Viagem do Papa Francisco a Budapeste e à Eslováquia

Recolhemos neste artigo alguns dos discursos realizados pelo Papa Francisco durante sua viagem pastoral a Budapeste e à Eslováquia dos dias 12 a 15 de setembro. (Atualizado pela última vez dia 15.09)

12 de setembro - 13 de setembro - 14 de setembro - 15 de setembro


15 de setembro

No Templo de Jerusalém, os braços de Maria estendem-se para os do velho Simeão, que pode acolher Jesus e reconhecê-Lo como o Messias enviado para a salvação de Israel. Nesta cena, contemplamos quem é Maria: é a Mãe que nos dá o Filho Jesus. Por isso A amamos e veneramos. E o povo eslovaco acorre, com fé e devoção, a este Santuário Nacional de Šaštín, porque sabe que é Ela quem nos dá Jesus. No logotipo desta Viagem Apostólica, há um caminho desenhado dentro dum coração encimado pela cruz: Maria é o caminho que nos introduz no Coração de Cristo, que deu a vida por nosso amor.

À luz do Evangelho que ouvimos, podemos olhar para Maria como modelo da fé. E, na sua fé, reconhecemos três caraterísticas: o caminho, a profecia ea compaixão.

Antes de mais nada, a fé de Maria é uma fé que se põe a caminho. A jovem de Nazaré, logo que recebeu o anúncio do Anjo, “pôs-se a caminho (…) para a montanha” (Lc 1, 39), para ir visitar e ajudar Isabel, sua prima. Não considerou um privilégio ter sido chamada para Se tornar Mãe do Salvador; não perdeu a alegria simples da sua humildade por ter recebido a visita do Anjo; não ficou parada na contemplação de Si mesma, dentro das quatro paredes da sua casa. Pelo contrário, viveu aquele dom recebido como missão a cumprir; sentiu necessidade de abrir a porta, sair de casa; deu vida e corpo à impaciência com que Deus quer alcançar todos os homens para os salvar com o seu amor. Por isso Maria Se põe a caminho: prefere as incógnitas do caminho à comodidade dos seus hábitos, a fadiga do caminho à estabilidade da casa, o risco duma fé que se põe em jogo, tornando-se dom de amor para o outro, à segurança duma religiosidade tranquila.

Também o Evangelho de hoje nos mostra Maria a caminho: para Jerusalém, onde juntamente com José, seu esposo, apresenta Jesus no Templo. E toda a sua vida será um caminho atrás do seu Filho, como primeira discípula, até ao Calvário, ao pé da Cruz. Maria sempre caminha.

Assim, a Virgem é modelo da fé deste povo eslovaco: uma fé que se põe a caminho, sempre animada por uma devoção simples e sincera, sempre em peregrinação à procura do Senhor. E, caminhando, venceis a tentação duma fé estática, que se satisfaça com algum rito ou tradição antiga; em vez disso, saís de vós mesmos, levais na mochila as alegrias e os sofrimentos, e fazeis da vida uma peregrinação de amor a Deus e aos irmãos. Obrigado por este testemunho! E, por favor, continuai a caminho. Sempre; não pareis! E gostaria também de acrescentar uma coisa. Disse “não pareis”, porque, quando a Igreja para, adoece; quando os bispos param, adoecem a Igreja; quando os padres param, adoecem o povo de Deus.

A fé de Maria é também uma fé profética. Com a sua própria vida, a jovem de Nazaré é profecia da obra de Deus na história, da sua ação misericordiosa que subverte as lógicas do mundo, exaltando os humildes e derrubando os soberbos (cf. Lc 1, 52). Ela, representante de todos os “pobres de Jahvé”, que clamam a Deus e esperam a vinda do Messias, Maria é a Filha de Sião anunciada pelos profetas de Israel (cf. Sof 3, 14-18), a Virgem que conceberá o Deus conosco, o Emanuel (cf. Is 7, 14). Como Virgem Imaculada, Maria é ícone da nossa vocação: como Ela, somos chamados a ser santos e imaculados no amor (cf. Ef 1, 4), tornando-nos imagem de Cristo.

A profecia de Israel culmina em Maria, porque Ela traz no seu ventre a Palavra de Deus feita carne, Jesus. Ele realiza, plena e definitivamente, o desígnio de Deus. Falando d’Ele, Simeão diz à Mãe: “Ele está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição” (Lc 2, 34).

Não nos esqueçamos disto: não se pode reduzir a fé a um açúcar que adoça a vida. Não se pode. Jesus é sinal de contradição. Veio para trazer a luz onde há trevas, pondo as trevas a descoberto e forçando-as a renderem-se. Por isso as trevas lutam sempre contra Ele. Quem acolhe Cristo e se abre para Ele, ressuscita; quem O rejeita, encerra-se na escuridão e arruína-se a si mesmo. Jesus disse aos seus discípulos que não viera trazer paz, mas uma espada (cf. Mt 10, 34): de fato, a sua Palavra, como espada de dois gumes, penetra na nossa vida e separa a luz das trevas, pedindo-nos para escolher. Diz: “Escolhe!”. Face a Jesus, não se pode ficar morno, com “o pé em dois sapatos”. Não! Não se pode. Acolhê-Lo significa aceitar que Ele desvende as minhas contradições, os meus ídolos, as sugestões do mal; e que Se torne para mim ressurreição, Aquele que sempre me levanta, que me toma pela mão e faz recomeçar. Sempre me levanta.

E precisamente destes profetas tem necessidade, hoje a Eslováquia. Vós, bispos, sede profetas que sigam por esta estrada. Não se trata de ser hostis ao mundo, mas ser “sinais de contradição” no mundo. Cristãos que sabem mostrar, com a vida, a beleza do Evangelho: que são tecedores de diálogo onde as posições se tornam rígidas; que fazem resplandecer a vida fraterna na sociedade, onde muitas vezes nos dividimos e contrapomos; que difundem o bom perfume do acolhimento e da solidariedade, onde muitas vezes prevalecem os egoísmos pessoais, os egoísmos coletivos; que protegem e guardam a vida onde reinam lógicas de morte.

Maria, Mãe do caminho, que Se põe a caminho; Maria, Mãe da profecia; finalmente, Maria é a Mãe da compaixão. A sua fé é compassiva. Aquela que Se definiu como “a serva do Senhor” (cf. Lc 1, 38) e Se preocupou, com solicitude materna, de que não faltasse o vinho nas bodas de Caná (cf. Jo 2, 1-12), partilhou com o Filho a missão da salvação, até ao pé da Cruz. Naquele momento, na dor terrível vivida no Calvário, Ela compreendeu a profecia de Simeão: “uma espada trespassará a tua alma” (Lc 2, 35). O sofrimento do Filho moribundo, que tomava sobre Si os pecados e as tribulações da humanidade, trespassou-A também a Ela. Jesus dilacerado na carne, Homem das dores desfigurado pelo mal (cf. Is 53, 3); Maria, dilacerada na alma, Mãe compassiva que recolhe as nossas lágrimas e ao mesmo tempo nos consola, indicando-nos em Cristo a vitória definitiva.

E, junto da cruz, Nossa Senhora das Dores simplesmente permanece. Está ao pé da cruz; não foge, não tenta salvar-Se a Si mesma, não usa artifícios humanos nem anestésicos espirituais para escapar da dor. Esta é a prova da compaixão: ficar junto da cruz. Ficar com o rosto marcado pelas lágrimas, mas com a fé de quem sabe que, no seu Filho, Deus transforma o sofrimento e vence a morte.

E também nós, olhando para a Virgem Mãe Dolorosa, nos abrimos a uma fé que se torna compaixão, que se torna partilha de vida com quem está ferido, quem sofre e quem é constrangido a carregar aos ombros pesadas cruzes. Uma fé que não se fica pelo abstrato, mas faz-nos entrar na carne e nos torna solidários com os necessitados. Esta fé, ao estilo de Deus, humilde e silenciosamente levanta o sofrimento do mundo e irriga os sulcos da história com a salvação.

Queridos irmãos e irmãs, que o Senhor sempre conserve em vós a maravilha, conserve em vós a gratidão pelo dom da fé. E que Maria Santíssima vos obtenha a graça de que a vossa fé permaneça sempre a caminho, tenha o respiro da profecia e seja uma fé rica de compaixão.


Saudação no final da Eucaristia

Queridos irmãos e irmãs!

Chegou a hora de me despedir do vosso país. Nesta Eucaristia, dei graças a Deus por me ter concedido a graça de vir ter convosco e concluir a minha peregrinação no devotado abraço do vosso povo, celebrando juntos a grande festa religiosa e nacional da Padroeira, Nossa Senhora das Dores.

De coração vos agradeço, queridos irmãos Bispos, por toda a preparação e o acolhimento. Renovo o meu agradecimento à Senhora Presidente da República e às autoridades civis. E agradeço a todos aqueles que colaboraram de diversos modos, especialmente com a sua oração.

Levo-vos no coração. Ďakujem všetkým [obrigado a todos]!


14 de setembro - Encontro com os jovens

Queridos jovens, amados irmãos e irmãs, dobrý večer [boa tarde]!

Causou-me alegria ouvir as palavras de D. Bernard, os vossos testemunhos e as vossas perguntas. Fizestes-me três às quais gostaria de encontrar resposta juntamente convosco.

Começo por Peter e Zuzka, com a vossa pergunta sobre o amor no casal. O amor é o maior sonho da vida, mas custa. É lindo, mas não é fácil, como aliás todas as coisas grandes da vida. É o sonho por excelência, mas não é um sonho fácil de interpretar. Roubo-vos uma frase: “Começamos a perceber este dom com olhos totalmente novos”. Na verdade, como dissestes, são necessários olhos novos, olhos que não se deixam enganar pelas aparências. Amigos, não banalizemos o amor, porque o amor não é só emoção e sentimento; isto, quando muito, será o início. O amor não é ter tudo e súbito, não obedece à lógica do usa e lança fora. O amor é fidelidade, dom, responsabilidade.

Hoje a verdadeira originalidade, a verdadeira revolução é rebelar-se contra a cultura do provisório, é ir além do instinto, além do instante, é amar por toda a vida e com todo o próprio ser. Não estamos cá para ir vivendo, mas para fazer da vida um empreendimento grandioso. Todos vós tereis em mente grandes histórias que lestes nos romances, vistes nalgum filme inesquecível, ouvistes nalgum conto comovente. Se pensardes bem, nas grandes histórias há sempre dois ingredientes: um é o amor, outro é a aventura, o heroísmo. Andam sempre juntos. Para tornar grande a vida, precisamos de ambos: amor e heroísmo. Fixemos Jesus, contemplemos o Crucifixo: estão presentes os dois, um amor sem limites e a coragem de dar a vida até ao fim, sem meias medidas. Aqui, diante dos nossos olhos, temos a Beata Ana (Kolesárová), uma heroína do amor. Diz-nos para apostarmos em metas altas. Por favor, não deixemos transcorrer os dias da vida como episódios duma telenovela.

Por isso, quando sonhardes o amor, não acrediteis nos efeitos especiais, mas que cada um de vós é especial. Cada um de vós! Cada qual é um dom, e pode fazer da vida, da sua própria vida, um dom. Esperam-vos os outros, a sociedade, os pobres. Sonhai uma beleza que vá para além da aparência, para além da maquilhagem, para além das tendências da moda. Sem medo, sonhai formar uma família, gerar e educar filhos, passar uma vida inteira partilhando tudo com outra pessoa, sem vos envergonhardes das próprias fragilidades, porque existe ele, ou ela, que as acolhe e ama, que te ama tal como és. O amor é assim: amar o outro como é. Isto é o amor bom! Os sonhos que temos, dizem-nos a vida que desejamos. Os grandes sonhos não são o carro potente, o vestido da moda ou as férias extravagantes. Não deis ouvidos a quem vos fala de sonhos e, em vez disso, vende-vos ilusões. Uma coisa é o sonho, sonhar; outra, ter ilusões. Aqueles que vendem ilusões falando de sonhos são manipuladores de felicidade. Fomos criados para uma alegria maior: cada um de nós é único e está no mundo para se sentir amado na sua singularidade e amar os outros como ninguém o pode fazer no seu lugar. Não se vive sentado no banco de suplentes, à espera de substituir qualquer outro. Não! Cada um é único aos olhos de Deus. Não vos deixeis «homogeneizar»: não somos feitos em série, somos únicos, somos livres, e estamos no mundo para viver uma história de amor, de amor com Deus, para ter a ousadia de decisões grandes, para nos aventurarmos no risco maravilhoso de amar. Pergunto-vos: acreditais nisto? Pergunto-vos: sonhais com isto? [respondem: “Sim!”] Tendes a certeza? [“Sim!”]. Muito bem!

Gostaria de vos dar outro conselho. Para que o amor dê fruto, não esqueçais as raízes. E quais são as vossas raízes? Os pais e sobretudo os avós – ouvistes? – os avós. Eles prepararam-vos o terreno. Regai as raízes, ide ter com os avós: far-vos-á bem. Fazei-lhes perguntas, reservai tempo para ouvir as suas histórias. Hoje há o perigo de crescer desenraizados, porque temos tendência a correr, a fazer tudo depressa: aquilo que vemos na internet pode chegar-nos imediatamente a casa; basta um clique e aparecem no visor pessoas e coisas. Depois acontece tornarem-se mais familiares do que os rostos que nos geraram. Cheios de mensagens virtuais, corremos o risco de perder as raízes reais. Desligar-nos da vida real, fantasiar no vazio, não faz bem; é uma tentação do maligno. Deus quer-nos bem assentes na terra, ligados à vida; nunca fechados, mas sempre abertos a todos. Enraizados e abertos: entendestes? Enraizados e abertos.

Sim, é verdade! Mas – observar-me-eis – o mundo pensa de forma diferente. Fala-se muito de amor, mas na realidade vigora outro princípio: cada um pense por si. Queridos jovens, não vos deixeis condicionar por isto, pelo que está errado, pelo mal que alastra. Não vos deixeis prender pela tristeza ou pelo desânimo resignado de quem diz que nada mudará jamais. Se dermos crédito a isto, adoecemos de pessimismo. Já reparastes no rosto dum jovem, duma jovem pessimista? Vistes que cara tem? Uma face amargurada, um rosto de amargura. O pessimismo adoece-nos de amargura envelhece-nos por dentro. Envelhece-se jovem. Hoje há tantas forças desagregadoras, tantos que culpam tudo e todos, amplificadores de negatividade, profissionais de lamentações. Não lhes deis ouvidos, porque a lamentação e o pessimismo não são cristãos; o Senhor detesta a tristeza e o fazer-se de vítima. Não estamos feitos para trazer a face fixa na terra, mas para levantar o olhar para o céu, para os outros, para a sociedade.

E, quando nos sentirmos em baixo – porque todos, em certos momentos da vida, nos sentimos um pouco desanimados; todos nós passamos por esta experiência – e quando nos sentimos em baixo, que podemos fazer? Há um remédio infalível para erguer-se. Aquilo que nos referistes tu, Petra: a Confissão. Vós ouvistes Petra? [“sim!”] O remédio da Confissão... Petra, perguntaste-me: “Como pode um jovem ultrapassar os obstáculos no caminho para a misericórdia de Deus?” Também aqui é uma questão de olhar, de olhar o que é mais importante. Se vos perguntar “em que pensais quando vos ides confessar?” (não o digais em voz alta), tenho quase a certeza da resposta: “nos pecados”. Mas – pergunto-vos (e respondei) – são verdadeiramente os pecados o centro da Confissão? [“Não!”] Não ouvi… [“Não!”] Acertastes! Deus quer que te aproximes d’Ele pensando em ti, nos teus pecados, ou n’Ele? Deus, o que quer? Que te aproximes d’Ele ou dos teus pecados? Que quer Ele? Respondei [“Que me aproxime d’Ele!”] Mais alto, que sou surdo... [“…d’Ele!”] Qual é o centro: os pecados ou o Pai que perdoa todos os pecados? O Pai. Não vamos confessar-nos como pessoas castigadas que se devem humilhar, mas como filhos que correm para receber o abraço do Pai. E o Pai levanta-nos em qualquer situação, perdoa-nos todos os pecados. Fixai-o bem: Deus perdoa sempre! Entendestes? Deus perdoa sempre!

Deixo-vos um pequeno conselho: depois de cada Confissão, permanecei alguns momentos a recordar o perdão que recebestes. Guardai aquela paz no coração, aquela liberdade que sentis dentro de vós: não os pecados, que já não existem, mas o perdão que Deus te deu, a carícia de Deus Pai. Este, o perdão de Deus, guardai-o; não deixeis que vo-lo roubem. E na próxima vez que vos fordes confessar, lembrai-vos disto: vou receber de novo aquele abraço que me fez muito bem. Não vou a um juiz para regularizar as contas; vou a Jesus que me ama e cura. Neste momento, tenho vontade de dar um conselho aos padres. Digo, aos padres que se sentam no lugar de Deus Pai, que Ele sempre perdoa, abraça e acolhe. Demos a Deus o primeiro lugar na Confissão. Se o protagonista for Ele, tudo se torna belo e confessar-se torna-se o sacramento da alegria. Sim, da alegria: não do medo e do julgamento, mas da alegria. E é importante que os padres sejam misericordiosos. Nunca sejam curiosos, nunca inquisidores, por favor, mas sejam irmãos que dão o perdão do Pai, sejam irmãos que acompanham neste abraço do Pai.

Mas alguém poderia dizer: “Seja como for, eu sinto vergonha; não consigo superar a vergonha de me ir confessar”. Não é um problema; trata-se de uma coisa boa. Sentir vergonha na vida, às vezes faz bem. Se te envergonhas, quer dizer que não aceitas aquilo que fizeste. A vergonha é um bom sinal, mas, como qualquer sinal, convida a ir mais longe. Não fiques prisioneiro da vergonha, porque Deus nunca Se envergonha de ti. Ama-te mesmo no ponto em que te envergonhas de ti mesmo. E ama-te sempre. Não está no ecrã, isto que vos digo: na minha terra, aos descarados que fazem mal em tudo, chamamos-lhes “desavergonhados”.

Uma última dúvida: “Mas, padre, eu não consigo perdoar-me, pelo que nem sequer Deus poderá perdoar-me, pois cairei sempre nos mesmos pecados”. Ouve! Mas Deus, quando é que Se ofende? Quando Lhe vais pedir perdão? Não! Nunca Se ofende… Deus sofre quando pensamos que Ele não pode perdoar-nos, pois é como se Lhe dissesses: “És fraco no amor”. Dizer, de Deus, isto – “és fraco no amor” – é injusto! Ao contrário, Deus alegra-Se em nos perdoar, todas as vezes. Quando nos levanta, acredita em nós como na primeira vez. Ele não desanima. Somos nós que desanimamos; Ele não. Não vê pecadores a etiquetar, mas filhos a amar. Não vê pessoas erradas, mas filhos amados; porventura feridos, e então Ele tem ainda mais compaixão e ternura. E de cada vez que nos confessamos – nunca o esqueçais –, faz-se festa no Céu. Seja assim também na terra.

Por fim… Peter e Lenka, na vida, experimentastes a cruz. Obrigado pelo vosso testemunho. Perguntastes como “encorajar os jovens para não terem medo de abraçar a cruz”. Abraçar: é um verbo significativo. Abraçar ajuda a vencer o medo. Quando somos abraçados, readquirimos confiança em nós mesmos e também na vida. Então deixemo-nos abraçar por Jesus, pois, quando abraçamos Jesus, reabraçamos a esperança. A cruz, não se pode abraçar por si só; o sofrimento não salva ninguém. É o amor que transforma o sofrimento. Portanto, é com Jesus que se abraça a cruz; nunca sozinho! Se se abraça Jesus, renasce a alegria. E a alegria de Jesus, no sofrimento, transforma-se em paz. Queridos jovens, queridas jovens, desejo-vos esta alegria, mais intensamente do que qualquer outra coisa. Desejo que a leveis aos vossos amigos. Não sermões, mas alegria. Levai alegria! Não palavras, mas sorriso, proximidade fraterna. Agradeço-vos por me terdes escutado e peço-vos uma última coisa: não vos esqueçais de rezar por mim. Ďakujem [obrigado]!

Todos, de pé, rezemos a Deus que nos ama, dizendo o Pai Nosso: “Pai nosso…” (em eslovaco).

14 de setembro - Divina Liturgia Bizantina de São João Crisóstomo

“Nós – declara São Paulo – pregamos Cristo crucificado (...), poder e sabedoria de Deus”. Entretanto o Apóstolo não esconde que a cruz, aos olhos da sabedoria humana, aparece diversa: é “escândalo”, “loucura” (1 Cor 1, 23-24). A cruz era instrumento de morte, e contudo dela veio a vida; era algo que ninguém queria contemplar, e todavia revelou-nos a beleza do amor de Deus. Por isso, o santo povo de Deus a venera; e a Liturgia celebra-a na festa de hoje. O Evangelho de São João toma-nos pela mão e ajuda-nos a entrar neste mistério. Na realidade, o evangelista encontrava-se lá junto da cruz. Contempla Jesus, já morto, suspenso no madeiro, e escreve: “Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas” (Jo 19, 35). São João edá testemunho.

Em primeiro lugar, temos o ver. Mas, junto da cruz, que viu João? Certamente aquilo que viram os outros: Jesus, inocente e bom, morre brutalmente entre dois malfeitores. Uma de tantas injustiças, um dos inúmeros sacrifícios cruentos que não mudam a história, mais uma prova de que o curso das vicissitudes no mundo não muda: os bons são eliminados, enquanto os malvados vencem e prosperam. Aos olhos do mundo, a cruz é um fracasso. E também nós corremos o risco de nos deter neste primeiro olhar superficial, de não aceitar a lógica da cruz; não aceitar que Deus nos salve, deixando que se desencadeie sobre Ele o mal do mundo. Não aceitar senão em palavras o Deus frágil e crucificado, para depois sonhar com um deus forte e triunfante. É uma grande tentação. Quantas vezes aspiramos a um cristianismo de vencedores, a um cristianismo triunfalista, que tenha relevância e importância, receba glória e honra. Mas um cristianismo sem cruz é mundano, e torna-se estéril.

Ao contrário, São João viu na cruz a obra de Deus. Reconheceu em Cristo crucificado a glória de Deus. Viu que Ele, apesar das aparências, não é um perdedor, mas é Deus que voluntariamente Se oferece por cada homem. Por que motivo o fez? Teria podido poupar a sua vida, teria podido manter-se à distância da nossa história mais miserável e crua. Em vez disso, quis entrar dentro dela, mergulhar nela. Para isso escolheu o caminho mais difícil: a cruz. Para que não houvesse na terra ninguém tão desesperado que não conseguisse encontrá-Lo, até mesmo na angústia, na escuridão, no abandono, no escândalo da sua miséria e dos próprios erros. Até mesmo onde se pensa que Deus não pode estar, Ele chegou. Para salvar quem está desesperado, quis experimentar o desespero, para assumir o nosso desconforto mais amargo, clamou na cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46; Sal 22, 2). Um grito que salva. Salva, porque Deus assumiu até mesmo o nosso abandono. E agora, com Ele, não mais estamos sozinhos, jamais.

Como podemos aprender a ver a glória na cruz? Alguns santos ensinaram que a cruz é como um livro que, para o conhecer, é preciso abri-lo e ler. Não basta comprar um livro, dar-lhe uma vista de olhos e expô-lo em casa. O mesmo vale para a cruz: está pintada ou esculpida em cada canto das nossas igrejas. Incontáveis são os crucifixos: ao pescoço, em casa, no carro, no bolso. Mas isso de nada nos aproveita, se não nos detivermos a olhar o Crucificado e não Lhe abrirmos o coração, se não nos deixarmos impressionar pelas suas chagas abertas por nós, se o coração não se comover e chorarmos diante de Deus ferido de amor por nós. Se não fizermos assim, a cruz permanece um livro não lido, cujo título e autor são bem conhecidos, mas que não influencia a vida. Não reduzamos a cruz a um objeto de devoção, e menos ainda a um símbolo político, a um sinal de relevância religiosa e social.

Da contemplação do Crucifixo, provém o segundo passo: dar testemunho. Se mergulharmos o olhar em Jesus, o seu rosto começa a refletir-se no nosso: os seus traços tornam-se os nossos, o amor de Cristo conquista-nos e transforma-nos. Penso nos mártires que deram testemunho do amor de Cristo nesta nação em tempos muito difíceis, quando tudo aconselhava a ficar calado, pôr-se a seguro, não professar a fé. Mas não podiam, não podiam deixar de testemunhar. Quantas pessoas generosas sofreram e morreram aqui, na Eslováquia, por causa do nome de Jesus! Um testemunho prestado por amor Àquele que tinham contemplado longamente, até ao ponto de se assemelharem a Ele, inclusive na morte.

Mas penso também nos nossos tempos, em que não faltam ocasiões para dar testemunho. Graças a Deus, aqui não há quem persiga os cristãos como em tantas outras partes do mundo. Mas o testemunho pode ser contaminado pelo mundanismo e a mediocridade; ao passo que a cruz exige um testemunho claro. Pois a cruz não quer ser uma bandeira elevada ao alto, mas a fonte pura duma maneira nova de viver. Qual? A do Evangelho, a das Bem-aventuranças. A testemunha que tem a cruz no coração, e não apenas ao pescoço, não vê ninguém como inimigo, mas vê a todos como irmãos e irmãs por quem Jesus deu a vida. A testemunha da cruz não recorda as injustiças do passado nem se lamenta do presente. A testemunha da cruz não usa as vias do engano e do poder mundano: não quer impor-se a si mesmo e os seus, mas dar a sua vida pelos outros. Não busca o próprio proveito, e logo se mostra piedoso: seria uma religião da duplicidade, não o testemunho do Deus crucificado. A testemunha da cruz segue uma única estratégia que é a do Mestre: o amor humilde. Não espera triunfos aqui na terra, porque sabe que o amor de Cristo é fecundo na vida quotidiana, fazendo novas todas as coisas a partir de dentro, como uma semente caída na terra, que morre e dá fruto.

Queridos irmãos e irmãs, vós vistes testemunhas. Conservai grata memória das pessoas que vos amamentaram e fizeram crescer na fé: pessoas humildes, simples, que deram a vida amando até ao fim. São os nossos heróis, os heróis da vida quotidiana; e são as suas vidas que mudam a história. As testemunhas geram outras testemunhas, porque são dadoras de vida. É assim que a fé se espalha: com a sabedoria da cruz e não com o poder do mundo; com o testemunho e não com as estruturas. E hoje, a partir do silêncio vibrante da cruz, o Senhor pergunta a todos nós, pergunta também a ti, a cada um de vós e a mim: “Queres ser minha testemunha?”

Com João, no Calvário, estava a Santa Mãe de Deus. Ninguém como Ela viu o livro da cruz aberto e o testemunhou como amor humilde. Por sua intercessão, peçamos a graça de converter o olhar do coração ao Crucificado. Então a nossa fé poderá florescer em plenitude, então amadurecerão os frutos do nosso testemunho.


13 de setembro - Encontro com Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas

Amados Irmãos Bispos,
Caros sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas,
Queridos catequistas, irmãs e irmãos, bom dia!

Saúdo-vos com alegria e agradeço a D. Stanislav Zvolenský as palavras que me dirigiu. Obrigado pelo convite a sentir-me em casa: venho como vosso irmão e, por isso, sinto-me um de vós. Estou aqui para partilhar o vosso caminho – é isto que deve fazer o bispo, o Papa –, partilhar os vossos interrogativos, partilhar as expetativas e esperanças desta Igreja e deste país. A propósito do país, acabei de dizer à Senhora Presidente que a Eslováquia é uma poesia! Partilhar era o estilo da primeira Comunidade cristã: mostravam-se assíduos e concordes, caminhavam juntos (cf. At 1, 12-14). Também litigavam, mas caminhavam juntos.

Tal é a primeira coisa de que necessitamos: uma Igreja que caminhe em conjunto, percorrendo as estradas da vida com a chama do Evangelho acesa. A Igreja não é uma fortaleza, não é um potentado, um castelo situado no alto que olha, distante e autossuficiente, para o mundo. Aqui, em Bratislava, o castelo já existe; e é muito lindo! Mas a Igreja é a comunidade que deseja atrair para Cristo mediante a alegria do Evangelho, não o castelo! A Igreja é o fermento que faz levedar, no seio da massa do mundo, o Reino do amor e da paz. Por favor, não cedamos à tentação da magnificência, da grandeza mundana. A Igreja deve ser humilde como era Jesus, que Se despojou de tudo, fazendo-Se pobre para nos enriquecer (cf. 2 Cor 8, 9): foi assim que veio habitar entre nós e curar a nossa humanidade ferida.

Olhai! É bela uma Igreja humilde que não se separa do mundo nem olha a vida com indiferença, mas habita dentro dela. Habitar dentro – não o esqueçamos – é partilhar, caminhar juntos, acolher os interrogativos e as expetativas do povo. Isto ajuda-nos a sair da autorreferencialidade: o centro da Igreja… Quem é o centro da Igreja? Não é a Igreja. E quando a Igreja se fixa em si mesma, acaba como a mulher do Evangelho: curvada sobre si mesma, olhando o umbigo (cf. Lc 13, 10-13). O centro da Igreja não é ela própria. Abandonemos a preocupação excessiva connosco mesmos, com as nossas estruturas, com o modo como a sociedade nos olha. No fim, isso levar-nos-á a uma “teologia do truque”… Ver como nos trucamos melhor! Em vez disso, mergulhemos na vida real – a vida real – das pessoas e perguntemo-nos: Quais são as necessidades e os anseios espirituais do nosso povo? O que é que se espera da Igreja? Parece-me importante tentar responder a essas perguntas e acodem-me à mente três palavras.

A primeira é liberdade. Sem liberdade não há verdadeira humanidade, porque o ser humano foi criado livre e para permanecer livre. Os dramáticos períodos da história do vosso país são uma grande lição: quando a liberdade foi ferida, violada e suprimida, a humanidade degradou-se e sobrevieram as tempestades da violência, coerção e privação de direitos.

Entretanto a liberdade não é uma conquista automática, que permanece igual duma vez por todas. Não o é! A liberdade é sempre um caminho, por vezes cansativo, que se deve retomar continuamente, lutar diariamente por ela. Para ser verdadeiramente livre, não basta sê-lo exteriormente ou nas estruturas da sociedade. A liberdade chama cada um a ser responsável pelas próprias opções, a discernir, a levar por diante os processos da vida. Isto é cansativo, isto assusta-nos. Às vezes, é mais cómodo não se deixar envolver pelas situações concretas e continuar a repetir o passado, sem se empenhar de coração, sem correr o risco da decisão: é melhor arrastar a vida fazendo aquilo que outros – talvez a maioria ou a opinião pública, as coisas que nos impingem os mass-media – decidam por nós. É errado! Hoje tantas vezes fazemos as coisas que os mass-media decidem por nós. E perde-se a liberdade. Recordemos a história do povo de Israel: sofria sob a tirania do Faraó, era escravo; depois é libertado pelo Senhor, mas para se tornar verdadeiramente livre, e não apenas liberto dos inimigos, tem de atravessar o deserto, um caminho cansativo. E vinha-lhe ao pensamento: “Quase era melhor antes; pelo menos tínhamos um pouco de cebolas para comer...”. Uma grande tentação: considerar melhor um pouco de cebolas que a fadiga e o risco da liberdade. Esta é uma das tentações. Ontem, ao dirigir-me ao grupo ecumênico, lembrava “O grande inquisidor” de Dostoievskij. Cristo volta secretamente à terra e o inquisidor repreende-O por ter dado a liberdade aos homens. Um pouco de pão e qualquer outra coisinha bastam; um pouco de pão e algo mais é o suficiente. Sempre a mesma tentação: a tentação das cebolas. Melhor um pouco de cebolas e pão do que a fadiga e o risco da liberdade. Deixo isto à vossa reflexão.

Também na Igreja, pode às vezes insidiar-nos esta ideia: ter todas as coisas predefinidas, as leis a observar, a segurança e a uniformidade, é melhor do que ser cristão responsável e adulto, que pensa, interpela a própria consciência e se deixa questionar. É o princípio da casuística: tudo regulado… Na vida espiritual e eclesial, há a tentação de procurar uma falsa paz que nos deixa tranquilos, em vez do fogo do Evangelho que nos desinquieta, que nos transforma. A segurança das cebolas do Egito é mais confortável que as incógnitas do deserto. Mas uma Igreja que não deixa espaço para a aventura da liberdade, mesmo na vida espiritual, corre o risco de se tornar um lugar rígido e fechado. Talvez alguns se habituaram a isto; mas muitos outros, sobretudo nas novas gerações, não são atraídos por uma proposta de fé que não lhes deixa liberdade interior, não são atraídos por uma Igreja onde é preciso pensarem todos da mesma maneira e obedecerem cegamente.

Caríssimos, não tenhais medo de formar as pessoas para uma relação madura e livre com Deus. É importante esta relação. Talvez isto nos dê a impressão de não poder controlar tudo, de perder força e autoridade; mas a Igreja de Cristo não quer dominar as consciências e ocupar os espaços, quer ser uma «fonte» de esperança na vida das pessoas. É um risco, é um desafio. Digo-o sobretudo aos Pastores: vós exerceis o ministério num país onde muitas coisas mudaram rapidamente e tiveram início muitos processos democráticos, mas a liberdade ainda é frágil. É-o sobretudo no coração e na mente das pessoas. Por isso encorajo-vos a fazê-las crescer livres duma religiosidade rígida. Que saiam disto e cresçam livres! Que ninguém se sinta oprimido. Possa cada um descobrir a liberdade do Evangelho, entrando gradualmente na relação com Deus, com a confiança de quem sabe que Lhe pode apresentar a sua própria história e as suas feridas sem medo nem fingimento, sem se preocupar em defender a própria imagem. Poder dizer: “sou pecador”, mas dizê-lo com sinceridade. Não bater no peito e, depois, continuar a crer-se justo. A liberdade. Que o anúncio do Evangelho seja libertador, nunca opressivo; e a Igreja, sinal de liberdade e acolhimento.

Tenho a certeza que nunca se saberá donde veio isto que vos digo. Foi uma coisa que aconteceu há tempos: a carta dum bispo, falando dum Núncio. Dizia: “Bem! Estivemos 400 anos sob o domínio dos turcos, e sofremos. Depois, 50 sob o comunismo, e sofremos. Mas os sete anos com este Núncio foram piores que as outras duas coisas!” Às vezes pergunto-me: Quantas pessoas podem dizer o mesmo do bispo que têm ou do pároco? Quantos? Não; sem liberdade, sem paternidade, as coisas não funcionam.

Segunda palavra (a primeira era liberdade): criatividade. Sois filhos duma grande tradição. A vossa experiência religiosa encontra a sua nascente na pregação e ministério das luminosas figuras dos Santos Cirilo e Metódio. Eles ensinam-nos que a evangelização não é jamais uma simples repetição do passado. A alegria do Evangelho é sempre Cristo, mas os caminhos para que esta boa nova progrida no tempo e na história são diversos. Os caminhos são todos diversos. Cirilo e Metódio percorreram juntos esta parte do continente europeu e, ardendo de paixão pela proclamação do Evangelho, chegaram a inventar um novo alfabeto para a tradução da Bíblia, dos textos litúrgicos e da doutrina cristã. Foi assim que se tornaram apóstolos da inculturação da fé entre vós. Foram inventores de novas linguagens para transmitir o Evangelho, foram criativos na tradução da mensagem cristã, estiveram tão próximos da história dos povos que chegaram ao ponto de falar a sua língua e assimilar a sua cultura. Por acaso não precisa disto, também hoje, a Eslováquia? – pergunto-me. Porventura não será esta a tarefa mais urgente da Igreja entre os povos da Europa: encontrar novos “alfabetos” para anunciar a fé? Como pano de fundo temos uma rica tradição cristã, mas hoje, na vida de muitas pessoas, permanece a lembrança dum passado que já não lhes fala deixando de orientar as opções da sua existência. À vista da perda do sentido de Deus e da alegria da fé, não adianta lamentar-se, entrincheirar-se num catolicismo defensivo, julgar e acusar o mundo de ser mau. Não ajuda! O que ajuda é a criatividade do Evangelho. Atenção! O Evangelho não foi encerrado ainda; permanece aberto! É vigoroso, está cheio de vigor, continua. Recordemos como fizeram aqueles homens que queriam levar a Jesus um paralítico e não conseguiam passar pela porta da frente. Abriram um buraco no teto, e baixaram-no do alto (cf. Mc 2, 1-5). Foram criativos… À vista da dificuldade – “e como fazemos? Ah! Fazemos assim…” À vista talvez duma geração que não acredita, que perdeu o sentido da fé, ou que reduziu a fé a um hábito ou a uma cultura mais ou menos aceitável, procuremos abrir um buraco… Sejamos criativos! Liberdade, criatividade... Como é belo quando sabemos encontrar novos caminhos, modos e linguagens para anunciar o Evangelho! E podemos ajudar com a criatividade humana: esta possibilidade existe também em cada um de nós, mas o grande criativo é o Espírito Santo! É Ele que nos impele a ser criativos! Se com a nossa pregação e a nossa pastoral já não conseguimos entrar pelo caminho ordinário, procuremos abrir espaços diversos, experimentemos outros caminhos.

E aqui abro um parêntese. A pregação. Alguém me disse que, na Evangelii gaudium, me detive demasiado na homilia. Fi-lo, porque é um dos problemas deste tempo. É verdade que a homilia não é um sacramento, como pretendiam alguns protestantes, mas é um sacramental! Não é um sermão de Quaresma; é uma coisa diferente. Está no coração da Eucaristia. E pensemos nos fiéis, que têm de ouvir homilias de 40 minutos, 50 minutos, sobre temas que não compreendem, que não os tocam… Por favor, padres e bispos, pensai bem como preparar a homilia, como fazê-la, para que haja um contato com as pessoas e sejam inspiradas pelo texto bíblico. Uma homilia, habitualmente, não deve ultrapassar os dez minutos, porque as pessoas, depois de oito minutos, perdem a atenção, a não ser que seja muito interessante. Mas o tempo deveria ser de 10 a 15 minutos; não mais. Tive um professor de homilética que dizia que uma homilia deve possuir coerência interna: uma ideia, uma imagem e um afeto; que as pessoas saiam com uma ideia, uma imagem e algo que tocou no seu coração. Assim, simples, é o anúncio do Evangelho! Assim pregava Jesus, que tomava como exemplo os pássaros, os campos… coisas concretas, mas que as pessoas entendiam. Desculpai por ter voltado a este tema, mas preocupa-me... [aplausos] Permiti-me uma observação maliciosa: os aplausos começaram pelas irmãs, que são vítimas das nossas homilias!

Cirilo e Metódio deram início a esta criatividade nova, praticaram-na, ensinando-nos que o Evangelho não pode crescer, se não estiver enraizado na cultura dum povo, isto é, nos seus símbolos, interrogativos, palavras, modos de ser. Como sabeis, os dois irmãos foram obstaculizados e muito perseguidos. Foram acusados de heresia, porque ousaram traduzir a língua da fé. Entra aqui a ideologia que surge da tentação de uniformizar. Por detrás de nos querer uniformizados, há uma ideologia. Mas a evangelização é um processo de inculturação: é semente fecunda de novidade, é a novidade do Espírito que renova todas as coisas. O lavrador semeia – diz Jesus –, depois vai para casa e dorme. Não se levanta para ver se cresce, se germina... É Deus que dá o crescimento. Neste sentido, não controlemos demasiado a vida: deixemos que a vida cresça, como fizeram Cirilo e Metódio. Cabe a nós semear bem e guardar como pais, sim. O lavrador guarda, mas não vai lá ver todos os dias como cresce. Se fizer isto, mata a planta.

Liberdade, criatividade e, por fim, o diálogo. Uma Igreja que forma para a liberdade interior e responsável, que sabe ser criativa mergulhando na história e na cultura, é também uma Igreja que sabe dialogar com o mundo, com quem confessa Cristo sem ser “dos nossos”, com quem vive a fadiga duma busca religiosa, e até mesmo com quem não crê. Não é seletiva, de um grupo pequeno! Dialoga com todos: com os crentes, com os que vivem a santidade, com os tíbios e com os não crentes. Fala com todos. É uma Igreja que, a exemplo de Cirilo e Metódio, une e mantém juntos o Oriente e o Ocidente, diferentes tradições e sensibilidades. Uma Comunidade que, anunciando o Evangelho do amor, faz brotar a comunhão, a amizade e o diálogo entre os crentes, entre as diferentes Confissões cristãs e entre os povos.

A unidade, a comunhão e o diálogo são sempre frágeis, especialmente quando à retaguarda existe uma história de sofrimento, que deixou cicatrizes. A recordação das feridas pode fazer-nos cair no ressentimento, na desconfiança e até no desprezo, levando-nos a erguer barreiras contra quem é diferente de nós. Mas as feridas podem também ser passagem, abertura que, imitando as chagas do Senhor, fazem passar a misericórdia de Deus, a sua graça que muda a vida e nos transforma em obreiros de paz e reconciliação. Sei que tendes este provérbio: “A quem te atira uma pedra, tu dá-lhe um pão”. Isto serve-nos de inspiração. É muito evangélico! É o convite de Jesus a romper o círculo vicioso e destruidor da violência, apresentando a outra face a quem nos bate, para vencer o mal com o bem (cf. Rm 12, 21). Impressiona-me um detalhe da história do Cardeal Korec. Era um cardeal jesuíta, perseguido pelo regime, encarcerado, forçado a trabalhar duramente até que adoeceu. Quando foi a Roma no Jubileu do ano 2000, deslocou-se às catacumbas e acendeu uma vela pelos seus perseguidores, implorando para eles misericórdia. Isto é Evangelho! Isto é Evangelho! Cresce na vida e na história através do amor humilde, através do amor paciente.

Caríssimas e caríssimos, agradeço a Deus por estar entre vós, e de coração vos agradeço pelo que fazeis e sois, e por aquilo que fareis inspirando-vos nesta homilia, que é também uma semente que estou a semear… Vejamos se crescem as plantas! Faço votos de que continueis o vosso caminho na liberdade do Evangelho, na criatividade da fé e no diálogo que brota da misericórdia de Deus, que nos fez irmãos e irmãs e nos chama a ser artífices de paz e concórdia. De coração vos abençoo. E, por favor, rezai por mim. Obrigado!


12 de setembro - Homilia

Em Cesareia de Filipe, Jesus pergunta aos discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (Mc 8, 29). Esta pergunta põe em xeque os discípulos e marca uma viragem no seu caminho atrás do Mestre. Conheciam bem Jesus, já não eram principiantes: conviviam familiarmente com Ele, foram testemunhas de muitos dos milagres realizados, ficavam maravilhados com o seu ensinamento, seguiam-No para onde quer que fosse. Contudo ainda não pensavam como Ele. Faltava uma passagem decisiva, ou seja, da admiração por Jesus à imitação de Jesus. Também hoje o Senhor, fixando o olhar em cada um de nós, nos interpela pessoalmente: “Mas Eu quem sou verdadeiramente para ti?”. Quem sou para ti? Dirigida a cada um de nós, é uma pergunta que pede não apenas uma resposta exata do ponto de vista do Catecismo, mas uma resposta pessoal, uma resposta de vida.

Desta resposta, nasce a renovação do discipulado. Tal renovação realiza-se através das três passagens que fizeram os discípulos e que podemos realizar também nós: o anúncio de Jesus, o primeiro; o discernimento com Jesus, o segundo; e o caminho atrás de Jesus, o terceiro.

1. O anúncio de Jesus. À pergunta “e vós, quem dizeis que Eu sou?”, respondeu Pedro como representante de todo o grupo: “Tu és o Messias” . Em poucas palavras, Pedro disse tudo. A resposta está certa, mas surpreendentemente, depois de tal reconhecimento, Jesus ordena severamente que “não dissessem isto a ninguém” (8, 30). Perguntamo-nos: por que motivo uma proibição tão drástica? Por uma razão concreta: dizer que Jesus é o Messias, o Cristo, é exato mas incompleto. Existe sempre o risco de anunciar um falso messianismo: aquele segundo os homens e não segundo Deus. Por isso, a partir daquele momento, Jesus começa a revelar a sua identidade: a identidade pascal, aquela que encontramos na Eucaristia. Explica que a sua missão havia certamente de culminar na glória da ressurreição, mas passando pela humilhação da cruz; ou seja, desenrolar-se-ia segundo a sabedoria de Deus, “que – como diz São Paulo – não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo” (1 Cor 2, 6). Jesus impõe silêncio sobre a sua identidade messiânica, mas não sobre a cruz que O espera. Pelo contrário – observa o evangelista – Jesus começa a ensinar “abertamente” (Mc 8, 32) que “o Filho do Homem tinha de sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias” (8, 31).

Perante este anúncio de Jesus, um anúncio surpreendente, também nós podemos sentir-nos apavorados. Gostaríamos, também nós, dum messias poderoso, em vez dum servo crucificado. Diante de nós está a Eucaristia, para nos recordar quem é Deus; não o faz com palavras, mas de modo concreto, mostrando-nos Deus como Pão partido, como Amor crucificado e doado. Podemos acrescentar muitas cerimónias, mas o Senhor permanece ali na simplicidade dum Pão que se deixa partir, distribuir e comer. Está ali: para nos salvar, faz-Se servo; para nos dar vida, morre. Faz-nos bem deixar-nos surpreender pelo anúncio de Jesus. E quem se abre a este anúncio de Jesus, abre-se à segunda passagem.

2. O discernimento com Jesus. Face ao anúncio do Senhor, a reação de Pedro é tipicamente humana: quando aparece a cruz, a perspetiva do sofrimento, o homem revolta-se. E Pedro, depois de ter confessado a realidade messiânica de Jesus, escandaliza-se com as palavras do Mestre e tenta dissuadi-Lo de prosseguir o seu caminho. A cruz nunca está na moda. Queridos irmãos e irmãs, a cruz nunca está na moda: ontem, como hoje. Mas cura por dentro. É diante do Crucificado que experimentamos uma benéfica luta interior, um áspero conflito entre “pensar segundo Deus» e «pensar segundo os homens”. Dum lado, temos a lógica de Deus, que é a do amor humilde; o caminho de Deus evita qualquer imposição, ostentação, de qualquer triunfalismo, visa sempre” o bem dos outros, indo até ao sacrifício de si mesmo. Do outro, temos o “pensar segundo os homens”: é a lógica do mundo, do mundanismo, presa às honras e privilégios, tendente ao prestígio e ao sucesso. O que conta aqui são a relevância e a força, aquilo que chama a atenção da maioria e sabe afirmar-se perante os outros.

Encandeado por esta perspetiva, Pedro chama Jesus à parte e começa a repreendê-Lo (cf. 8, 32). Antes confessara-O, agora reprende-O. Pode acontecer também connosco chamar o Senhor “à parte”, colocá-Lo num canto do coração, continuando a considerar-nos pessoas religiosas e boas, e prosseguir pelo nosso caminho sem nos deixarmos conquistar pela lógica de Jesus. Mas há um verdade: entretanto, Ele acompanha-nos, acompanha-nos nesta luta interior, porque deseja que nós, como os Apóstolos, escolhamos a sua parte. Há a parte de Deus, como há a parte do mundo… A diferença não está entre quem é religioso e quem não o é; a diferença crucial está entre o Deus verdadeiro e o deus que é o nosso eu. Que grande distância existe entre Aquele que reina silenciosamente na cruz e aquele falso deus que gostaríamos de ver reinar pela força e reduzir ao silêncio os nossos inimigos! Como é diverso Cristo, que Se nos propõe só com amor, comparado com os messias poderosos e vencedores, lisonjeados pelo mundo! Jesus sacode-nos, não se contenta com declarações de fé, pede-nos que purifiquemos a nossa religiosidade diante da sua cruz, diante da Eucaristia. Faz-nos bem permanecer em adoração diante da Eucaristia, para contemplarmos a fragilidade de Deus. Dediquemos tempo à adoração. É um modo de rezar demasiado esquecido. Dediquemos tempo à adoração. Deixemos que Jesus, Pão vivo, cure os nossos fechamentos e nos abra à partilha: nos cure da nossa rigidez e de nos fecharmos em nós mesmos, nos livre da escravidão paralisante da defesa da nossa imagem e nos inspire a segui-Lo para onde Ele nos quer conduzir. E não para onde quero eu. Assim chegamos à terceira passagem...

3. O caminho atrás de Jesus, e também o caminho com Jesus: “Vai para trás de Mim, satanás” (8, 33). Assim, com uma ordem enérgica e forte, Jesus faz Pedro reentrar em si. Mas o Senhor, quando manda uma coisa, na realidade está ali presente, pronto a dá-la. E Pedro acolhe a graça de «dar um passo atrás». O caminho cristão não é uma corrida ao sucesso, mas começa com um passo atrás – lembrai-vos disto: o caminho cristão começa com um passo atrás –, com um descentramento que liberta, com o retirar-se do centro da vida. Então Pedro reconhece que o centro não é «o seu Jesus», mas o verdadeiro Jesus. Voltará a cair, mas de perdão em perdão irá reconhecendo cada vez melhor o rosto de Deus. E passará duma admiração estéril por Cristo à imitação concreta de Cristo.

Que significa caminhar atrás de Jesus? É avançar na vida com a sua própria confiança, a de sermos filhos amados de Deus. É percorrer o mesmo caminho do Mestre, que veio para servir e não para ser servido (cf. Mc 10, 45). Caminhar atrás de Jesus é dirigir dia a dia os nossos passos ao encontro do irmão. A isto mesmo nos impele a Eucaristia: a sentir-nos um só Corpo, a fazer-nos em pedaços para os outros. Queridos irmãos e irmãs, deixemos que o encontro com Jesus na Eucaristia nos transforme, como transformou os grandes e corajosos Santos que honrais: penso em Santo Estêvão e Santa Isabel. À semelhança deles, não nos contentemos com pouco; não nos resignemos com uma fé que vive de ritos e repetições, abramo-nos à novidade escandalosa de Deus crucificado e ressuscitado, Pão partido para dar vida ao mundo. Viveremos na alegria, e seremos portadores de alegria.

Ponto de chegada dum percurso, oxalá este Congresso Eucarístico seja sobretudo um ponto de partida. Pois o caminho atrás de Jesus convida a olhar para a frente, a acolher a viragem da graça, a fazer reviver em nós cada dia aquela pergunta que o Senhor, como em Cesareia de Filipe, nos dirige a cada um de nós, seus discípulos: E vós, quem dizeis que Eu sou?