Comentário do Evangelho: O bom samaritano

Evangelho do 15º domingo do Tempo comum (Ano C) e comentário do evangelho.

Naquele tempo, um mestre da Lei se levantou e, querendo pôr Jesus em dificuldade, perguntou:

“Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”

Jesus lhe disse: “O que está escrito na Lei? Como lês?”

Ele então respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!”

Jesus lhe disse: “Tu respondeste corretamente. Faze isso e viverás”.

Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”

Jesus respondeu: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no, e foram-se embora deixando-o quase morto. Por acaso, um sacerdote estava descendo por aquele caminho. Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante, pelo outro lado. Mas um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e entregou-as ao dono da pensão, recomendando: “Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais”.

E Jesus perguntou: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”

Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”.

Então Jesus lhe disse: “Vai e faze a mesma coisa”


Comentário

A conversa entre Jesus e este doutor da lei encaixa bem no tipo de diálogos habituais entre os mestres de Israel. Jesus não responde diretamente à questão que ele lhe coloca, mas pergunta qual seria a resposta dele daria sobre o que se deve fazer para herdar a vida eterna. Ele responde, muito acertadamente, unindo um texto do Deuteronômio sobre a primazia do amor a Deus (cf. Dt. 6,5), com outro do Levítico sobre o amor ao próximo (cf. Lev 19,18). O doutor da lei sabia perfeitamente qual era a resposta teórica para o que ele havia perguntado a Jesus, mas a sua pergunta não era supérflua. Acontece frequentemente que não basta conhecer a doutrina, as dificuldades aparecem em relação à sua prática. Neste caso, a questão que não estava clara é a de quem se deve considerar como “próximo”, e, portanto, objeto do amor.

Jesus responde agora com uma parábola em que fala sobre um sacerdote e um levita que se desviaram de um viajante que tinha sido roubado de tudo e deixado quase morto por uns assaltantes. “Mas um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão”. (v. 33). Esse homem samaritano, comovido, reage: “aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois, colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele.No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e entregou-as ao dono da pensão, recomendando: 'Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais'”.(vv. 34-35).

O amor deve ser visível e tangível. Exige fatos concretos que ajudem a remediar as necessidades específicas do próximo. Por isso, depois de apresentar a parábola, Jesus pergunta ao seu interlocutor: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Ele respondeu: Aquele que usou de misericórdia para com ele” (vv. 36-37).

A pergunta de Jesus não é “inocente”. Na linguagem do Antigo Testamento, o “próximo” (em hebreu, “re'a”) não é qualquer ser humano, mas aquele que pertence ao próprio povo. Certamente o sacerdote e o levita pertenciam. Mas nenhum de seus contemporâneos teria dito que um samaritano fosse seu “próximo”. Jesus compromete o seu interlocutor ao perguntar-lhe por “qual destes três” (o sacerdote, o levita e o samaritano) era o “próximo” daquele homem quase morto. O doutor da lei, para não dizer o que parecia óbvio, mas era impensável para ele - “o samaritano” -, recorre a um circunlóquio: “O que teve misericórdia com ele”.

“É óbvia a atualidade da parábola - comenta Bento XVI - (…). Não encontramos também por acaso à nossa volta pessoas saqueadas e destroçadas? As vítimas das drogas, do comércio de seres humanos, do turismo sexual, homens interiormente destruídos, que estão vazios no meio de uma riqueza material. Tudo isso nos diz respeito e nos chama para termos olhar e coração para o próximo e também a coragem para o amor fraterno”1.

A parábola de Jesus é provocativa: Na prática, quem foi o que teve misericórdia com ele? Certamente, o samaritano foi o verdadeiro próximo daquele homem, mas também o foi o dono da pensão. Foi ele que se encarregou de fazer o curativo nas feridas até que elas cicatrizassem, de atendê-lo quando fosse necessário, ou de lhe preparar alimentos que fossem apetitosos e o ajudassem a recuperar as forças. Tudo isso sem protagonismo, servindo de maneira oculta. Como nos fala o Papa Francisco, “o amor nunca poderia ser uma palavra abstrata. Por sua própria natureza, é vida concreta: intenções, atitudes, comportamentos que se verificam na atividade de todos os dias”2.


[1] Joseph Ratzinger-Bento XVI, Jesus de Nazaré I. Do Batismo no Jordão à Transfiguração (São Paulo: Planeta, 2000), p. 171.

[2] Papa Francisco, Misericordiae vultus, n. 9.

Francisco Varo