a oposição entre os weekdays e o weekend: os dias de trabalho suportam-se à espera da chegada do fim de semana; os longos meses laborais aguentam-se pelo alívio que representam as férias. Até mesmo aqueles que vivem de forma comprometida a sua fé cristã tendem a pensar que só ao terminar o trabalho poderão dedicar-se aos outros, participar em iniciativas apostólicas, recolher-se em oração ou cultivar a sua vida interior.

Embora esta perceção tenha algo de realismo – tanto porque o trabalho exige efetivamente tempo e energia que não podem ser dedicados a outras atividades, como porque a experiência de muitos trabalhadores se dá em condições bastante indignas da condição humana – a conclusão implícita é que a vida espiritual, a relação com Deus e a atenção ao próximo florescem unicamente fora do âmbito laboral, em espaços distintos da vida quotidiana. As próprias cidades parecem reforçar esta lógica, empurrando os seus habitantes a procurar lugares alternativos de lazer, recolhimento e sentido.

Contudo, de acordo com o Evangelho – Jesus pregou tanto nas cidades como no campo, trabalhou com as mãos e conhecia bem os contextos do trabalho humano – a pregação de São Josemaria não partilhava esta visão. Pelo contrário, promovia decididamente a unidade de vida e a santificação do quotidiano: Deus é encontrado no exercício da própria atividade diária; o trabalho não só não impede a oração, como pode transformar-se em oração; ocupa um lugar no altar, junto à Eucaristia. O compromisso cristão, o apostolado e o crescimento humano e espiritual da sociedade realizam-se, muitas vezes, precisamente através do trabalho.

Isto não significa que estes objetivos não possam também ser procurados fora do contexto laboral, algo de que todos nós temos experiência. Mas, diz-nos, isso sim, que o trabalho não obstaculiza a vida e a missão dos cristãos; mais ainda, para muitos é um lugar natural onde essa vida e essa missão se exprimem e se alimentam.

Muitos dos nossos contemporâneos veem no trabalho um espelho onde projetar a sua própria imagem, transformando o compromisso profissional numa forma de autoafirmação. Os êxitos laborais tornam-se a sua forma de apresentação perante o mundo, como prova do valor do próprio eu. Pelo contrário, os fracassos não só entristecem, como podem chegar a anular a pessoa.

Quando o trabalho é concebido como o espaço privilegiado para a autoafirmação pessoal, facilmente se converte em algo que se “venera”, chegando mesmo a ser aquilo pelo qual se está disposto a “sacrificar” muitas coisas: o tempo, a saúde, as relações humanas. Nesse ponto, o trabalho – de forma consciente ou inconsciente – transforma-se num ídolo. E esse ídolo somos nós próprios.

Até as ferramentas tecnológicas, se não forem orientadas para o serviço dos outros e para o bem comum, podem converter-se em ídolos. Não é por acaso que um recente documento da Santa Sé, a nota Antiqua et nova (2025), dedicada à inteligência artificial, adverte precisamente sobre este risco. Somos postos de sobreaviso diante da tentação de depositar nestas tecnologias as nossas expectativas mais profundas – o desejo de relações, de certezas, de segurança – pois isso equivale a convertê-las num ídolo tecnológico[14].

Longe dessa visão idolátrica, uma visão coerente do trabalho, como a que propõe o Evangelho e que São Josemaria soube reler e transmitir no nosso tempo, ajuda-nos a manter clara a verdadeira ordem dos fins do esforço humano: dar glória apenas a Deus, servir o próximo, promover o bem da sociedade. Mas também implica aceitar o sacrifício da cruz, confiando antes de mais em Deus, e não nas seguranças humanas.

A insistência com que o fundador do Opus Dei exortava a trabalhar bem – com competência, profissionalismo, e evitando a superficialidade ou as soluções aproximadas – não era apenas uma condição necessária para oferecer o trabalho a Deus como sacrifício agradável, mas contém também uma força transformadora capaz de curar muitos dos males do nosso tempo.

Numa época em que a pressa se impõe sobre a reflexão, em que a obsessão por obter resultados a qualquer preço compromete o profissionalismo e o respeito pelos procedimentos e pelas leis, e em que o medo e a emotividade muitas vezes substituem a análise serena e ponderada dos factos, o apelo ao trabalho bem feito – ainda que exija esforço e tempo – apresenta-se como um convite providencial. Vistos assim, o êxito ou o fracasso mudam de significado.

A competência, o profissionalismo e o estudo protegem não só dos erros, mas também de causar dano a outros e do desperdício de recursos. Educar as pessoas para que trabalhem bem é, sem dúvida, um dos maiores serviços que se pode prestar não apenas à sociedade, mas também à Igreja, que não está isenta do risco do clericalismo quando faltam competências ou existe um conhecimento insuficiente da realidade e das dinâmicas do mundo.

Por fim, ter apresentado o trabalho humano como participação na obra da criação e da redenção – uma ideia recorrente nos escritos de São Josemaria – oferece uma visão profundamente equilibrada do progresso. Trata-se de reconhecer na técnica uma expressão legítima da criatividade e da dimensão espiritual do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus.

Nesta perspetiva, o progresso técnico-científico e a promoção da pessoa não devem ser entendidos como forças opostas. Tecnologia e ética, ciência e sabedoria podem e devem cooperar harmoniosamente. A vida cristã não subscreve a ideia de que precisamos de “menos ciência e mais humanidade”, porque é precisamente através da ciência e do conhecimento que também cresce a humanidade.

A autonomia e a liberdade com que os homens orientam o progresso – dir-nos-ia São Josemaria – não são absolutas, mas filiais: exercidas como filhos de Deus, conscientes da sua vocação para servir. No Reino de Cristo, reinar é servir. Por isso, quando o trabalho é verdadeiramente informado pela caridade e pelo espírito de serviço, o progresso científico torna-se verdadeiro progresso humano.


Esta série é coordenada pelo Prof. Giuseppe Tanzella-Nitti. Participam outros colaboradores, alguns dos quais são professores na Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma).


[1] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 81.

[2] Ibid., n. 57.

[3] São Josemaria, Sulco, n. 482.

[4] São Josemaria, Carta 14, n. 3.

[5] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 6.

[6] São Josemaria, Carta 3, n. 92.

[7] cf. São Josemaria, Carta 3, n. 2.

[8] cf. São Josemaria, Cristo que passa, n. 21; Amigos de Deus, n. 314.

[9] cf. São Josemaria, Amigos de Deus, n. 149, 208.

[10] São Josemaria, tertúlia no Teatro Coliseo, Buenos Aires, 23/06/1974.

[11] São Josemaria, tertúlia em São Paulo, 30/05/1974.

[12] cf. São Josemaria, Sulco, n. 497; Forja, n. 738, 740.

[13] São Josemaria, Carta 3, n. 92.

[14] cf. Dicastério para a Cultura e a Educação, Dicastério para a Doutrina da Fé, Antiqua et nova, n. 105.