Se puder servir-vos de aprendizado a experiência de um pobre sacerdote que não pretende falar senão de Deus, dar-vos-ei um conselho: quando a carne tentar recuperar seus foros perdidos, ou a soberba - que é pior - se rebelar e se eriçar, corramos a abrigar-nos nessas fendas divinas, abertas no Corpo de Cristo pelos cravos que o pregaram à Cruz e pela lança que lhe atravessou o peito. Façamo-lo do modo que mais nos comova: derramemos nas Chagas do Senhor todo esse amor humano... e esse amor divino. Que isto é apetecer a união, sentir-nos irmãos de Cristo, seus consanguíneos, filhos da mesma Mãe, pois foi Ela que nos levou até Jesus.
Ânsias de adoração, de desagravo, com sossegada suavidade e com sofrimento. Assim se tornará vida na nossa vida a afirmação de Jesus: Aquele que não toma a sua cruz e me segue não é digno de Mim. E o Senhor se nos mostra cada vez mais exigente, pede-nos reparação e penitência, até impelir-nos a experimentar o fervente anelo de querermos viver para Deus, cravados com Cristo na cruz. Este tesouro, porém, nós o guardamos em vasos de barro frágil e quebradiço, para sabermos reconhecer que a grandeza do poder que se nota em nós é de Deus e não nossa.
Vemo-nos acossados por toda a espécie de tribulações, mas não perdemos o ânimo; encontramo-nos em grandes apertos, mas não desesperados e sem meios; somos perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não inteiramente perdidos; trazemos sempre no nosso corpo, por toda a parte, a mortificação de Jesus.
Imaginamos, além disso, que o Senhor não nos escuta, que andamos enganados, que só se ouve o monólogo da nossa voz. Sentimo-nos como que sem apoio sobre a terra e abandonados pelo céu. No entanto, é verdadeiro e prático o nosso horror ao pecado, mesmo venial. Com a teimosia da Cananéia, prostramo-nos rendidamente como ela, que o adorou implorando: Senhor, ajuda-me. Desaparecerá a escuridão, superada pela luz do Amor. (Amigos de Deus, nn. 303-304)