Para curar uma ferida, primeiro limpa-se bem, também à volta, já de bastante longe. O cirurgião sabe perfeitamente que dói; mas, se omite essa operação, depois doerá mais. Além disso, aplica-se logo o desinfetante; arde – pica, como dizemos na minha terra –, mortifica, mas não há outro jeito senão usá-lo, para que a chaga não se infecte.
Se é óbvio que se devem adotar estas medidas para a saúde corporal, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância, reparai se, nas coisas grandes da saúde da alma – nos pontos nevrálgicos da vida de um homem –, não haverá que lavar, lancetar, raspar, desinfetar, sofrer! A prudência exige que intervenhamos desse modo e não fujamos do dever, porque esquivar-nos a ele demonstraria uma falta de consideração e mesmo um atentado grave contra a justiça e contra a fortaleza.
Persuadi-vos de que um cristão, se de verdade pretende conduzir-se retamente diante de Deus e diante dos homens, precisa de todas as virtudes, pelo menos em potência. Padre, perguntar-me-eis: E que faço com as minhas fraquezas? Respondo-vos: Por acaso não cura um médico que esteja doente, ainda que o mal de que sofre seja crônico? Impede-o por acaso a sua doença de prescrever aos seus pacientes a receita adequada? Claro que não. Para curar, basta-lhe possuir a ciência conveniente e pô-la em prática, com o mesmo interesse com que combate a sua própria doença. (Amigos de Deus, 161)