Evangelho do domingo: Pentecostes

Solenidade de Pentecostes. “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: 'A paz esteja convosco'”. Jesus não espera que os seus apóstolos se convertam em homens valentes para os enviar: envia-os quando estão assustados, porque a sua paz e a sua força não virão das qualidades humanas ou das circunstâncias favoráveis. Virão do Espírito Santo que recebem nesse momento.

Evangelho (Jo 20, 19-23)

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.

Depois destas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.

E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.


Comentário

Chegou Pentecostes: a festa por excelência do Espírito Santo. Hoje, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, a Pessoa Divina que leva a cabo a sua tarefa santificadora de maneira silenciosa e discreta, irrompe com toda a força do seu poder para nos recordar que é Ele quem faz a Igreja.

A cena que nos apresenta o Evangelho de São João não deixa de ser paradoxal. Encontramo-nos ao anoitecer do Domingo da Ressurreição. Pelas narrações dos quatro evangelistas, sabemos que aquele dia foi frenético: idas e vindas ao sepulcro, pessoas que asseguram ter visto o Senhor, os de Emaús que vão desolados e regressam jubilosos, choros, abraços, espanto. E, sobretudo, alegria, muita alegria. Os testemunhos de Madalena, Pedro, Cléofas deveriam ter sido suficientes para que os discípulos incrédulos pelo menos duvidassem da sua incredulidade.

E, no entanto, encontramos agora essas pessoas de portas fechadaspor medo.

A história da humanidade mudou para sempre: Cristo ressuscitou. Não obstante, a mudança que devia operar-se nos apóstolos estava por fazer: ainda conservavam os vestígios desse temor que os fez abandoná-Lo no Calvário. Tremem perante a ideia de sofrer a mesma sorte.

Assim, enquanto nos corações daqueles que ama se cruzam esses sentimentos, Jesus Ressuscitado aparece no meio deles.

Para a nossa vida cristã, é muito importante darmos muita atenção aos gestos do Senhor. Em particular, esta cena é fundamental para compreender como Deus responde aos nossos medos, que muitas vezes são o obstáculo que nos impede de corresponder à sua graça.

Jesus faz quatro coisas: dá-lhes a paz, pede-lhes que levantem o olhar para contemplarem as suas chagas, dá-lhes a missão, e com ela, a possibilidade de perdoar os pecados.

É maravilhoso ver como o Senhor responde ao temor: com uma vocação. A chamada de Deus, que inclui sempre o sentido de missão, é em si mesma a resposta às nossas próprias debilidades e covardias.

Jesus não espera que os seus apóstolos se convertam em homens valentes para depois os enviar. Envia-os justamente quando estão assustados: porque a sua paz e a sua força não virão das qualidades humanas ou das circunstâncias favoráveis. Virão do Espírito Santo que recebem nesse momento. A Igreja fez-se, faz-se e continuará a fazer-se pela ação do Paráclito. A nossa tarefa não é outra senão a de nos deixarmos guiar por Ele. Por isso, não cabem nem as inibições nem a soberba.

A partir desse momento, a vida dos apóstolos vai resumir-se em proclamar em todos os lugares que Jesus é Senhor. Mas, como diz São Paulo na segunda leitura, para poder afirmar isso necessitamos do Espírito Santo (cf. 1 Cor 12, 3). Não podemos dar um único passo na vida espiritual, nem sequer o mais simples, sem a assistência da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Por isso, dizemos na sequência prévia à proclamação do Evangelho na Missa de hoje: Sem a luz que acode nada o homem pode, nenhum bem há nele. Esta Solenidade é uma ótima ocasião para pedir com fé uma renovação da nossa vida espiritual e para interceder pelos cristãos de todo o mundo. Ao convocar o Concílio Vaticano II, João XXIII pedia orações para aquilo que chamou “um novo Pentecostes” na Igreja. Essa expressão, novo Pentecostes, poderia servir-nos como um desejo que diariamente marque o passo do nosso trato com o Espírito Santo.

Para isso, podemos recorrer a Maria, protagonista indispensável do evento que celebramos hoje, para que d’Ela aprendamos a dizer faça-se a cada moção do Espírito Santo. A Virgem Maria também se perturbou perante a presença e o anúncio do Anjo (cf. Lc 1, 29). No entanto, não fundamentou a sua resposta na inquietação que sentia: fundamentou-a na segurança de que era Deus quem a chamava.

Assim se faz a Igreja, assim se comportaram os santos, e assim espera o Espírito Santo que vivamos nós. Sozinhos não podemos, mas com Ele sim.

Luis Miguel Bravo Álvarez // Rene Bohmer - Unsplash