Viagem Apostólica à Tailândia e Japão

Palavras do Santo Padre durante a viagem apostólica para a Tailândia e o Japão que realizou do dia 19 ao 26 de novembro. Última atualização: 26 de novembro.

Terça-feira, 19 de novembro de 2019

ROMA-BANGCOC

19:00Partida do Aeroporto de Roma/Fiumicino para Bangcoc

Quarta-feira, 20 de novembro de 2019

ROMA-BANGCOC


Chegada ao Terminal Aéreo Militar 2 de Bangcoc
Recepção oficial Terminal Aéreo Militar 2 de Bangcoc

Quinta-feira, 21 de novembro de 2019

BANGCOC

Cerimônia de boas-vindas no pátio da Casa Governamental
Encontro com o Primeiro-Ministro na “Inner Ivory Room” da Casa Governamental
Encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático na Sala “Inner Santi Maitri” da Casa Governamental

Visita ao Patriarca Supremo dos Budistas no Templo Wat Ratchabophit Sathit Maha Simaram

Encontro com os funcionários e médicos do Hospital São Luís
Visita privada aos doentes e pessoas com deficiências no Hospital São Luís
Almoço na Nunciatura Apostólica
Visita Privada ao Rei Maha Vajiralongkorn “Rama X” no Palácio Real Amphorn
Santa Missa no Estádio Municipal

Sexta-feira, 22 de novembro de 2019

BANGCOC

Encontro com os Sacerdotes, Religiosos, Seminaristas e Catequistas na Paróquia de São Pedro
Encontro com os Bispos da Tailândia e da FABC no Santuário do Beato Nicholas Boonkerd Kitbamrung
Encontro privado com os Membros da Companhia de Jesus em uma sala adjacente ao Santuário
Almoço na Nunciatura Apostólica
Encontro com os líderes cristãos e de outras religiões na Universidade Chulalongkorn
Santa Missa com os jovens na Catedral da Assunção

Sábado, 23 de novembro de 2019

BANGCOC-TÓQUIO

Cerimônia de despedida no Terminal Aéreo Militar 2 de Bangcoc
9:30Partida para Tóquio
17:40Chegada no Aeroporto de Tóquio-Haneda
Cerimônia de boas-vindas no Aeroporto de Tóquio-Haneda
Encontro com Bispos na Nunciatura Apostólica

Domingo, 24 de novembro de 2019

TÓQUIO-NAGASAKI-HIROSHIMA-TÓQUIO

7:00Partida de avião para Nagasaki
9:20Chegada ao Aeroporto de Nagasaki
Mensagem sobre as armas nucleares no Parque da Bomba Atômica Hypocenter
Homenagem aos Santos Mártires no Monumento dos Mártires - Nishizaka Hill
Almoço no Arcebispado
Santa Missa no Estádio de Baseball
16:35Partida de avião para Hiroshima
17:45Chegada no Aeroporto de Hiroshima
Encontro pela paz no Memorial da Paz
20:25Partida de avião para Tóquio
22:10Chegada no Aeroporto de Tóquio-Haneda

Segunda-feira, 25 de novembro de 2019

TÓQUIO

Encontro com as vítimas da tragédia “Bellesalle Hanzomon”
Visita privada ao Imperador Naruhito no Palácio Imperial
Encontro com os jovens na Catedral de Santa Maria
Almoço com a Comitiva Papal na Nunciatura Apostólica
Santa Missa no Tóquio Dome
Encontro com o Primeiro-Ministro em Kantei
Encontro com as Autoridades e o Corpo Diplomático em Kantei

Terça-feira, 26 de novembro de 2019

TÓQUIO-ROMA

Santa Missa privada com os Membros da Companhia de Jesus na Capela Kulturzentrum da Sophia University
Café da manhã e encontro privado com integrantes do Colégio Máximo na Sophia University
Visita aos sacerdotes idosos e doentes na Sophia University
Visita à Sophia University
Cerimônia de despedida no Aeroporto de Tóquio-Haneda
11:35Partida para Roma/Fiumicino
17:15Chegada ao Aeroporto de Roma/Fiumicino
Fuso horário
Roma:+1h UTC
Bangcoc:+7h UTC
Tóquio+9h UTC
Nagasaki+9h UTC
Hiroshima+9h UTC

Quarta-feira, 20 de novembro de 2019

ROMA-BANGCOC

Recepção oficial

No aeroporto de Bangcoc, o Papa Francisco foi recebido oficialmente por um membro do Conselho da Coroa e seis autoridades do país do sudeste asiático, além de bispos e 11 crianças representando as dioceses presentes no território, onde há pouco mais de 300.000 católicos. Um pequeno grupo deles pôde imediatamente saudar o Papa na saída do aeroporto, de onde partiu de carro para a nunciatura, para o almoço e descanso.

Mensagem vídeo do Papa aos jovens tailandeses

Queridos jovens!

Sei que, nesta noite, estais a fazer uma Vigília de Oração, estais a rezar. E sei que outros estão a caminho para vir aqui. Duas coisas boas: rezar e caminhar!

Na vida, é preciso fazer as duas coisas: ter o coração aberto a Deus, pois é d’Ele que recebemos a força; e caminhar, porque não se pode estar parado na vida. Um jovem não se pode aposentar aos 20 anos! Deve caminhar... sempre mais além, sempre subindo.

Um de vós poderia dizer-me: «É verdade, padre! Mas, às vezes, sou fraco e caio». Não importa! Há uma canção alpina que diz: «Na arte de subir, o que conta não é tanto não cair, como sobretudo não ficar caído».

Recomendo-vos estas duas coisas: Nunca fiqueis caídos; levantai-vos imediatamente. Haja alguém que vos ajude a erguer. Esta é a primeira coisa. A segunda: Não passeis a vida sentados no sofá! Fazei vida, construí a vida; vivei, segui para diante! Avançai sempre no caminho. Comprometei-vos. E sentireis – vos garanto – uma felicidade extraordinária.

Que Deus vos abençoe. Eu rezo por vós; vós fazei-o por mim.


Quinta-feira, 21 de novembro de 2019

BANGCOC

Encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático

Senhor Primeiro-Ministro,

Membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintos Responsáveis políticos, civis e religiosos,
Senhoras e senhores!

Agradeço a oportunidade de estar no vosso meio e poder visitar esta terra detentora de tantas maravilhas naturais e guardiã esplêndida de antigas tradições espirituais e culturais, como esta da hospitalidade que hoje me é dado experimentar pessoalmente e me apraz propor para estender e aumentar laços de maior amizade entre os povos.

Muito obrigado, senhor Primeiro-Ministro, pela sua receção, pelas suas palavras de boas-vindas e pelo seu gesto de humildade responsável. Obrigado, porque, de tarde, terei ocasião de realizar uma visita de cortesia a Sua Majestade o Rei Rama X e à família real. Reitero a minha gratidão a Sua Majestade pelo amável convite a visitar a Tailândia e renovo-lhe meus venturosos votos pelo seu reinado, acompanhando-os com uma sincera homenagem à memória do seu falecido pai.

Alegro-me por poder saudar-vos e encontrar-me convosco, autoridades do Governo, das religiões e da sociedade civil, e nas vossas pessoas saúdo todo o povo tailandês. Os meus respeitosos cumprimentos também ao Corpo Diplomático. Aproveito esta ocasião para lhes desejar as maiores venturas, depois das recentes eleições que marcaram o regresso à normalidade do processo democrático.

Obrigado a todos aqueles que trabalharam para a realização desta visita.

Como sabemos, hoje os problemas que enfrenta o nosso mundo são realmente problemas globais; envolvem toda a família humana e exigem que se desenvolva um decidido esforço em prol da justiça internacional e da solidariedade entre os povos. Considero importante ressaltar que, nestes dias, a Tailândia concluirá o seu período de presidência da ASEAN, expressão do seu histórico empenhamento com os problemas mais amplos que enfrentam os povos de toda a região do sudeste asiático e também do seu interesse constante em promover a cooperação política, económica e cultural na região.

Há muito que a Tailândia, como nação multicultural e caraterizada pela diversidade, reconhece a importância de construir a harmonia e a convivência pacífica entre os seus numerosos grupos étnicos, mostrando respeito e apreço pelas diferentes culturas, grupos religiosos, filosofias e ideias. A época atual está marcada pela globalização, considerada com demasiada frequência em termos estritamente económico-financeiros e propensa a cancelar as notas essenciais que configuram e geram a beleza e a alma dos nossos povos; ao contrário, a experiência concreta duma unidade que respeite e salvaguarde as diferenças serve de inspiração e incentivo para quantos têm a peito o mundo tal como o desejamos legar às gerações futuras.

Congratulo-me com a iniciativa de criar uma «Comissão Ético-Social», na qual convidastes a participar as religiões tradicionais do país a fim de acolher as suas contribuições e manter viva a memória espiritual do vosso povo. Neste sentido, terei oportunidade de me encontrar com o Supremo Patriarca Budista, como sinal da importância e urgência de promover a amizade e o diálogo inter-religioso e ainda como serviço à harmonia social na construção de sociedades justas, compassivas e inclusivas. Desejo assegurar-vos pessoalmente todos os esforços da pequena mas vivaz comunidade católica, para manter e promover as caraterísticas tão peculiares dos tailandeses, evocadas no vosso Hino Nacional: pacíficos e carinhosos, mas não covardes. E com o firme propósito de abordar tudo aquilo que ignore o grito de tantos nossos irmãos e irmãs que anelam por ser libertados do jugo da pobreza, da violência e da injustiça. Esta terra tem como nome «liberdade». Sabemos que esta só é possível se formos capazes de nos sentir corresponsáveis uns pelos outros e superar toda e qualquer forma de desigualdade. Por isso, é necessário trabalhar para que as pessoas e as comunidades possam ter acesso à educação, a um trabalho digno, à assistência sanitária, e assim alcançar os níveis mínimos indispensáveis de sustentabilidade que tornem possível um desenvolvimento humano integral.

A este respeito, quero deter-me brevemente nos movimentos migratórios, que constituem um dos sinais caraterísticos de nosso tempo; faço-o não tanto pela mobilidade em si mesma, como sobretudo pelas condições em que a mesma se desenrola e que representa um dos principais problemas morais colocados à nossa geração. Não se pode ignorar a crise migratória mundial. A própria Tailândia, conhecida pela hospitalidade que tem oferecido aos migrantes e refugiados, viu-se perante esta crise devido à fuga trágica de refugiados dos países vizinhos. Almejo – uma vez mais o digo – que a comunidade internacional atue com responsabilidade e clarividência, possa resolver os problemas que levam a este êxodo trágico e promova uma migração segura, ordenada e regulamentada. Oxalá cada nação desenvolva mecanismos eficazes para proteger a dignidade e os direitos dos migrantes e refugiados, que enfrentam perigos, incertezas e exploração na sua busca da liberdade e duma vida digna para as suas famílias. Não se trata apenas de migrantes, trata-se também da fisionomia que queremos dar às nossas sociedades.

E, nesta linha, penso nas mulheres e nas crianças de hoje que são particularmente feridas, violentadas e expostas a todas as formas de exploração, escravidão, violência e abuso. Expresso o meu agradecimento ao Governo tailandês pelos seus esforços para extirpar este flagelo, bem como a todas as pessoas e organizações que trabalham incansavelmente para erradicar este mal e proporcionar um caminho de dignidade. Neste ano em que se comemora o trigésimo aniversário da Convenção sobre os Direitos da Infância e da Adolescência, somos convidados a refletir e trabalhar, com determinação, perseverança e rapidez, para proteger o bem-estar das nossas crianças, o seu desenvolvimento social e intelectual, o acesso à educação, bem como o seu crescimento físico, psicológico e espiritual (cf. Discurso ao Corpo Diplomático, 7/I/2019). O futuro de nossos povos depende, em grande parte, do modo como garantirmos aos nossos filhos um futuro na dignidade.

Senhoras e senhores, hoje mais do que nunca as nossas sociedades precisam de «artesãos da hospitalidade», homens e mulheres que cuidem do desenvolvimento integral de todos os povos, no seio duma família humana que se empenhe a viver na justiça, solidariedade e harmonia fraterna. Vós, cada qual a partir da própria posição, dedicais vossas vidas a ajudar para que o serviço ao bem comum possa chegar a todos os cantos desta nação: esta é uma das tarefas mais nobres duma pessoa. Com estes sentimentos e almejando que possais cumprir a missão que vos está confiada, invoco a abundância das bênçãos divinas sobre esta nação, sobre as suas autoridades e os seus habitantes. E peço ao Senhor que guie cada um de vós e vossas famílias pelas sendas da sabedoria, da justiça e da paz.

Muito obrigado!

Visita ao Patriarca Supremo dos Budistas

Santidade!

Agradeço as suas amáveis palavras de boas-vindas. Sinto-me feliz por vir, no princípio da minha Visita a esta nação, a este Templo Real, símbolo dos valores e ensinamentos que caraterizam este povo amado. Foi nas fontes do budismo que a maioria dos tailandeses bebeu e modelou a sua maneira de venerar a vida e os seus idosos, realizar um estilo de vida sóbrio baseado na contemplação, desapego, trabalho duro e disciplina (cf. São João Paulo II, Ecclesia in Asia, 6/XI/1999, 6); caraterísticas que alimentam o vosso traço distintivo tão peculiar: o povo do sorriso.

O nosso encontro insere-se no caminho de estima e mútuo reconhecimento iniciado pelos nossos antecessores. Na esteira dos seus passos, quero colocar esta visita para aumentar não só o respeito, mas também a amizade entre as nossas comunidades. Já se passaram quase cinquenta anos desde que o décimo sétimo Patriarca Supremo, Somdej Phra Wanarat (Pun Punnasiri), acompanhado por um grupo de importantes monges budistas, visitou o Papa Paulo VI no Vaticano, o que representou um marco muito importante no desenvolvimento do diálogo entre as nossas tradições religiosas; o cultivo deste diálogo permitiria sucessivamente ao Papa João Paulo II efetuar uma visita neste Templo ao Patriarca Supremo, Sua Santidade Somdej Phra Ariyavongsagatanana (Vasana Vasano). Pessoalmente, tive a honra de receber recentemente uma delegação de monges do templo de Wat Pho, que me obsequiou com a tradução dum antigo manuscrito budista escrito em língua pali, guardado agora na Biblioteca Vaticana. São pequenos passos que ajudam a testemunhar, não só nas nossas comunidades mas também neste nosso mundo tão instigado a gerar e propagar divisões e exclusões, que a cultura do encontro é possível. Sempre que temos oportunidade de nos reconhecer e apreciar, mesmo nas nossas diferenças (cf. Evangelii gaudium, 250), oferecemos ao mundo uma palavra de esperança, capaz de encorajar e sustentar aqueles que acabam por ser sempre os mais prejudicados pela divisão. Tais possibilidades lembram-nos quão importante é que as religiões se manifestem cada vez mais como faróis de esperança, enquanto promotoras e garantes de fraternidade.

Neste sentido, agradeço a este povo que, desde a chegada do cristianismo à Tailândia há cerca de quatro séculos e meio, permitiu aos católicos, mesmo sendo um grupo minoritário, desfrutar de liberdade na prática religiosa, vivendo desde há muitos anos em harmonia com os seus irmãos e irmãs budistas.

Neste caminho de mútua confiança e fraternidade, desejo reiterar o meu empenho pessoal e o de toda a Igreja no fortalecimento de um diálogo aberto e respeitoso ao serviço da paz e do bem-estar deste povo. Graças aos intercâmbios académicos, que permitem uma maior compreensão mútua, e também ao exercício da contemplação, da misericórdia e do discernimento – tão comuns às nossas tradições –, poderemos crescer num estilo de boa «vizinhança». Poderemos promover entre os fiéis das nossas religiões o desenvolvimento de novos projetos de caridade, capazes de gerar e incrementar iniciativas concretas no caminho da fraternidade, especialmente com os mais pobres, e em referência à nossa casa comum tão maltratada. Desta forma, contribuiremos para a formação duma cultura de compaixão, fraternidade e encontro, tanto aqui como noutras partes do mundo (cf. ibid., 250). Estou certo, Santidade, de que este caminho continuará a dar frutos em abundância.

Mais uma vez, agradeço a Vossa Santidade por este encontro. Rezo para que seja cumulado das bênçãos divinas na sua saúde e bem-estar pessoal e também na sua alta responsabilidade de guiar os crentes budistas nos caminhos da paz e da concórdia.

Obrigado!

Encontro com os funcionários e médicos

Queridos amigos!

Sinto-me feliz por ter esta oportunidade de me encontrar convosco, pessoal médico, sanitário e auxiliar do Hospital St. Louis e de outros hospitais católicos e centros de caridade. Agradeço ao Diretor as suas amáveis palavras de apresentação. Para mim, é uma bênção contemplar pessoalmente este precioso serviço que a Igreja oferece ao povo tailandês, especialmente aos mais necessitados. Saúdo afetuosamente as Irmãs de São Paulo de Chartres, bem como as outras religiosas aqui presentes, e agradeço a vossa silenciosa e alegre dedicação a este apostolado. Em vós temos a possibilidade de contemplar o rosto materno do Senhor, que Se inclina para ungir e levantar os seus filhos. Obrigado!

Gostei de ouvir as palavras do Diretor sobre o princípio que anima este Hospital: «Ubi caritas, Deus ibi est – onde houver caridade, aí está Deus». De fato, é precisamente na prática da caridade que nós, cristãos, somos chamados não só a manifestar que somos discípulos missionários, mas também a verificar a fidelidade do nosso seguimento e a das nossas Instituições. «Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40) – diz o Senhor. Discípulos missionários sanitários, que se abrem a «uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, (...) procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom» (Evangelii gaudium, 92).

Deste ponto de vista, realizais uma das maiores obras de misericórdia, porque o vosso compromisso sanitário vai muito além dum simples e louvável exercício da medicina. Tal compromisso não se pode reduzir apenas à realização de algumas ações ou determinadas programas, mas deveis ir mais além, abertos ao imprevisto, ou seja, acolher e abraçar a vida como chega à urgência do hospital para ser atendida com uma compaixão especial, que brota do amoroso respeito pela dignidade de todos os seres humanos. Os processos de cura exigem e reclamam também a força duma unção capaz de restituir, em todas as situações que se devem atravessar, um olhar que dignifica e ampara.

Todos vós, membros desta comunidade sanitária, sois discípulos missionários quando vedes um paciente e aprendeis a chamá-lo pelo nome. Sei que o vosso serviço pode, às vezes, ser pesado e extenuante; viveis no meio de situações extremas, e isto requer que possais ser acompanhados e assistidos no vosso trabalho. Daí a importância de desenvolver uma pastoral da saúde, na qual não só os pacientes, mas todos os membros desta comunidade possam sentir-se acompanhados e sustentados na sua missão. Sabei também que os vossos esforços e o trabalho das várias instituições que representais são o testemunho vivo do cuidado e atenção que somos chamados a demonstrar por todas as pessoas, especialmente pelos idosos, os jovens e os mais vulneráveis.

Neste ano, o Hospital St. Louis comemora o 120º aniversário da sua fundação. Quantas pessoas receberam alívio no seu sofrimento, foram consoladas nas suas aflições e acompanhadas na sua solidão! Ao dar graças a Deus pelo dom da vossa presença ao longo destes anos, peço-Lhe que este apostolado e outros semelhantes sejam cada vez mais sinal e emblema duma Igreja em saída que, querendo viver a sua missão, é incentivada a levar o amor sanador de Cristo a todas as pessoas que sofrem.

No final deste encontro, visitarei os enfermos, as pessoas com deficiência, podendo assim acompanhá-los, pelo menos um pouco, no seu sofrimento.

Todos sabemos que a doença traz sempre consigo grandes interrogativos. A primeira reação pode ser rebelar-nos, chegando mesmo a viver momentos de confusão e desolação. É o grito que brota da dor, e assim deve ser; o próprio Jesus, sofrendo, o deu. Com a oração, queremos unir-nos também nós ao d’Ele.

Unindo-nos a Jesus na sua paixão, descobrimos a força da sua proximidade à nossa fragilidade e às nossas feridas. É um convite a agarrarmo-nos à sua vida e ao seu sacrifício. Se às vezes sentirmos dentro de nós «o pão da angústia e a água da tribulação», rezemos para poder encontrar também, numa mão estendida, a ajuda necessária para descobrir o conforto que vem do Senhor, que já não Se esconderá mais (cf. Is 30, 20), mas está próximo e nos acompanha.

Coloquemos este encontro e a nossa vida sob a proteção de Maria, sob o seu manto. Que Ela volva os seus olhos cheios de misericórdia para vós, especialmente no momento da dor, da enfermidade e de qualquer forma de vulnerabilidade. Que Ela vos alcance a graça de encontrardes o seu Filho na carne ferida das pessoas que servis.

A todos vós e vossas famílias, vos abençoo. E peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.

Muito obrigado!

Santa Missa no Estádio Nacional

«Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos?» (Mt 12, 48). Com esta pergunta, Jesus desafiou toda a multidão que o ouvia a interrogar-se sobre algo que poderia parecer tão óbvio como certo: Quem são os membros da nossa família, aqueles que nos pertencem e aos quais nós pertencemos? Deixando a pergunta ressoar neles de forma clara e nova, responde: «Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (12, 50). Deste modo bane não só os determinismos religiosos e legais de então, mas também toda a pretensão de quem poderia julgar-se com direitos preferenciais sobre Ele. O Evangelho é convite e direito gratuito para quantos o querem escutar.

É surpreendente notar como o Evangelho aparece tecido de perguntas que procuram desinquietar, despertar e convidar os discípulos a pôr-se a caminho, para descobrir a verdade capaz de dar e gerar vida; perguntas, que procuram abrir o coração para horizontes onde se encontra uma novidade muito mais bela de quanto se possa imaginar. As perguntas do Mestre querem renovar incessantemente a nossa vida e a da nossa comunidade com uma alegria sem par (cf. Evangelii gaudium, 11).

Assim aconteceu com os primeiros missionários que se puseram a caminho e chegaram a estas terras; escutando a palavra do Senhor, procurando responder às suas solicitações, puderam ver que pertenciam a uma família muito maior do que a gerada pelos laços de sangue, cultura, região ou filiação num determinado grupo. Impelidos pela força do Espírito e enchendo as suas bolsas com a esperança que nasce da boa-nova do Evangelho, puseram-se a caminho para procurar os membros desta sua família que ainda não conheciam. Saíram em busca dos seus rostos. Era necessário abrir o coração a uma medida nova, capaz de superar todos os adjetivos que sempre dividem, para descobrir inúmeras mães e irmãos tailandeses que não compareciam à sua mesa dominical. E não apenas por tudo o que lhes poderiam oferecer, mas também por tudo o que necessitavam receber deles para crescer na fé e na compreensão das Escrituras (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Dei Verbum, 8).

Sem tal encontro, ao cristianismo faltaria o vosso rosto; faltariam os cânticos, as danças que representam o sorriso tailandês, típico nestas terras. Assim, vislumbraram melhor o desígnio amoroso do Pai, que é imensamente maior que todos os nossos cálculos e previsões, não se podendo circunscrever a um punhado de pessoas nem a um determinado contexto cultural. O discípulo missionário não é um mercenário da fé nem um caçador de prosélitos, mas um mendigo que reconhece que lhe faltam os irmãos, as irmãs e as mães com quem celebrar e festejar o dom irrevogável da reconciliação que Jesus nos oferece a todos: o banquete está pronto, saí à procura de todos os que encontrardes pelo caminho (cf. Mt 22, 4.9). Este envio é fonte de alegria, gratidão e felicidade plena, porque «permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da ação evangelizadora» (Evangelii gaudium, 8).

Passaram-se trezentos e cinquenta anos desde a criação do Vicariato Apostólico de Sião (1669-2019), sinal do abraço familiar produzido nestas terras. Eram apenas dois os missionários que se animaram a lançar as sementes que, desde então, têm vindo a crescer e florescer numa variedade de iniciativas apostólicas que contribuíram para a vida da nação. Este aniversário não significa nostalgia do passado, mas fogo de esperança para que, no presente, possamos também nós responder com a mesma determinação, força e confiança. É comemoração festiva e agradecida, que nos ajuda a sair de coração feliz para partilharmos a vida nova, que brota do Evangelho, com todos os membros da nossa família que ainda não conhecemos.

Todos somos discípulos missionários, quando nos decidimos a ser parte viva da família do Senhor e o fazemos partilhando à maneira d’Ele: não teve medo de Se sentar à mesa dos pecadores, para lhes assegurar que, na mesa do Pai e da criação, havia um lugar reservado também para eles; Jesus tocou aqueles que eram considerados impuros e, deixando-Se tocar por eles, ajudou-os a compreender a proximidade de Deus e, mais ainda, que eram eles os bem-aventurados (cf. São João Paulo II, Ecclesia in Asia, 11).

Penso de modo particular nos meninos, meninas e mulheres expostos à prostituição e ao tráfico, desfigurados na sua dignidade mais autêntica; penso nos jovens escravos da droga e da falta de sentido, que acabam por turvar o seu olhar e queimar os seus sonhos; penso nos migrantes privados das suas casas e famílias, e em tantos outros que podem, como eles, sentir-se esquecidos, órfãos, abandonados, «sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida» (Evangelii gaudium, 49). Penso nos pescadores explorados, nos mendigos ignorados...

Fazem parte da nossa família, são nossas mães e nossos irmãos; não privemos as nossas comunidades dos seus rostos, das suas chagas, dos seus sorrisos, das suas vidas; e não privemos as suas chagas e as suas feridas da unção misericordiosa do amor de Deus. O discípulo missionário sabe que a evangelização não é acumular adesões nem aparecer poderosos, mas abrir portas para viver e partilhar o abraço misericordioso e sanador de Deus Pai que nos torna família.

Querida comunidade tailandesa, continuemos em caminho pela senda dos primeiros missionários para encontrar, descobrir e reconhecer com alegria todos os rostos de mães, pais e irmãos que o Senhor nos quer dar e que faltam ao nosso banquete dominical.

Resumo do dia 21 de novembro


Sexta-feira, 22 de novembro de 2019

BANGCOC

Encontro com os sacerdotes, Religiosos, Religiosas, Seminaristas e Catequistas

Obrigado, D. Joseph (Pradhan Sridarunsil), pelas palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos vós. Estou feliz por vos poder ver, por vos escutar, participar da vossa alegria e sentir como o Espírito realiza a sua obra no nosso meio. Obrigado a todos vós, catequistas, sacerdotes, consagrados e consagradas, seminaristas, por este tempo que me dais.

Obrigado também a Benedetta por ter partilhado conosco a sua vida e o seu testemunho. Enquanto a ouvia, apoderava-se de mim um sentimento de ação de graças pela vida de tantos missionários e missionárias que influenciaram as vossas vidas, nelas deixando impressa a sua marca. Benedetta, falaste-nos das Filhas da Caridade. Quero que as minhas primeiras palavras convosco sejam um agradecimento a todas estas pessoas consagradas que se tornaram fecundas, com o silencioso martírio da fidelidade e dedicação diária. Não sei se tiveram a possibilidade de contemplar ou saborear o fruto dos seus sacrifícios, mas foram, sem dúvida, vidas capazes de gerar. Foram promessa de esperança. Por isso, no início do nosso encontro, quero convidar-vos a ter presente de maneira especial todos os catequistas, os consagrados idosos que nos geraram no amor e amizade com Jesus Cristo. Demos graças por eles e pelos idosos das nossas comunidades que hoje não puderam estar aqui. Dizei aos idosos que não puderam estar presentes que o Papa os abençoa, lhes agradece e pede também a bênção deles.

Penso que a história vocacional de cada um de nós está marcada por estas presenças que ajudaram a descobrir e discernir o fogo do Espírito. É tão belo e importante saber agradecer. «A gratidão é sempre uma “arma poderosa”. Só se formos capazes de contemplar e agradecer concretamente todos os gestos de amor, generosidade, solidariedade e confiança, bem como pelos gestos de perdão, paciência, suportação e compaixão com que fomos tratados, é que deixaremos o Espírito obsequiar-nos com aquele ar puro capaz de renovar (e não empachar) a nossa vida e missão» (Carta aos Presbíteros, 4/VIII/2019). Pensemos neles, agradeçamos e, sustentados por eles, sintamo-nos chamados também nós a ser homens e mulheres que ajudam a gerar a vida nova que o Senhor nos dá. Chamados à fecundidade apostólica, chamados a ser destemidos lutadores pelas coisas que o Senhor ama e pelas quais deu a sua vida, peçamos a graça de os nossos sentimentos e olhares palpitarem ao ritmo do seu Coração – e ousaria dizer-vos – até se ferir pelo mesmo amor; a graça de manter esta paixão por Jesus e pelo seu Reino.

Nesta linha, todos nos podemos perguntar: Como cultivo a fecundidade apostólica? É uma boa pergunta que todos nos podemos colocar, respondendo cada um no seu coração. (Sabeis! Aquilo que não está no texto, a Irmã traduz. Porque não me é fácil comunicar convosco através dum aparelho; não é fácil. Mas conto com a vossa vontade. Obrigado!).

Benedetta, falaste-nos de como o Senhor te atraiu por meio da beleza. Foi a beleza duma imagem de Nossa Senhora que penetrou, com o seu olhar particular, no teu coração e suscitou o desejo de A conhecer melhor: Quem é esta mulher? Não foram as palavras, as ideias abstratas ou os silogismos frios; tudo começou com um olhar, um olhar belo que te cativou. Quanta sabedoria escondem as tuas palavras! Despertar para a beleza, despertar para a maravilha, a surpresa capaz de abrir novos horizontes e suscitar novos interrogativos. Uma vida consagrada que não seja capaz de se manter aberta à surpresa, é uma vida que parou a meio do caminho. Isto, quero-o repetir: uma vida consagrada que não é capaz de se manter aberta diariamente à surpresa, que não é capaz de se alegrar ou de chorar, mas também de se abrir à surpresa, é uma vida consagrada que fica parada a meio do caminho. O Senhor não nos chamou para nos enviar ao mundo a fim de impor às pessoas obrigações ou cargas mais pesadas do que aquelas já têm (e são muitas), mas para compartilhar uma alegria, um horizonte belo, novo e surpreendente. Gosto muito desta expressão de Bento XVI que considero paradigmática e até profética nestes tempos: a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração (cf. Evagelii gaudium, 14). «Anunciar Cristo significa mostrar que crer n’Ele e segui-Lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações» (Ibid., 167).

E isto impele-nos a não ter medo de procurar novos símbolos e imagens, uma música particular que ajude os tailandeses a despertarem para a maravilha que o Senhor nos quer dar. Não devemos ter medo de inculturar cada vez mais o Evangelho. É necessário procurar as novas formas de transmitir a Palavra, capazes de mobilizar e despertar o desejo de conhecer o Senhor: Quem é este homem? Quem são estas pessoas que seguem um crucificado?

Quando preparava este encontro, li com alguma tristeza que, para muitos, a fé cristã é uma fé estrangeira, é a religião dos estrangeiros. Este fato impele-nos a buscar corajosamente modos de confessar a fé «em dialeto», tal como uma mãe canta as canções de embalar ao seu bebé. Com esta confiança, devemos conferir à fé rosto e «carne» tailandesas, que é muito mais do que fazer traduções. É deixar que o Evangelho se despoje de roupagens boas, mas estrangeiras, para ressoar com a música que vos é própria nesta terra e faz vibrar a alma dos nossos irmãos com a mesma beleza que fascinou o nosso coração. Convido-vos a rezar a Nossa Senhora, a primeira que cativou Benedetta com a beleza do seu olhar, e digamos-Lhe com confiança de filhos: «Alcançai-nos agora um novo ardor de ressuscitados para levar a todos o Evangelho da vida que vence a morte. Dai-nos a santa ousadia de buscar novos caminhos, para que chegue a todos o dom da beleza que não se apaga» (Ibid., 288).

O olhar de Maria impele-nos a ver na mesma direção d’Ela, em direção a outro olhar – o olhar de Jesus – a fim de fazermos tudo o que Ele nos disser (cf. Jo 2, 1-12). Olhos que cativam, porque são capazes de ir além das aparências, alcançar e celebrar a beleza mais autêntica que vive em cada pessoa. Um olhar que quebra, como nos ensina o Evangelho, todos os determinismos, os fatalismos e os esquemas. Onde muitos viam apenas um pecador, um blasfemo, um cobrador de impostos, um malfeitor, e mesmo um traidor, Jesus foi capaz de ver apóstolos. E esta é a beleza que o seu olhar nos convida a anunciar: um olhar que penetra dentro, transforma e faz vir fora o melhor dos outros.

Detendo-nos nos primórdios da vossa vocação, muitos de vós, na juventude, participaram nas atividades de jovens que queriam viver o Evangelho e saíam para visitar os mais necessitados, marginalizados e até desprezados da cidade, órfãos e idosos. Certamente, lá, muitos foram visitados pelo Senhor, fazendo-lhes descobrir a chamada para Lhe dar tudo. Trata-se de sair de si mesmo e, no mesmo movimento de saída, sermos encontrados. No rosto das pessoas que cruzamos na rua, pudemos descobrir a beleza de tratar o outro como um irmão. Deixou de ser o órfão, o abandonado, o marginalizado ou o desprezado. Agora tem um rosto de irmão, o «irmão redimido por Jesus Cristo. Isto é ser cristão! Ou poder-se-á porventura entender a santidade prescindindo deste reconhecimento vivo da dignidade de todo o ser humano?» (Gaudete et exsultate, 98). Desejo apoiar e dar coragem a muitos de vós que, diariamente, gastais a vossa vida servindo a Jesus nos irmãos, como evidenciava o Bispo ao apresentar-vos (via-se que era orgulhoso de vós!); dar coragem a muitos de vós que conseguis ver beleza onde outros veem apenas desprezo, abandono ou um objeto sexual para ser explorado. Assim sois sinal concreto da misericórdia viva e operante do Senhor; sinal da unção do Santo nestas terras.

Tal unção supõe a oração. A fecundidade apostólica requer e é sustentada cultivando a intimidade da oração. Uma intimidade, como a dos avós que rezam assiduamente o terço. Quantos de nós recebemos a fé dos nossos avós! Víamo-los com o terço na mão, enquanto iam fazendo as tarefas domésticas, consagrando assim todo o seu dia. É a contemplação na ação, deixando que Deus entre em todas as pequenas coisas do dia a dia. Hoje, é essencial que a Igreja anuncie o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem hesitações nem medo (cf. Evagelii gaudium, 23), como pessoas que cada manhã, num encontro pessoal com o Senhor, voltam a ser enviadas. Sem a oração, toda a nossa vida e a nossa missão perdem sentido, força e fervor. Se vos faltar a oração, qualquer trabalho que fizerdes não tem sentido, não tem força, não tem valor. A oração é o centro de tudo.

Dizia São Paulo VI que um dos piores inimigos da evangelização é a falta de fervor (cf. Evangelii nuntiandi, 80). Lede este número 80 da Evangelii nuntiandi. E, para o religioso, para a religiosa, para o sacerdote, para o catequista, o fervor alimenta-se neste duplo encontro: com o rosto do Senhor e com o dos seus irmãos. Também nós temos necessidade deste espaço, onde possamos voltar à fonte para beber da água que dá vida. Apesar de estar imersos em mil ocupações, procuremos sempre o espaço para nos recordarmos, na oração, que o Senhor já salvou o mundo e, com Ele, somos convidados a tornar palpável esta salvação.

De novo obrigado pela vossa vida, obrigado pelo vosso testemunho e generosa doação. Peço-vos, por favor, para não cederdes à tentação de pensar que sois poucos; pensai, antes, que sois pequenos, pequenos instrumentos nas mãos criadoras do Senhor. E, com a vossa vida, Ele irá escrevendo as mais lindas páginas da história da salvação nestas terras.

Não vos esqueçais, por favor, de rezar e fazer rezar por mim.

Obrigado!

Encontro com os Bispos da Tailândia e da FABC

Agradeço a Sua Eminência, o Cardeal Francis Xavier Kriengsak Kovithavanij, as suas amáveis palavras de introdução e boas-vindas. Sinto-me feliz por estar convosco e partilhar, embora brevemente, as vossas alegrias e esperanças, as vossas iniciativas e sonhos, e também os desafios que enfrentais como pastores do santo povo fiel de Deus. Obrigado pela vossa receção fraterna.

O nosso encontro de hoje tem lugar no Santuário do Beato Nicolau Bunkerd Kitbamrung, que dedicou a sua vida à evangelização e à catequese, formando discípulos do Senhor, principalmente aqui na Tailândia, mas também em parte do Vietname e ao longo da fronteira com o Laos, e coroou o seu testemunho de Cristo com o martírio. Coloquemos este encontro sob o seu olhar, para que o seu exemplo estimule em nós um grande zelo pela evangelização em todas as Igrejas locais da Ásia e possamos ser cada vez mais discípulos missionários do Senhor; assim a sua Boa-Nova poderá ser espalhada como bálsamo e perfume neste grande e magnífico continente.

Sei que está em programa para 2020 a Assembleia Geral da Federação de Conferências dos Bispos da Ásia, no cinquentenário da sua fundação. Uma boa ocasião para voltar a visitar os «santuários», onde se guardam as raízes missionárias que marcaram estas terras, e para deixar o Espírito Santo impelir-vos pelos passos do primeiro amor; isto permitir-vos-á abrir com coragem, com ousadia para um futuro que sois chamados a gerar e implementar, a fim de que tanto a Igreja como a sociedade na Ásia beneficiem dum impulso evangélico compartilhado e renovado. Enamorados de Cristo, capazes de fazer enamorar compartilhando o mesmo amor.

Viveis num continente multicultural e multirreligioso, de grande beleza e prosperidade, mas ao mesmo tempo provado por uma pobreza e exploração a vários níveis. Os rápidos progressos tecnológicos podem abrir imensas possibilidades para facilitar a vida, mas podem também suscitar um crescente consumismo e materialismo, sobretudo entre os jovens. Carregais aos ombros as preocupações dos vossos povos ao ver o flagelo das drogas e o tráfico de pessoas, a necessidade de atender a um grande número de migrantes e refugiados, as más condições de trabalho, a exploração laboral sofrida por muitos, bem como a desigualdade económica e social que existe entre os ricos e os pobres.

No meio destas tensões, encontra-se o pastor lutando e intercedendo com o seu povo e pelo seu povo. Por isso, penso que a memória dos primeiros missionários, que nos precederam com coragem, alegria e uma resistência extraordinária, permitirá medir e avaliar o nosso presente e a nossa missão a partir duma perspetiva muito mais ampla, muito mais inovadora. Tal memória liberta-nos, em primeiro lugar, de pensar que os tempos passados foram sempre mais favoráveis ou melhores do que os atuais para o anúncio e ajuda-nos a não nos refugiarmos em pensamentos e debates estéreis que acabam por nos concentrar e fechar em nós mesmos, paralisando todo o tipo de ação. «Aprendamos com os Santos que nos precederam e enfrentaram as dificuldades próprias do seu tempo» (Evangelli gaudium, 263) e deixemo-nos despojar de tudo o que se nos «apegou» ao longo do caminho, tornando mais pesado o andar. Temos consciência de que «há estruturas [e mentalidades] eclesiais que podem chegar a condicionar [negativamente] um dinamismo evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia; [porque, em última análise], sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem fidelidade da Igreja à própria vocação, toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo» (Ibid., 26) e pode tornar difícil ao nosso coração o importante ministério da oração e intercessão. Isto pode ajudar, às vezes, a regular-nos face a entusiasmos imprudentes com métodos que têm um êxito aparente, mas pouca vida.

Ao observar o caminho missionário nestas terras, uma das primeiras lições colhidas é esta: a confiança de saber que o primeiro a ir à frente e a chamar é precisamente o Espírito Santo; Ele precede a Igreja, convidando-a a alcançar todos os pontos decisivos «onde são concebidas as novas histórias e paradigmas [para] alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das [nossas] cidades» (Ibid., 74) e culturas. Não esqueçamos que o Espírito Santo chega antes do missionário, e permanece com ele. O impulso do Espírito Santo sustentou e motivou os Apóstolos e tantos missionários para não descartarem qualquer terra, povo, cultura ou situação. Não procuraram um terreno com «garantias de sucesso»; pelo contrário, a sua «garantia» residia na certeza de que nenhuma pessoa e cultura seja a priori incapaz de receber a semente de vida, de felicidade e especialmente da amizade que o Senhor lhes quer dar. Não esperavam que uma cultura fosse afim ou facilmente sintonizada com o Evangelho; pelo contrário, mergulharam nessas realidades novas, convencidos da beleza de que eram portadores. Toda a vida tem valor aos olhos do Mestre. Eram ousados, corajosos, porque sabiam, antes de mais nada, que o Evangelho é um dom para ser semeado em todos e para todos, disseminado por todos: doutores da lei, pecadores, publicanos, prostitutas, todos os pecadores de ontem e de hoje. Apraz-me salientar que a missão, mais do que atividades a realizar ou projetos a implementar, requer um olhar e um olfato que se deve educar; requer uma preocupação paterna e materna, porque a ovelha se perde quando o pastor a dá por perdida; nunca antes. Três meses atrás, tive a visita dum missionário francês, que trabalha há quase 40 anos no norte da Tailândia, no meio das tribos. Veio com um grupo de 20, 25 pessoas, todas elas pais e mães de família: jovens, não tinham mais de 25 anos! Ele mesmo os batizara – eram a primeira geração – e agora batizava os seus filhos. Alguém poderia pensar: perdestes a vida por 50, 100 pessoas. Tal foi a sua sementeira; e Deus consola-o, fazendo-lhe batizar os filhos daqueles que batizara primeiro. Simplesmente viu aqueles indígenas do norte da Tailândia como uma riqueza para a evangelização. Não deu por perdida aquela ovelha, preocupou-se com ela.

Um dos pontos mais belos da evangelização é dar-se conta de que a missão confiada à Igreja não consiste apenas na proclamação do Evangelho, mas também em aprender a crer no Evangelho. Quantos proclamam, ou melhor, às vezes, em momentos de tentação, nós proclamamos o Evangelho e não acreditamos no Evangelho! Aprender a crer no Evangelho, deixar-se transformar por ele. Consiste em viver e caminhar à luz da Palavra que temos de proclamar. Far-nos-á bem recordar estas palavras importantes de Paulo VI: «Evangelizadora como é, a Igreja começa por se evangelizar a si mesma. Comunidade de crentes, comunidade de esperança vivida e comunicada, comunidade de amor fraterno, ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar, as razões da sua esperança e o mandamento novo do amor» (Evangelii nuntiandi, 15). Assim, a Igreja entra na dinâmica do discipulado: conversão-anúncio; purificada pelo seu Senhor, torna-se testemunha por vocação. Uma Igreja em caminho, sem medo de descer à rua e tomar contato com a vida das pessoas que lhe foram confiadas, é capaz de se abrir humildemente ao Senhor e, com o Senhor, viver a maravilha da aventura missionária sem necessidade, consciente ou inconsciente, de querer aparecer ela em primeiro lugar, ocupando ou pretendendo talvez que lhe atribuam lugar de destaque. Quanto devemos aprender convosco que, apesar de em muitos dos vossos países ou regiões serdes minorias e, às vezes, minorias ignoradas, obstaculizadas ou perseguidas, nem por isso vos deixais levar ou contaminar pelo complexo de inferioridade ou pela lamentação de não se sentirem reconhecidos. Continuai para diante! Anunciai, semeai, rezai e esperai. E não percais a alegria!

Irmãos, «unidos a Jesus, procuremos o que Ele procura, amemos o que Ele ama» (Evangelli gaudium, 267) e não tenhamos medo de fazer nossas as suas prioridades. Vós sabeis muito bem o que é uma Igreja pequena em pessoas e recursos, mas ardente e ansiosa por ser um instrumento vivo da promessa do Senhor para todas as pessoas das vossas aldeias e cidades (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1)! O vosso compromisso de realizar esta fecundidade evangélica, anunciando o querigma por obras e palavras nos diferentes campos onde se encontram os cristãos, é um testemunho que marca.

Uma Igreja missionária sabe que a sua melhor palavra é o deixar-se transformar pela Palavra que dá Vida, fazendo do serviço a sua nota distintiva. Não somos nós que temos a chave da missão, e menos ainda as nossas estratégias. O verdadeiro protagonista é o Espírito, que nos impele a nós, pecadores perdoados, enviando-nos continuamente para partilhar este tesouro em vasos de barro (cf. 2 Cor 4, 7); transformados pelo Espírito, para transformar cada canto onde nos toque estar. O martírio da dedicação diária e frequentemente silenciosa dará os frutos de que precisam os vossos povos.

Esta realidade encoraja-nos a desenvolver uma espiritualidade muito particular. O pastor é uma pessoa que, antes de mais nada, ama entranhadamente o seu povo, conhece as suas inclinações, as suas fraquezas e forças. Certamente amor por Jesus Cristo, a missão é ao mesmo tempo «paixão pelo seu povo. Quando paramos diante de Jesus crucificado, reconhecemos todo o seu amor que nos dignifica e sustenta, mas lá também, se não formos cegos, começamos a perceber que este olhar de Jesus se alonga e dirige, cheio de afeto e ardor, a todo o seu povo» (Evangelli gaudium, 268).

Lembremo-nos de que também nós fazemos parte deste povo; não somos os senhores, fazemos parte do povo; fomos escolhidos como servidores, não como patrões ou senhores. Isto significa que temos de acompanhar aqueles que servimos com paciência e amabilidade, escutando-os, respeitando a sua dignidade, promovendo e valorizando sempre as suas iniciativas apostólicas. Não percamos de vista que muitas das vossas terras foram evangelizadas por leigos. Por favor, não clericalizemos a missão, e menos ainda os leigos. Estes leigos puderam falar o dialeto do povo, um exercício simples e direto de inculturação, não teórica nem ideológica, mas fruto da paixão por partilhar Cristo. O santo povo fiel de Deus possui a unção do Santo, que somos chamados a reconhecer, valorizar e difundir. Não percamos esta graça de ver Deus que age no meio do seu povo: como o fizera antes, fá-lo agora e continuará a fazê-lo. Acode-me à mente uma imagem que não estava no programa: o menino Samuel que acordava de noite. Deus respeitou o sacerdote ancião, fraco de caráter; deixava-o fazer, mas não lhe falava. Falou a um rapaz, a um do povo.

De maneira particular, convido-vos a ter sempre a porta aberta para os vossos sacerdotes: a porta e o coração. Não esqueçamos que o próximo mais próximo do bispo é o sacerdote. Mantende-vos próximo deles, escutai-os, procurai sustentá-los em todas as situações que enfrentam, sobretudo quando os virdes desanimados ou apáticos, que é a pior das tentações do demónio. A apatia, o desânimo. E isso fazei-o, não como juízes, mas como pais, não como gerentes que se servem deles, mas como verdadeiros irmãos mais velhos. Criai um clima de confiança que favoreça um diálogo sincero, um diálogo aberto, buscando e pedindo a graça de terdes a mesma paciência que o Senhor tem com cada um de nós… e tem tanta, tanta!

Queridos irmãos, sei que são variadas as questões que tendes de enfrentar dentro das vossas comunidades, tanto no dia a dia como pensando no futuro. Nunca percamos de vista que precisamente neste futuro, muitas vezes tão incerto como problemático, é precisamente o Senhor que vem com a força da Ressurreição para transformar cada chaga, cada ferida, em fonte de vida. Olhemos para o amanhã com a certeza de que não estamos sozinhos, não vivemos sozinhos, não caminhamos sozinhos; lá nos espera Ele, convidando-nos a reconhecê-Lo principalmente ao partir o pão.

Supliquemos a intercessão do Beato Nicolau e de tantos santos missionários para que os nossos povos sejam renovados com a mesma unção.

Uma vez que hoje se encontram aqui numerosos Bispos da Ásia, aproveito a ocasião para estender a bênção e o meu afeto a todas as vossas comunidades e, de forma especial, aos doentes e a todos aqueles que estão a atravessar momentos de dificuldade. Que o Senhor vos abençoe, proteja e sempre vos acompanhe. E, a vós, que vos tome pela mão; e que vós vos deixeis guiar pela mão do Senhor e não procureis outras mãos.

E, por favor, não vos esqueçais de rezar e fazer rezar por mim, porque tudo aquilo que vos disse a vós, tenho de o repetir também a mim próprio.

Muito obrigado!

Encontro com os líderes cristãos e de outras religiões

Senhor Cardeal,
Irmãos no episcopado,
Ilustres Representantes das diferentes confissões religiosas,
Representantes da Comunidade Universitária,
Queridos amigos!

Obrigado pela vossa cordial receção. Agradeço a D. Sirisut e ao Dr. Bundit Eua-arporn as suas amáveis palavras. Agradeço também o convite para visitar esta famosa Universidade, com os alunos, professores e funcionários que dão vida a esta casa de estudos, bem como a oportunidade de me encontrar com os representantes das diferentes Comunidades cristãs e com os Responsáveis das outras religiões que nos honram com a sua presença. Expresso-vos a minha gratidão pela vossa presença aqui e a minha especial estima e reconhecimento pela preciosa herança cultural e as tradições espirituais de que sois filhos e testemunhas.

Há cento e vinte e dois anos, em 1897, o rei Chulalongkorn, de quem recebe o nome esta primeira Universidade, visitou Roma e teve uma Audiência com o Papa Leão XIII: pela primeira vez, um Chefe de Estado não cristão foi recebido no Vaticano. A recordação daquele encontro importante, bem como o período do seu reinado que conta, entre tantos méritos, a abolição da escravatura, desafiam-nos e encorajam-nos a assumir decidido protagonismo no caminho do diálogo e da compreensão mútua. E encorajam-nos a fazê-lo num espírito de fraterna colaboração que ajude a pôr fim a tantas escravidões que persistem nos nossos dias; penso especialmente no flagelo do tráfico e exploração de pessoas.

A necessidade de reconhecimento, estima mútua e de cooperação entre as religiões é ainda mais premente na humanidade atual; o mundo de hoje enfrenta problemáticas complexas, como a globalização económico-financeira e as suas graves consequências no desenvolvimento das sociedades locais; os rápidos progressos, que aparentemente promovem um mundo melhor, coexistem com a trágica persistência de conflitos – conflitos sobre migrantes e refugiados, conflitos devidos a carestias e conflitos bélicos – e também com a degradação e destruição da nossa casa comum.

Todas estas situações lembram-nos e alertam-nos que nenhuma região ou setor da nossa família humana se pode conceber ou construir alheia ou imune relativamente aos outros. Todas elas são situações que exigem, por sua vez, que nos aventuremos a tecer novas formas de construir a história presente sem precisar de denegrir ou ofender ninguém. Acabaram-se os tempos em que a lógica da insularidade podia predominar na concepção do tempo e do espaço e impor-se como mecanismo válido para a resolução dos conflitos. Hoje é tempo de ousar imaginar a lógica do encontro e do diálogo mútuo como caminho, a colaboração comum como conduta e o conhecimento recíproco como método e critério. E, assim, oferecer um novo paradigma para a resolução dos conflitos, contribuir para o entendimento entre as pessoas e para a salvaguarda da criação. Penso que as religiões como também as universidades, sem precisar de renunciar às próprias caraterísticas peculiares e aos próprios dons particulares, têm muito para contribuir e oferecer neste campo; tudo o que fizermos neste sentido é um passo significativo para garantir às gerações mais jovens o seu direito ao futuro, e será também um serviço à justiça e à paz. Só desta maneira lhes forneceremos os instrumentos necessários para que sejam elas as protagonistas na forma de gerar estilos de vida sustentáveis e inclusivos.

Estes tempos exigem que se construam bases sólidas, ancoradas no respeito e reconhecimento da dignidade das pessoas, na promoção dum humanismo integral capaz de reconhecer e reivindicar a defesa da nossa casa comum, numa gestão responsável que preserve a beleza e a exuberância da natureza como um direito fundamental à existência. As grandes tradições religiosas do mundo dão testemunho dum património espiritual, transcendente e amplamente partilhado, que pode oferecer sólidas contribuições nesse sentido, se formos capazes de nos aventurar a não ter medo de nos encontrarmos.

Todos somos chamados não só a prestar atenção à voz dos pobres que estão ao nosso redor – marginalizados, oprimidos, povos indígenas e minorias religiosas –, mas também a não ter medo de gerar instâncias (como timidamente já se começa a verificar) onde nos possamos unir e trabalhar juntos. Entretanto somos solicitados a abraçar o imperativo de defender a dignidade humana e respeitar os direitos de consciência e liberdade religiosa e criar espaços onde se ofereça um pouco de ar fresco, na certeza de que «nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto» (Laudato si, 205).

Aqui na Tailândia, país de grande beleza natural, gostaria de sublinhar uma nota distinta que considero essencial e, de certo modo, parte das riquezas que haveis de «exportar» e partilhar com as outras regiões da nossa família humana: vós tendes apreço e cuidado pelos vossos idosos – são uma grande riqueza! –, respeitai-los e reservais-lhes um lugar preferencial, para que vos garantam as raízes necessárias e assim o vosso povo não se corrompa seguindo certos slogans que acabam por esvaziar e hipotecar a alma das novas gerações. Com a tendência crescente a desacreditar os valores e as culturas locais, através da imposição dum modelo único, «vemos hoje uma tendência para “homogeneizar” os jovens, dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série. Deste modo causa-se uma destruição cultural, que é tão grave como a extinção das espécies» (Christus vivit, 186). Continuai a dar a conhecer aos mais novos a «bagagem cultural da sociedade onde vivem. Ajudar os jovens a descobrir a riqueza viva do passado, conservando-a na memória e valendo-se dela para as suas decisões e possibilidades, é um verdadeiro ato de amor para com eles visando o seu crescimento e as opções que são chamados a realizar» (Ibid., 187).

Esta visão tem necessariamente implicações no papel de instituições educativas como esta Universidade. A investigação e o conhecimento ajudam a abrir novos caminhos para reduzir a desigualdade entre as pessoas, revigorar a justiça social, defender a dignidade humana, procurar as formas de resolução pacífica de conflitos e preservar os recursos que vivificam a nossa terra. Dirijo um agradecimento particular aos educadores e académicos deste país, que trabalham por proporcionar às gerações presentes e futuras as aptidões e sobretudo a sabedoria de raiz ancestral que lhes permitirão participar na promoção do bem comum da sociedade.

Queridos irmãos, todos somos membros da família humana e cada qual, no lugar que ocupa, é chamado a ser ator e corresponsável direto na construção duma cultura baseada em valores compartilhados que levem à unidade, ao respeito mútuo e à convivência harmoniosa.

Mais uma vez vos agradeço o vosso convite e a vossa atenção. Ofereço a minha oração e formulo venturosos votos pelos vossos esforços que visam servir o desenvolvimento da Tailândia na prosperidade e na paz. Sobre vós aqui presentes, vossas famílias e quantos gozam dos vossos serviços, invoco a bênção divina. E peço-vos, por favor, para o fazerdes por mim.

Muito obrigado!

Santa Missa com os jovens

Vamos ao encontro de Cristo Senhor, que vem! O Evangelho, que acabamos de ouvir, convida a pormo-nos em movimento com o olhar fixo no futuro, para nos encontrarmos com o mais belo dom que nos reserva: a vinda definitiva de Cristo à nossa vida e ao nosso mundo. Demos-Lhe as boas-vindas ao nosso meio, com imensa alegria e amor como só vós, jovens, sabeis fazer! Sabemos que, antes de sairmos à sua procura, já o Senhor nos procurava; vem ao nosso encontro e chama-nos a partir da história que é necessário construir, criar, inventar. Vamos com alegria, porque sabemos que Ele nos espera lá.

O Senhor sabe que através de vós, jovens, entra o futuro nestas terras e no mundo, e conta convosco para continuar hoje a sua missão (cf. Christus vivit, 174). Assim como Deus tinha um plano para o povo escolhido, também tem um plano para cada um de vós. Ele é o primeiro a sonhar em convidar-nos a todos para um banquete que devemos preparar juntos, Ele e nós, como comunidade: o banquete do seu Reino, do qual ninguém deveria ser excluído.

O Evangelho de hoje fala-nos de dez jovens convidadas a olhar para o futuro e participar na festa do Senhor. O problema é que algumas delas não estavam preparadas para O receber; não porque adormeceram, mas porque lhes faltou o azeite necessário, o combustível interno para manter aceso o fogo do amor. Com grande entusiasmo e motivação, queriam tomar parte na chamada e convocação do Mestre, mas, com o tempo, as forças e os anseios foram-se amortecendo, apagando, e chegaram tarde. É uma parábola daquilo que pode acontecer conosco, os cristãos, quando ouvimos, cheios de entusiasmo e decisão, a chamada do Senhor para tomar parte no seu Reino e partilhar a sua alegria com os outros. Mas com frequência, perante os problemas e obstáculos que muitas vezes são tantos (como cada um de vós bem sabe, no seu coração), perante o sofrimento de pessoas queridas ou a impotência sentida face a situações que parecem impossíveis de ser alteradas, então a desconfiança e a amargura podem ganhar espaço e infiltrar-se silenciosamente nos nossos sonhos, fazendo com que se resfrie o coração, percamos a alegria, e cheguemos tarde.

Por isso, gostaria de vos perguntar: Quereis manter vivo o fogo que vos pode iluminar no meio da noite e no meio das dificuldades? Quereis preparar-vos para responder à chamada do Senhor? Quereis estar prontos para cumprir a sua vontade?

Como obter o azeite que possa manter-vos em movimento e encorajar-vos a buscar o Senhor em todas as situações?

Sois herdeiros duma magnífica história de evangelização, que vos foi transmitida como um tesouro sagrado. Esta bela Catedral é testemunha da fé em Jesus Cristo que tiveram os vossos antepassados: a sua fidelidade, profundamente arraigada, impeliu-os a cumprir boas obras, a construir o outro templo ainda mais esplêndido, composto de pedras vivas para poder levar o amor misericordioso de Deus às a todas as pessoas do seu tempo. E conseguiram fazê-lo, porque estavam convencidos daquilo que o profeta Oseias diz na primeira Leitura de hoje: Deus falara-lhes com ternura, abraçara-os com um amor forte, para sempre (cf. Os 2, 16.21-22).

Queridos amigos, para que o fogo do Espírito Santo não se apague e possais manter despertos o olhar e o coração, é necessário estar arraigados na fé dos mais velhos: pais, avós, professores. Não para ficar prisioneiros do passado, mas para aprender a ter a mesma coragem, capaz de nos ajudar a responder às novas situações históricas. A vida deles resistiu a muitas provações e sofrimentos. Mas descobriram, ao longo do caminho, que o segredo dum coração feliz é a segurança que encontramos quando estamos ancorados, enraizados em Jesus: na sua vida, nas suas palavras, na sua morte e ressurreição.

«Já me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam seus ramos sempre mais alto para o céu; pareciam uma canção de esperança. Mais tarde, depois duma tempestade, encontrei-as caídas, sem vida. Estenderam os seus ramos sem se enraizar bem na terra e, por ter poucas raízes, sucumbiram aos assaltos da natureza. Por isso, custa-me ver que alguns propõem aos jovens construir um futuro sem raízes, como se o mundo começasse agora. Com efeito, é impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de pé e agarrada à terra. [Moços e moças, é muito] fácil extraviar-se, quando não temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos» (Christus vivit, 179).

Sem este sentido forte de enraizamento, podemos ficar perplexos com as «vozes» deste mundo que reclamam a nossa atenção. Muitas delas são atraentes, propostas bem confeccionadas, que inicialmente parecem bonitas e intensas, mas, com o passar do tempo, acabam por deixar apenas o vazio, o cansaço, a solidão e a frustração (cf. ibid., 277), e vão apagando aquela centelha de vida que um dia o Senhor acendeu em cada um de nós.

Queridos jovens, sois uma nova geração, com novas esperanças, sonhos e interrogativos; seguramente também com algumas dúvidas, mas, enraizados em Cristo, convido-vos a manter viva a alegria e a não ter medo de olhar para o futuro com confiança. Arraigados em Cristo, olhai com alegria, olhai com e confiança. Esta condição nasce da certeza de se saber procurado, encontrado e amado infinitamente pelo Senhor. A amizade cultivada com Jesus é o azeite necessário para iluminar o caminho; não só o vosso caminho, mas também o de todas as pessoas que vos rodeiam: amigos, vizinhos, colegas de estudo e trabalho, mesmo o caminho de quantos estão em total desacordo convosco.

Vamos ao encontro de Cristo Senhor, que vem! Não tenhais medo do futuro nem vos deixeis aviltar; pelo contrário, sabei que lá no futuro está à vossa espera o Senhor para preparar e celebrar a festa do seu Reino.

***

Agradecimento do Santo Padre no final da Eucaristia com os jovens

No final desta celebração, quero agradecer a todos aqueles que tornaram possível a minha visita à Tailândia e a quantos colaboraram na realização.

Renovo a expressão da minha gratidão a Sua Majestade o Rei Rama X, ao Governo e demais Autoridades do país pela sua primorosa hospitalidade. De coração agradeço aos meus irmãos Bispos, nomeadamente ao Cardeal Francis Xavier, bem como aos sacerdotes, às religiosas e religiosos, aos fiéis leigos e de modo especial a vós, os jovens!

Um obrigado cordial aos voluntários, que colaboraram com tanta generosidade, e a quantos me acompanharam com as suas orações e sacrifícios, particularmente os doentes e encarcerados.

O Senhor vos recompense com a sua consolação e a paz, que só Ele pode dar. E deixo-vos uma tarefa: não vos esqueçais de rezar por mim. Muito obrigado!


Sábado, 23 de novembro de 2019

BANGCOC-TÓQUIO

Encontro com Bispos

Queridos irmãos!

Antes de mais nada, quero pedir desculpa, pedir perdão, porque entrei sem saudar ninguém. Como somos mal-educados nós, os argentinos! Desculpai-me por isso.

É um prazer encontrar-me aqui no vosso meio. Os japoneses têm fama de ser metódicos e trabalhadores, e a prova está à vista: o Papa desce do avião e, imediatamente, o fazem trabalhar. Muito obrigado!

Estou feliz pela graça de visitar o Japão e pela receção que me reservastes. Agradeço especialmente a D. Takami as palavras que me dirigiu em nome de toda a comunidade católica deste país. Encontrando-me aqui convosco, neste que é o primeiro encontro oficial, quero saudar todas e cada uma das vossas comunidades, fiéis-leigos, catequistas, sacerdotes, religiosos, pessoas consagradas, seminaristas. E desejo também estender o meu abraço e as minhas orações a todos os japoneses, neste período marcado pela entronização do novo Imperador e o início da era Reiwa.

Não sei se sabeis, mas desde jovem senti simpatia e estima por estas terras. Passaram-se muitos anos desde aquele impulso missionário, cuja realização se fez esperar. Hoje, o Senhor dá-me a oportunidade de estar no vosso meio como peregrino missionário seguindo os passos de grandes testemunhas da fé. Completam-se quatrocentos e setenta anos da chegada de São Francisco Xavier ao Japão, que marcou o início da propagação do cristianismo nesta terra. Recordando-o, quero unir-me convosco para dar graças ao Senhor por todos aqueles que, ao longo dos séculos, se dedicaram a semear o Evangelho e a servir o povo japonês com grande unção e amor; tal dedicação conferiu uma fisionomia muito particular à Igreja japonesa. Penso nos mártires São Paulo Miki e seus companheiros e no Beato Justo Takayama Ukon, que, no meio de muitas provações, deram testemunho até à morte. Esta oferta de si mesmos para manter viva a fé no meio da perseguição ajudou a pequena comunidade cristã a crescer, consolidar-se e dar fruto. Pensemos também nos «cristãos escondidos» da região de Nagasaki, que mantiveram a fé durante várias gerações graças ao Batismo, à oração e à catequese. Autênticas Igrejas domésticas que resplandeciam nesta terra, talvez sem o saberem, como espelhos da Família de Nazaré.

O caminho do Senhor mostra-nos como a vossa presença se ajusta à vida diária do povo fiel, que procura a forma de continuar a tornar presente a memória d’Ele; uma presença silenciosa, uma memória viva de que, onde estiverem dois ou mais reunidos em seu Nome, aí estará Ele com a força e a ternura do seu Espírito (cf. Mt 18, 20). O DNA das vossas comunidades está marcado por este testemunho, antídoto contra todo o desespero, que nos indica a estrada para onde encaminhar-se. Sois uma Igreja que se manteve viva pronunciando o Nome do Senhor e contemplando como Ele vos guiava no meio da perseguição.

A sementeira confiante, o testemunho dos mártires e a espera paciente dos frutos, que o Senhor concede no devido tempo, caraterizaram a modalidade apostólica com que soubestes acompanhar a cultura japonesa. Como resultado, plasmastes ao longo dos anos um rosto eclesial, geralmente muito apreciado pela sociedade japonesa, graças às vossas variadas contribuições para o bem comum. Este importante capítulo da história do país e da Igreja universal foi agora reconhecido com a designação das igrejas e cidades de Nagasaki e Amacuça como lugares do Património Cultural Mundial; mas sobretudo como memória viva da alma das vossas comunidades, esperança fecunda de toda a evangelização.

Esta viagem apostólica decorre sob o lema «proteger toda a vida»; lema este que pode facilmente simbolizar o nosso ministério episcopal. O bispo é uma pessoa que o Senhor chamou do meio do seu povo, para lho devolver como pastor capaz de proteger toda a vida; isto define, em certa medida, o cenário para onde devemos apontar.

A missão nestas terras caraterizou-se por uma busca intensa de inculturação e diálogo, que permitiu a formação de novas modalidades, independentes das desenvolvidas na Europa. Sabemos que, desde o início, se utilizaram escritos, teatro, música e todo o género de meios, na sua maioria em língua japonesa. Este fato demonstra o amor que os primeiros missionários sentiam por estas terras. Proteger toda a vida significa, em primeiro lugar, ter um olhar contemplativo capaz de amar a vida de todo o povo que vos está confiado, para reconhecerdes nele, antes de mais nada, um dom do Senhor. «Porque só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça, pode ser transformado» (XXXIV Jornada Mundial da Juventude, Panamá, Vigília de Oração, 26/I/2019). É o princípio da encarnação, capaz de nos ajudar – melhor do que outras considerações, válidas mas secundárias – a olhar cada vida como um dom gratuito. Proteger todas as vidas e anunciar o Evangelho não são duas coisas separadas nem contrapostas, mas uma reclama e exige a outra. Ambas significam estar atentos e vigilantes relativamente a tudo aquilo que hoje possa impedir, nestas terras, o desenvolvimento integral das pessoas confiadas à luz do Evangelho de Jesus.

Sabemos que a Igreja, no Japão, é pequena, e os católicos são uma minoria; mas isto não deve desmerecer o vosso compromisso com a evangelização, pois, na vossa situação particular, a palavra mais forte e clara que se pode oferecer é a dum testemunho humilde, diário, aberto ao diálogo com as outras tradições religiosas. A hospitalidade e o cuidado prestados aos numerosos trabalhadores estrangeiros, que constituem mais de metade dos católicos do Japão, servem não só como testemunho do Evangelho no meio da sociedade japonesa, mas atestam também a universalidade da Igreja, demonstrando que a nossa união com Cristo é mais forte do que qualquer outro vínculo ou identidade e é capaz de atingir e envolver todas as realidades.

Uma Igreja de mártires pode falar com maior liberdade, especialmente quando aborda questões urgentes como a paz e a justiça no nosso mundo. Amanhã, visitarei Nagasaki e Hiroshima, onde rezarei pelas vítimas do catastrófico bombardeamento destas duas cidades e darei voz aos vossos próprios apelos proféticos em prol do desarmamento nuclear. Desejo encontrar aqueles que sofrem ainda as feridas daquele trágico episódio da história humana, bem como as vítimas do «tríplice desastre». O seu prolongado sofrimento é uma advertência eloquente para o nosso dever humano e cristão de ajudar a quantos sofrem no corpo e no espírito e de oferecer a todos a mensagem evangélica de esperança, cura e reconciliação. Lembremo-nos de que o mal não faz acepção de pessoas nem pergunta pela sua filiação; simplesmente irrompe com a sua força destruidora, como aconteceu recentemente com o furação devastador que causou tantas vítimas e danos materiais. Encomendemos à misericórdia do Senhor os que morreram, os seus familiares e todos os que perderam a casa e bens materiais. Não tenhamos medo de realizar sempre, aqui e em todo o mundo, a missão de levantar a voz e defender toda a vida como dom precioso do Senhor.

Por isso vos encorajo nos vossos esforços por garantir que a comunidade católica, no Japão, ofereça um testemunho claro do Evangelho no meio de toda a sociedade. O apostolado educacional da Igreja, muito apreciado, constitui um grande recurso para a evangelização e demonstra o compromisso com as mais amplas correntes intelectuais e culturais; a qualidade da sua contribuição dependerá naturalmente da promoção da sua identidade e missão.

Estamos cientes da existência de vários flagelos que ameaçam a vida de algumas pessoas das vossas comunidades, por várias razões atingidas pela solidão, o desespero e o isolamento. O aumento do número de suicídios nas vossas cidades, bem como o bullying (ijime) e várias formas de consumo estão criando novos tipos de alienação e desorientação espiritual. E como tudo isto atinge especialmente os jovens! Convido-vos a prestar atenção especial a eles e às suas necessidades, procurando criar espaços onde a cultura da eficiência, do rendimento e do sucesso possa abrir-se à cultura dum amor gratuito e altruísta, capaz de oferecer a todos – e não só aos mais prendados – possibilidades duma vida feliz e realizada. Com o seu entusiasmo, as suas ideias e as suas energias, além duma boa formação e um bom acompanhamento, os vossos jovens podem ser uma fonte importante de esperança para os seus coetâneos e dar um testemunho vivo de amor cristão. Uma proposta criativa, inculturada e engenhosa do querigma pode ter um forte reflexo em muitas vidas sedentas de compaixão.

Sei que a messe é tanta, e os operários são poucos. Encorajo-vos a buscar, desenvolver e fazer crescer uma missão capaz de envolver as famílias e promover uma formação capaz de atingir as pessoas onde quer que estejam, tendo sempre em conta a realidade: o ponto de partida para todo o apostolado situa-se no lugar onde se encontram as pessoas, com os seus hábitos e ocupações, não em lugares artificiais. Aí devemos alcançar a alma das cidades, dos lugares de trabalho, das universidades, para acompanhar com o Evangelho da compaixão e da misericórdia os fiéis que nos foram confiados.

De novo obrigado pela oportunidade que me ofereceis de visitar as vossas Igrejas locais e celebrar juntamente com elas. Pedro quer confirmar-vos na fé, mas Pedro vem também para tocar e deixar-se renovar nos passos de tantos mártires testemunhas da fé; rezai ao Senhor para que me dê esta graça.

Peço ao Senhor que vos abençoe e, na pessoa de cada um de vós, abençoe as vossas comunidades.

Muito obrigado!


Domingo, 24 de novembro de 2019

TÓQUIO-NAGASAKI-HIROSHIMA-TÓQUIO

Homenagem aos Santos Mártires

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Estava ansioso pela chegada deste momento. Venho como peregrino para rezar, confirmar e também ser confirmado na fé por estes irmãos, que nos mostram o caminho com o seu testemunho e dedicação. Agradeço-vos as boas-vindas.

Este santuário evoca as imagens e nomes dos cristãos que foram martirizados há muitos anos, a começar de Paulo Miki e seus companheiros em 5 de fevereiro de 1597, e a multidão doutros mártires que consagraram este campo com o seu sofrimento e a sua morte.

Mais que de morte, porém, este santuário fala-nos do triunfo da vida. São João Paulo II viu este lugar não só como o monte dos mártires, mas também como um verdadeiro Monte das Bem-aventuranças, onde podemos captar o testemunho de homens repletos de Espírito Santo, libertos do egoísmo, das comodidades e do orgulho (cf. Gaudete et exsultate, 65). Pois aqui a luz do Evangelho brilhou no amor que triunfou sobre a perseguição e a espada.

Este lugar é, antes de mais nada, um monumento que anuncia a Páscoa, porque proclama que a última palavra – não obstante todas as provas em contrário – não pertence à morte, mas à vida. Não somos chamados à morte, mas a uma Vida em plenitude: assim o anunciaram eles. É verdade que, aqui, há a obscuridade da morte e do martírio, mas anuncia-se também a luz da ressurreição, pois o sangue dos mártires torna-se semente da vida nova que Cristo nos quer dar a todos. O seu testemunho confirma-nos na fé e ajuda-nos a renovar a nossa dedicação e compromisso de viver o discipulado missionário que sabe trabalhar por uma cultura capaz de proteger e defender sempre toda a vida, através do «martírio» do serviço diário e silencioso prestado a todos, especialmente aos mais necessitados.

Venho a este monumento dedicado aos mártires para me encontrar com estes homens e mulheres santos, e quero fazê-lo com a pequenez daquele jovem jesuíta que vinha dos «confins da terra» e encontrou uma fonte profunda de inspiração e renovação na história dos primeiros mártires japoneses. Não esqueçamos o amor do seu sacrifício! Que não fique uma gloriosa relíquia de feitos passados, bem conservada e honrada num museu, mas seja memória e fogo vivo da alma de todo o apostolado nesta terra, capaz de renovar e inflamar incessantemente o zelo evangelizador. Que a Igreja no Japão de hoje, com todas as suas dificuldades e promessas, se sinta chamada a escutar cada dia a mensagem proclamada por São Paulo Miki, do alto da sua cruz, e a partilhar com todos os homens e mulheres a alegria e a beleza do Evangelho que é Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14, 6). Possamos cada dia libertar-nos de todo o peso que nos sobrecarrega e impede de caminhar com humildade, liberdade, ousadia e amor.

Irmãos, neste lugar, unimo-nos também aos cristãos que hoje, em tantas partes do mundo, sofrem e vivem o martírio por causa da fé. Mártires do século XXI, que nos interpelam com o seu testemunho a seguir corajosamente o caminho das Bem-aventuranças. Rezemos por eles e com eles, e ergamos a voz para que a liberdade religiosa seja garantida a todos nos vários cantos do planeta; e ergamos a voz também contra toda a manipulação das religiões «pelas políticas de integralismo e divisão, pelos sistemas de lucro desmesurado e pelas tendências ideológicas odiosas, que manipulam as ações e os destinos dos homens» (Documento sobre a fraternidade humana, Abu Dhabi, 4/II/2019).

A Nossa Senhora, Rainha dos Mártires, a São Paulo Miki e a todos os seus companheiros que, ao longo da história, proclamaram com a vida as maravilhas do Senhor, peçamos que intercedam pela vossa terra e por toda a Igreja a fim de que o seu sacrifício suscite e mantenha viva a alegria da missão.

Santa Missa

«Jesus, lembra-Te de mim, quando estiveres no teu Reino» (Lc 23, 42). No último domingo do Ano Litúrgico, unimos as nossas vozes à do malfeitor que, crucificado com Jesus, O reconheceu e proclamou rei. Lá, no momento menos triunfal e glorioso, no meio dos gritos de zombaria e humilhação, aquele delinquente foi capaz de levantar a voz e fazer a sua profissão de fé. São as últimas palavras que Jesus escuta e, na sua resposta, temos as últimas palavras que Ele pronuncia antes de Se entregar ao Pai: «Em verdade te digo [que] hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23, 43). Por um instante, o passado tortuoso do ladrão parece ganhar um novo significado: acompanhar de perto o suplício do Senhor; e este instante limita-se a corroborar a vida do Senhor: oferecer sempre e por toda a parte a salvação. Calvário, lugar de desatino e injustiça, onde impotência e incompreensão aparecem acompanhadas pela murmuração bisbilhotada e cínica dos zombadores de turno perante a morte do inocente, transforma-se, graças à atitude do bom ladrão, numa palavra de esperança para toda a humanidade. As zombarias gritando «salva-te a ti mesmo», dirigidas ao inocente sofredor, não serão a última palavra; antes, suscitarão a voz daqueles que se deixam tocar o coração, optando pela compaixão como verdadeiro modo de construir a história.

Aqui, hoje, queremos renovar a nossa fé e o nosso compromisso. Como o bom ladrão, conhecemos bem a história dos nossos fracassos, pecados e limitações, mas não queremos que seja isso a determinar ou definir o nosso presente e futuro. Sabemos não serem poucas as vezes em que podemos cair no clima indolente que leva a proferir o grito fácil e cínico «salva-te a ti mesmo», e perder a memória do que significa carregar com o sofrimento de tantos inocentes. Estas terras experimentaram, como poucas, a capacidade destrutiva a que pode chegar o ser humano. Por isso, como o bom ladrão, queremos viver o instante em que se possa erguer as nossas vozes e professar a nossa fé em defesa e ao serviço do Senhor, o Inocente sofredor. Queremos acompanhar o seu suplício, sustentar a sua solidão e abandono, e ouvir mais uma vez que a salvação é a palavra que o Pai deseja oferecer a todos: «Hoje estarás comigo no Paraíso».

Salvação e certeza que testemunharam, corajosamente, com a própria vida São Paulo Miki e seus companheiros, bem como os milhares de mártires que constelam a vossa herança espiritual. Queremos caminhar pela sua senda, queremos seguir os seus passos professando, com coragem, que o amor entregue, sacrificado e celebrado por Cristo na cruz é capaz de vencer todo o tipo de ódio, egoísmo, ultraje ou maledicência; é capaz de vencer todo o pessimismo indolente ou bem-estar narcotizante, que acaba por paralisar qualquer ação e escolha boa. Assim no-lo recordava o Concílio: estão longe da verdade aqueles que, sabendo que não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura, pensam que podemos por isso descuidar os nossos deveres terrenos, sem advertirem que, pela própria fé professada, somos obrigados a realizá-los duma maneira tal que manifestem e façam transparecer a nobreza da vocação a que fomos chamados (cf. Gaudium et spes, 43).

A nossa é fé no Deus dos vivos. Cristo está vivo e atua no meio de nós, guiando-nos a todos para a plenitude da vida. Ele está vivo e quer-nos vivos. Cristo é a nossa esperança (cf. Christus vivit, 1). Pedimo-lo todos os dias: venha a nós o vosso Reino, Senhor. E, ao fazê-lo, queremos também que a nossa vida e as nossas ações se tornem um louvor. Se a nossa missão como discípulos missionários é ser testemunhas e arautos do que virá, ela não nos permite resignar-nos perante o mal e com os males, mas impele-nos a ser fermento do seu Reino onde quer que estejamos: em família, no trabalho, na sociedade; impele-nos a ser uma pequena abertura pela qual o Espírito continua a soprar esperança entre os povos. O Reino dos Céus é a nossa meta comum; uma meta que não pode ser só para amanhã, mas imploramo-la e começamos a vivê-la hoje junto da indiferença que rodeia e silencia tantas vezes os nossos doentes e pessoas com deficiência, os idosos e abandonados, os refugiados e trabalhadores estrangeiros: todos eles são sacramento vivo de Cristo, nosso Rei (cf. Mt 25, 31-46); porque, «se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar» (São João Paulo II, Novo millennio ineunte, 49).

Naquele dia, no Calvário, muitas vozes emudeciam, tantas outras zombavam; só a voz do ladrão soube erguer-se e defender o Inocente sofredor: uma corajosa profissão de fé. Cabe a cada um de nós a decisão de emudecer, zombar ou profetizar. Queridos irmãos, Nagasaki carrega na sua alma uma ferida difícil de curar, sinal do sofrimento inexplicável de tantos inocentes; vítimas atingidas pelas guerras de ontem, mas que sofrem ainda hoje com esta terceira guerra mundial aos pedaços. Levantemos, aqui, as nossas vozes numa oração comum por todos aqueles que hoje estão a sofrer na sua carne este pecado que brada ao céu e para que sejam cada vez mais aqueles que, como o bom ladrão, sejam capazes de não se calar nem zombar, mas de profetizar, com a sua voz, um reino de verdade e vida, de santidade e graça, de justiça, amor e paz (cf. Missal Romano, Prefácio da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo).

Encontro pela paz

«Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: “A paz esteja contigo!”» (Sal 122/121, 8). Deus de misericórdia e Senhor da história, para Vós erguemos os nossos olhos a partir deste lugar, encruzilhada de morte e vida, derrota e renascimento, sofrimento e compaixão.

Aqui, de tantos homens e mulheres, dos seus sonhos e esperanças, no meio dum clarão de relâmpago e fogo, nada mais ficou além de sombra e silêncio. Num instante apenas, tudo foi devorado por um buraco negro de destruição e morte. Daquele abismo de silêncio, ainda hoje continua a ouvir-se forte o grito daqueles que já não estão aqui. Provinham de lugares diversos, tinham nomes diferentes, alguns deles falavam outras línguas. Ficaram todos unidos por um mesmo destino, numa hora tremenda que marcou para sempre não só a história deste país, mas também o rosto da humanidade.

Aqui, faço memória de todas as vítimas e inclino-me perante a força e a dignidade das pessoas que, tendo sobrevivido àqueles primeiros momentos, suportaram nos seus corpos durante muitos anos os sofrimentos mais agudos e, nas suas mentes, os germes da morte que continuaram a consumir a sua energia vital.

Senti o dever de vir a este lugar como peregrino de paz, para me deter em oração, recordando as vítimas inocentes de tanta violência e trazendo no coração também as súplicas e anseios dos homens e mulheres do nosso tempo, especialmente dos jovens, que desejam a paz, trabalham pela paz, sacrificam-se pela paz. Vim a este lugar cheio de memória e futuro, trazendo comigo o grito dos pobres, que são sempre as vítimas mais indefesas do ódio e dos conflitos.

Quereria, humildemente, ser a voz daqueles cuja voz não é escutada e que olham, com preocupação e angústia, as tensões crescentes que permeiam o nosso tempo, as desigualdades inaceitáveis e injustiças que ameaçam a convivência humana, a grave incapacidade de cuidar da nossa casa comum, o contínuo e espasmódico recurso às armas, como se estas pudessem garantir um futuro de paz.

Desejo reiterar, com convicção, que o uso da energia atómica para fins de guerra é, hoje mais do que nunca, um crime não só contra o homem e a sua dignidade, mas também contra toda a possibilidade de futuro na nossa casa comum. O uso da energia atómica para fins de guerra é imoral, como é imoral de igual modo – já o disse há dois anos – a posse das armas atómicas. Seremos julgados por isso. As novas gerações erguer-se-ão como juízes da nossa derrota por havermos falado de paz, mas não a termos realizado com as nossas ações entre os povos da terra. Como podemos falar de paz, enquanto construímos novas e tremendas armas de guerra? Como podemos falar de paz, enquanto justificamos certas ações ilegítimas com discursos de discriminação e ódio?

Estou convencido de que a paz não passa dum «som de palavras», se não se fundar na verdade, se não se construir segundo a justiça, se não se animar e consumar no amor, e se não se realizar na liberdade (cf. São João XXIII, Pacem in terris, 37).

A construção da paz na verdade e na justiça significa reconhecer que «subsistem muitas vezes entre os seres humanos consideráveis diferenças de saber, de virtude, de capacidade inventiva e de recursos materiais» (Ibid., 87), mas isso nunca poderá justificar a pretensão de impor aos outros os próprios interesses particulares. Pelo contrário, tudo isso pode constituir um motivo de maior responsabilidade e respeito. De modo análogo, as comunidades políticas, que podem legitimamente distinguir-se umas das outras em termos de cultura ou desenvolvimento económico, são chamadas a comprometer-se na «obra de comum ascensão dos povos» (Ibid., 88), para o bem de todos.

De fato, se realmente queremos construir uma sociedade mais justa e segura, devemos deixar cair as armas das nossas mãos: «Não se pode amar com armas ofensivas nas mãos» (São Paulo VI, Discurso às Nações Unidas, 4/X/1965, 5). Quando nos rendemos à lógica das armas e afastamos da prática do diálogo, esquecemo-nos tragicamente que as armas, antes mesmo de causar vítimas e ruínas, têm a capacidade de provocar pesadelos, «exigem enormes despesas, detêm os projetos de solidariedade e de útil trabalho, falseiam a psicologia dos povos» (Ibid., 5). Como podemos propor a paz, se usamos continuamente a intimidação bélica nuclear como recurso legítimo para a resolução de conflitos? Que este abismo de sofrimento evoque os limites que jamais se deveriam ultrapassar. A verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada! Além disso, «a paz não é ausência de guerra; (...) nunca se alcança duma vez para sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada» (Conc. Ecum. Vat. II, Gaudium et spes, 78). É fruto da justiça, do desenvolvimento, da solidariedade, da solicitude pela nossa casa comum e da promoção do bem comum, aprendendo com as lições da história.

Recordar, caminhar juntos, proteger: são três imperativos morais que adquirem, precisamente aqui em Hiroshima, um significado ainda mais forte e universal e são capazes de abrir um caminho de paz. Consequentemente não podemos permitir que as atuais e as novas gerações percam a memória do que aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno; uma memória expansiva, capaz de despertar as consciências de todos os homens e mulheres, particularmente de quantos hoje desempenham um papel especial no destino das nações; uma memória viva, que ajude a dizer de geração em geração: nunca mais!

Por isso mesmo, somos chamados a caminhar unidos, com um olhar de compreensão e perdão, abrindo o horizonte à esperança e proporcionando um raio de luz no meio das numerosas nuvens que hoje obscurecem o céu. Abramo-nos à esperança, tornando-nos instrumentos de reconciliação e de paz. Isto será possível sempre, se formos capazes de nos proteger e reconhecer como irmãos num destino comum. O nosso mundo, interligado não só agora pela globalização mas desde sempre por uma terra comum, reclama, mais do que noutros tempos, que sejam suplantados os interesses exclusivos de certos grupos ou setores, a fim de se atingir a grandeza daqueles que lutam co-responsavelmente para garantir um futuro comum.

Numa única súplica, aberta a Deus e a todos os homens e mulheres de boa vontade, em nome de todas as vítimas dos bombardeamentos, das experimentações atómicas e de todos os conflitos, do fundo do coração elevemos juntos um grito: Nunca mais a guerra, nunca mais o fragor das armas, nunca mais tanto sofrimento! Sobrevenha a paz em nossos dias, neste nosso mundo. Ó Deus, Vós no-lo prometestes: «O amor e a fidelidade vão encontrar-se. Vão beijar-se a justiça e paz. Da terra vai brotar a verdade e a justiça descerá do céu» (Sal 85/84, 11-12).

Vinde, Senhor, que anoitece! E onde abundou a destruição, possa hoje superabundar a esperança de que é possível escrever e realizar uma história diferente. Vinde, Senhor, Príncipe da paz, fazei de nós instrumentos e reflexos da vossa paz!

«Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: “A paz esteja contigo!”» (Sal 122/121, 8).


Segunda-feira, 25 de novembro de 2019

TÓQUIO

Encontro com as vítimas do tríplice desastre de 2011

Queridos amigos!

Este encontro convosco é um momento importante na minha visita ao Japão. Agradeço-vos as boas-vindas, com música argentina. De maneira especial, agradeço a Toshiko, Tokuun e Matsuki, que partilharam a sua história conosco. Eles e vós também representais todos aqueles que tanto sofreram por causa do tríplice desastre – o terremoto, o tsunami e o acidente nuclear – que afetou não só as prefeituras de Iwate, Miyagi e Fukushima, mas o Japão inteiro e os seus habitantes. Obrigado por terdes expresso, com as vossas palavras e a vossa presença, a tristeza e a dor sofridas por tantas pessoas, mas também a esperança aberta para um futuro melhor. Ao concluir o seu testemunho, Matsuki convidou-me a unir-me a vós em oração. Façamos um momento de silêncio e deixemos que a nossa primeira palavra seja rezar pelas mais de dezoito mil pessoas que perderam a vida, pelas suas famílias e pelos que ainda estão desaparecidos. Façamos uma oração que nos una e dê a coragem de olhar em frente com esperança.

Agradeçamos também os esforços dos governos locais, organizações e pessoas que trabalham na reconstrução das áreas onde se verificaram as catástrofes e procuram aliviar a situação das mais de cinquenta mil pessoas que foram evacuadas e se encontram atualmente em alojamentos provisórios, sem poder ainda regressar às suas casas.

Agradeço de modo especial a prontidão – como assinalou Toshiko – com que muitas pessoas, não só do Japão mas de todo o mundo, se mobilizaram logo depois das catástrofes, para socorrer as populações atingidas; fizeram-no com a oração e com a assistência material e financeira. Uma ação que não se pode exaurir no tempo desaparecendo após o choque inicial, mas que devemos prolongar e apoiar. Entretanto – lembrou Matsuki – alguns dos que viviam nas áreas afetadas agora sentem-se esquecidos, e parte deles deve fazer frente a problemas contínuos de terras e florestas contaminadas e os efeitos a longo prazo das radiações.

Que este encontro sirva para podermos, juntos, lançar um apelo a todas as pessoas de boa vontade, para que as vítimas destas tragédias continuem a receber a ajuda de que tanto necessitam.

Sem os recursos básicos, como comida, roupas e abrigo, não é possível levar por diante uma vida digna e ter o mínimo necessário para conseguir uma reconstrução; esta, por sua vez, necessita da solidariedade e apoio de toda uma comunidade. Ninguém se «reconstrói» sozinho, ninguém pode começar de novo sozinho. É essencial encontrar uma mão amiga, uma mão irmã, capaz de ajudar a erguer não só a cidade, mas também o olhar e a esperança. Toshiko disse-nos que, apesar de ter perdido a casa no tsunami, está agradecida por poder apreciar o dom da vida e sentir esperança quando vê as pessoas unir-se para se ajudarem entre si. Nestes oito anos após o tríplice desastre, o Japão demonstrou como um povo se pode unir em solidariedade, paciência, perseverança e resistência. O caminho para uma recuperação completa poderá ser ainda longo, mas sempre é possível enquanto contar com a alma deste povo capaz de se mobilizar para prestar mútuo socorro e ajuda. Se não fizeres nada, como disse Toshiko, o resultado será zero, mas se deres um passo, terás avançado um passo. Por isso, convido-vos a avançar um pouco cada dia na construção do futuro, baseado na solidariedade e empenho recíproco, para vós, para vossos filhos e netos, e para as gerações vindouras.

Tokuun perguntou como podemos dar resposta a outros problemas importantes que nos afetam e que não podem, como bem sabeis, ser considerados e tratados isoladamente: guerras, refugiados, alimentação, disparidades económicas e desafios ambientais. É um erro grave pensar que, hoje, se podem enfrentar os problemas de maneira isolada, sem os assumir como parte duma rede mais ampla. Como justamente assinalaste, fazemos parte desta terra, do meio ambiente, já que, em última instância, tudo está interligado. Penso eu que o primeiro passo, além de tomar decisões corajosas e importantes sobre o uso dos recursos naturais e, em particular, sobre as fontes futuras de energia, é trabalhar e caminhar rumo a uma cultura capaz de combater a indiferença. Um dos males que mais nos afeta está na cultura da indiferença. Urge mobilizar-se para ajudar a tomar consciência que, se um membro de nossa família sofre, todos sofremos com ele; porque não se alcança uma interconexão, se não se cultiva a sabedoria da mútua pertença – pertencemo-nos uns aos outros –, a única capaz de assumir os problemas e as soluções de maneira global.

Nesta linha, gostaria de recordar especialmente o acidente nuclear de Daiichi em Fukushima e as suas consequências. Além das preocupações científicas ou médicas, existe ainda um trabalho imenso a fazer para restaurar o tecido da sociedade. Enquanto não se restabelecerem os laços sociais nas comunidades locais e as pessoas não voltarem a ter uma vida segura e estável, não estará completamente solucionado o acidente de Fukushima. Daqui brota a preocupação com o prolongamento do uso da energia nuclear, como justamente apontaram os meus irmãos bispos do Japão, que pediram a abolição das centrais nucleares.

No nosso tempo, há a tentação de fazer do progresso tecnológico a medida do progresso humano. Este «paradigma tecnocrático» de progresso e desenvolvimento molda a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade, levando frequentemente a um reducionismo que afeta todas as áreas da nossa sociedade (cf. Laudato si’, 101-114). Por isso, em momentos como este, é importante fazer uma pausa, parar e refletir sobre quem somos e – talvez de forma mais crítica – quem queremos ser. Que espécie de mundo, que tipo de legado queremos deixar a quantos vierem depois de nós? A sabedoria e a experiência dos idosos, juntamente com o empenho e o entusiasmo dos jovens, podem ajudar a plasmar uma visão diferente, uma visão que ajude a olhar com grande respeito o dom da vida e a solidariedade com os nossos irmãos e irmãs na única, multiétnica e multicultural família humana.

Ao pensar no futuro da nossa casa comum, devemos perceber que não podemos tomar decisões puramente egoístas, pois temos uma grande responsabilidade para com as gerações futuras. Neste sentido, é-nos pedida a opção por um estilo de vida humilde e austera, que tenha em conta as urgências que somos chamados a enfrentar. Toshiko, Tokuun e Matsuki lembraram-nos a necessidade de encontrar um novo caminho para o futuro, um caminho baseado no respeito por toda a pessoa e pelo ambiente natural. Neste caminho, «todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades» (Ibid., 14).

Queridos irmãos, no trabalho contínuo de recuperação e reconstrução depois do tríplice desastre, muitas mãos se devem juntar e muitos corações se devem unir como se fossem um só. Desta forma, as pessoas que sofreram receberão apoio e saberão que não foram esquecidas. Saberão que muitas pessoas compartilham, ativa e eficazmente, o seu sofrimento e continuarão a estender uma mão fraterna para ajudar. Mais uma vez, louvemos e demos graças por todos aqueles que procuraram, com simplicidade, aliviar o peso das vítimas. Que esta compaixão seja o caminho que permita a todos encontrar esperança, estabilidade e segurança para o futuro.

De novo obrigado por terdes estado aqui. Por favor, rezai por mim; e que Deus conceda a todos vós e vossos entes queridos as bênçãos de sabedoria, fortaleza e paz.

Muito obrigado!

Encontro com os jovens


Santa Missa

O Evangelho que ouvimos faz parte do primeiro grande discurso de Jesus; é conhecido como o «Sermão da Montanha» e descreve-nos a beleza do caminho que somos convidados a percorrer. Segundo a Bíblia, a montanha é o lugar onde Deus Se manifesta e dá a conhecer: «sobe ao encontro do Senhor» (Ex 24, 1), disse Deus a Moisés. Uma montanha cujo cimo se alcança, não com a força de vontade nem com o carreirismo, mas apenas com a escuta atenta, paciente e delicada do Mestre no meio das encruzilhadas do caminho. O cimo transforma-se em planura para nos dar uma perspetiva sempre nova de tudo o que nos rodeia, centrada na compaixão do Pai. Em Jesus, encontramos o cimo do que significa ser humano e indica-nos o caminho que nos leva à plenitude capaz de ultrapassar todos os cálculos conhecidos; n’Ele encontramos uma vida nova, onde se experimenta a liberdade de nos sentirmos filhos amados.

Mas estamos cientes de que, ao longo do caminho, esta liberdade filial pode ver-se sufocada e enfraquecida, quando ficamos prisioneiros do círculo vicioso da ansiedade e da competição, ou quando concentramos toda a nossa atenção e as nossas melhores energias na busca obstinada e frenética de produtividade e consumismo como único critério para medir e avaliar as nossas opções ou definir quem somos e quanto valemos. Medida essa, que pouco a pouco nos torna impermeáveis ou insensíveis às coisas importantes, levando o coração a palpitar pelas coisas supérfluas ou efémeras. Como oprime e enreda a alma a ânsia gerada por pensar que tudo pode ser produzido, conquistado e controlado!

Os jovens fizeram-me notar esta manhã (no encontro que tive com eles) que, numa sociedade como o Japão com uma economia altamente desenvolvida, não são poucas as pessoas socialmente isoladas que permanecem à margem, incapazes de entender o significado da vida e da sua própria existência. A casa, a escola e a comunidade, destinadas a ser lugares onde cada um apoia e ajuda os outros, estão a deteriorar-se cada vez mais pela excessiva competição na busca do lucro e da eficiência. Muitas pessoas sentem-se confusas e inquietas, ficam sobrecarregadas pelas demasiadas exigências e preocupações que lhes tiram a paz e o equilíbrio.

Ressoam, como bálsamo reparador, as palavras do Senhor que convidam a não nos inquietarmos, mas a termos confiança. Insiste nisso três vezes: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o dia de amanhã (cf. Mt 6, 25.31.34). Não se trata de nos desinteressarmos do que sucede ao nosso redor nem de nos desleixarmos relativamente às nossas ocupações e responsabilidades diárias; antes pelo contrário, é um desafio a abrirmos as nossas prioridades para um horizonte de sentido mais amplo e, assim, criar espaço para olhar na mesma direção: «Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo» (Mt 6, 33).

O Senhor não nos diz que as necessidades básicas, como alimento e roupa, não sejam importantes; mas convida-nos a repensar as nossas opções diárias para não acabarmos entalados ou fechados na busca do êxito a todo o custo, incluindo a custo da própria vida. As atitudes mundanas que buscam e perseguem apenas o próprio lucro ou benefício neste mundo, e o egoísmo que pretende a felicidade individual, subtil mas realmente conseguem apenas tornar-nos infelizes e escravos, para além de dificultar o desenvolvimento duma sociedade verdadeiramente harmoniosa e humana.

O oposto de um «eu» isolado, fechado e até sufocado só pode ser um «nós» partilhado, celebrado e comunicado (cf. Papa Francisco, Catequese, Audiência Geral de 13/II/2019). Este convite do Senhor lembra-nos que «precisamos de reconhecer alegremente que a nossa realidade é fruto dum dom, e aceitar também a nossa liberdade como graça. Isto é difícil hoje, num mundo que julga possuir algo por si mesmo, fruto da sua própria originalidade e liberdade» (Gaudete et exsultate, 55). Por isso, na primeira Leitura, a Bíblia lembra-nos como o nosso mundo, cheio de vida e beleza, seja antes de tudo um dom maravilhoso do Criador que nos precede: «Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1, 31); beleza e bondade oferecidas para podermos também compartilhá-las e oferecê-las aos outros, não como senhores ou proprietários, mas como participantes dum mesmo sonho criador. «O cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros» (Laudato si’, 70).

Perante isto, como comunidade cristã somos convidados a proteger toda a vida e testemunhar, com sabedoria e coragem, um estilo marcado pela gratuidade e compaixão, pela generosidade e a escuta simples, um estilo capaz de abraçar e receber a vida como se apresenta «com toda a sua fragilidade e pequenez e, muitas vezes, até com todas as suas contradições e insignificâncias» (XXXIV Jornada Mundial da Juventude, Panamá,Vigília, 26/I/2019). Somos convidados a ser comunidade que desenvolva uma pedagogia capaz de acolher «tudo o que não é perfeito, tudo o que não é puro nem destilado, mas lá por isso não menos digno de amor. Por acaso uma pessoa portadora de deficiência, uma pessoa frágil não é digna de amor? (…) Uma pessoa, mesmo que seja estrangeira, tenha errado, se encontre doente ou numa prisão, não é digna de amor? Assim fez Jesus: abraçou o leproso, o cego e o paralítico, abraçou o fariseu e o pecador. Abraçou o ladrão na cruz, abraçou e perdoou até àqueles que O estavam a crucificar» (Ibidem).

O anúncio do Evangelho da Vida impele-nos e exige de nós, como comunidade, que nos tornemos um hospital de campanha preparado para curar as feridas e sempre oferecer um caminho de reconciliação e perdão. Com efeito, para o cristão, a única medida possível com que julgar cada pessoa e situação é a da compaixão do Pai por todos os seus filhos.

Unidos ao Senhor, cooperando e dialogando sempre com todos os homens e mulheres de boa vontade, e também com as pessoas de convicções religiosas diferentes, podemos tornar-nos fermento profético duma sociedade que protege e cuida cada vez mais de toda a vida.

Encontro com as Autoridades e o Corpo Diplomático

Senhor Primeiro-Ministro,
Distintos membros do Governo,
Ilustres membros do Corpo Diplomático,
Senhoras e senhores!

Agradeço ao Primeiro-Ministro as suas amáveis palavras de boas-vindas e saúdo respeitosamente a todos vós, ilustres autoridades e membros do Corpo Diplomático. Todos, cada um no lugar que ocupa, vos dedicais a trabalhar pela paz e o progresso das pessoas desta nobre nação e das nações que representais. Estou muito agradecido ao Imperador Naruhito, que encontrei esta manhã; desejo-lhe tudo de bom e invoco as bênçãos de Deus sobre a Família Imperial e todo o povo japonês no início da nova era que começou.

As relações amistosas entre a Santa Sé e o Japão são muito antigas e estão enraizadas na estima e admiração que os primeiros missionários sentiram por estas terras. É suficiente lembrar estas palavras que o jesuíta Alexandre Valignano escreveu em 1579: «Quem quiser ver aquilo que Nosso Senhor deu ao homem, basta vir ao Japão para o contemplar». Historicamente, houve muitos contatos, missões culturais e diplomáticas que alimentaram este relacionamento e contribuíram para superar momentos de maior tensão e dificuldade. Entretanto tais contatos foram-se estruturando também a nível institucional em benefício de ambas as partes.

Vim para confirmar os católicos japoneses na fé, no seu empenho caritativo a favor dos necessitados e no seu serviço ao país de que se sentem orgulhosamente cidadãos. Como nação, o Japão é particularmente sensível ao sofrimento dos menos afortunados e das pessoas com deficiência. O lema da minha visita é «proteger toda a vida», reconhecendo a sua inviolável dignidade e a importância de manifestar solidariedade e apoio aos nossos irmãos e irmãs que enfrentam qualquer tipo de necessidade. Tive uma experiência comovente disto mesmo ao escutar as histórias das pessoas atingidas pelo tríplice desastre, e fiquei impressionado com as dificuldades por que passaram.

Na senda dos meus antecessores, quero também implorar a Deus e convidar todas as pessoas de boa vontade para que continuem a estimular e favorecer todas as mediações dissuasivas necessárias para que não volte jamais, na história da humanidade, a acontecer a destruição provocada pelas bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki. A história ensina-nos que os conflitos entre povos e nações, mesmo os mais graves, podem encontrar soluções válidas apenas através do diálogo, única arma digna do ser humano e capaz de garantir uma paz duradoura. Estou convencido da necessidade de abordar a questão nuclear a nível multilateral, promovendo um processo político e institucional capaz de criar um consenso e uma ação internacional mais amplos.

Uma cultura de encontro e diálogo, caraterizada por sabedoria, clarividência e amplitude de horizontes, é essencial para construir um mundo mais justo e fraterno. O Japão reconheceu a importância de promover contatos pessoais nos setores da instrução, cultura, desporto e turismo, sabendo que os mesmos podem contribuir notavelmente para a harmonia, a justiça, a solidariedade e a reconciliação, que são o cimento da construção da paz. Um exemplo evidente disto podemos vê-lo no espírito olímpico, que une atletas de todo o mundo numa competição, que não se baseia necessariamente na rivalidade, mas na busca do melhor. Estou certo de que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, que se vão realizar no Japão no próximo ano, servirão de estímulo para fazer crescer um espírito de solidariedade que transcenda as fronteiras nacionais e regionais e procure o bem de toda a nossa família humana.

Nestes dias, pude novamente admirar o precioso património cultural, que o Japão conseguiu desenvolver e preservar ao longo de muitos séculos de história, e os profundos valores religiosos e morais que caraterizam esta cultura antiga. Uma boa relação entre as diferentes religiões é essencial não só para um futuro de paz, mas também para preparar as gerações presentes e futuras para valorizarem os princípios éticos que servem de base para uma sociedade verdadeiramente justa e humana. Como se lê no Documento sobre a Fraternidade Humana, que assinei com o Grande Imã de Al-Azhar em fevereiro passado, a nossa preocupação comum pelo futuro da família humana impele-nos a «adotar a cultura do diálogo como caminho, a colaboração comum como conduta, o conhecimento mútuo como método e critério».

Nenhum visitante do Japão pode deixar de admirar a beleza natural deste país, celebrada ao longo dos séculos pelos seus poetas e artistas e simbolizada sobretudo pela imagem das cerejeiras em flor. No entanto, a delicadeza da flor de cerejeira lembra-nos a fragilidade da nossa casa comum, sujeita não só aos desastres naturais, mas também à ganância, exploração e devastação pela mão do homem. No momento em que a comunidade internacional tem dificuldade em respeitar os seus compromissos para proteger a criação, eis que se levantam os jovens a falar e exigir cada vez mais decisões corajosas. Desafiam-nos a considerar o mundo não como uma possessão a explorar, mas como um precioso legado a transmitir. Da nossa parte, «a eles, devemos respostas verdadeiras, não palavras vazias; fatos, não ilusões» (Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, em 2019).

Nesta linha, uma abordagem integral da proteção da nossa casa comum deve considerar também a ecologia humana. Um compromisso com tal proteção significa enfrentar o fosso crescente entre ricos e pobres num sistema económico global que permite a poucos privilegiados viverem na opulência, enquanto a maioria da população mundial vive na pobreza. Conheço a solicitude pela promoção de vários programas que o governo japonês realiza a este respeito, e encorajo-vos a continuar na formação duma crescente consciência de corresponsabilidade entre as nações. A dignidade humana deve estar no centro de toda a atividade social, económica e política; é necessário promover a solidariedade entre gerações e deve-se, em todos os níveis da vida comunitária, demonstrar preocupação por quantos são esquecidos e excluídos. Penso particularmente nos jovens, que muitas vezes se sentem acabrunhados perante as dificuldades do crescimento, e também nos idosos e nas pessoas abandonadas que sofrem de isolamento. Sabemos que, em última análise, o nível de civilização duma nação ou dum povo não se mede pelo seu poder económico, mas pela atenção que dedica aos necessitados e também pela capacidade de se tornarem fecundos e promotores de vida.

Agora que a minha visita ao Japão está para terminar, expresso uma vez mais a minha gratidão pelo convite que recebi, pela cordial hospitalidade que por todo o lado me reservastes e pela generosidade de todos os que contribuíram para o seu resultado feliz. Com a proposta destes pensamentos, desejo encorajar-vos nos vossos esforços por configurar uma ordem social capaz sempre mais de proteger a vida, sempre mais respeitosa da dignidade e dos direitos dos membros da família humana. Sobre vós e vossas famílias e sobre todos aqueles que servis, invoco a abundância das bênçãos divinas.

Muito obrigado!


Terça-feira, 26 de novembro de 2019

TÓQUIO-ROMA

Visita à Sophia University

Queridos irmãos e irmãs!

Estou muito feliz por estes momentos que posso transcorrer convosco no final da minha Visita, pouco antes de deixar o Japão e regressar a Roma. É o «Adeus».

Minha estada neste país foi breve, mas intensa. Agradeço a Deus e a todo o povo japonês pela oportunidade de visitar este país, que marcou fortemente a vida de São Francisco Xavier e no qual tantos mártires deram testemunho da sua fé cristã. Embora os cristãos sejam uma minoria, sente-se a sua presença. Fui testemunha da estima geral pela Igreja Católica, e espero que este respeito mútuo possa aumentar no futuro. Notei também que, apesar da eficiência e da ordem que a caraterizam, a sociedade japonesa deseja e procura algo mais: um anseio profundo de criar uma sociedade cada vez mais humana, compassiva e misericordiosa.

O estudo e a meditação fazem parte de todas as culturas, sendo a cultura japonesa orgulhosa do seu antigo e rico património a tal respeito. O Japão conseguiu integrar o pensamento e as religiões da Ásia no seu conjunto e criar uma cultura com identidade específica. A Escola Ashikaga, que impressionou imenso São Francisco Xavier, é um exemplo da capacidade que possui a cultura japonesa de absorver e transmitir o conhecimento. Os centros de estudo, meditação e pesquisa continuam a desempenhar um papel importante na cultura atual. Por este motivo, é necessário que mantenham a sua autonomia e liberdade, como penhor dum futuro melhor. Dado que as universidades continuam a ser o lugar principal onde se formam os futuros líderes, é preciso que o conhecimento e a cultura em toda a sua amplitude inspirem todos os aspetos das instituições educacionais, tornando-se cada vez mais inclusivas e capazes de gerar oportunidades e promoção social.

Sophia. Para administrar construtiva e eficientemente os seus recursos, o homem sempre precisou da verdadeira Sophia, da verdadeira Sabedoria. Numa sociedade tão competitiva e tecnologicamente orientada, esta Universidade deveria ser não só um centro de formação intelectual, mas também um local onde se pode ir modelando uma sociedade melhor e um futuro mais esperançoso. E acrescentaria – no espírito da encíclica Laudato si’ – que o amor à natureza, tão típico das culturas asiáticas, aqui se devia expressar numa lúcida e previdente preocupação pela proteção da terra, nossa casa comum; preocupação que pode conjugar-se com a promoção duma nova ciência capaz de questionar e fazer expandir qualquer tentativa reducionista por parte do paradigma tecnocrático (cf. nn. 106-114). Não percamos de vista que «a humanidade autêntica, que convida a uma nova síntese, parece habitar no meio da civilização tecnológica de forma quase imperceptível, como a neblina que filtra por baixo da porta fechada. Será uma promessa permanente que, apesar de tudo, desabrocha como uma obstinada resistência daquilo que é autêntico?» (Ibid., 112).

A Universidade Sophia sempre se distinguiu por uma identidade humanista, cristã e internacional. Desde a sua fundação, a Universidade foi enriquecida pela presença de professores provenientes de vários países, às vezes até de países em conflito entre si. Mas todos estavam unidos pelo desejo de dar o melhor aos jovens do Japão. O mesmo espírito perdura também nas inúmeras formas com que prestais ajuda àqueles que mais precisam, aqui e no estrangeiro. Estou certo de que este aspeto da identidade da vossa Universidade se revigorará cada vez mais, de modo que os grandes progressos tecnológicos atuais possam ser colocados ao serviço duma educação mais humana, mais justa e ecologicamente responsável. A tradição inaciana, na qual se baseia Sophia, deve estimular tanto os professores como os alunos a criarem uma atmosfera que favoreça a reflexão e o discernimento. Nenhum estudante desta Universidade deveria conseguir a formatura sem antes ter aprendido como escolher, responsável e livremente, aquilo que em consciência sabe ser o melhor. Possais em cada situação, mesmo nas mais complexas, interessar-vos pelo que, na vossa conduta, é justo e humano, honesto e responsável, como resolutos defensores dos vulneráveis, e possais ser conhecidos pela integridade que tão necessária é nestes tempos em que as palavras e as ações, frequentemente, são falsas ou enganadoras.

As Preferências Apostólicas Universais que propus à Companhia de Jesus mostram claramente que o acompanhamento dos jovens é uma realidade importante em todo o mundo e que todas as instituições inacianas devem favorecer este acompanhamento. Como demonstra o Sínodo sobre os jovens com os seus documentos, também a Igreja universal olha, com esperança e interesse, para os jovens de todo o mundo. No seu conjunto, a vossa Universidade é chamada a concentrar-se nos jovens, que não só devem ser destinatários duma educação qualificada, mas também participar nessa educação, oferecendo as suas ideias e partilhando a sua visão e esperanças para o futuro. Que a vossa Universidade seja conhecida por este modelo de intercâmbio e pelo enriquecimento e vitalidade que isso gera.

A tradição cristã e humanista da Universidade Sophia está plenamente em linha com outra das Preferências que mencionei: caminhar com os pobres e os marginalizados do nosso mundo. A Universidade, centrada na sua missão, deveria estar sempre aberta à criação dum arquipélago capaz de interligar aquilo que, social e culturalmente, pode ser concebido como separado. Os marginalizados hão de ser envolvidos e introduzidos criativamente no currículo universitário, procurando criar as condições para que isto se traduza na promoção dum estilo educativo capaz de reduzir as fraturas e as distâncias. O estudo universitário de qualidade, em vez de se considerar um privilégio de poucos, seja acompanhado pela consciência de se saberem servidores da justiça e do bem comum; serviço a ser implementado na área que cada um é chamado a desenvolver. Trata-se duma causa que tem a ver com todos nós; a recomendação feita a Paulo por Pedro continua a ser válida ainda hoje: não nos esqueçamos dos pobres (cf. Gal 2, 10).

Queridos jovens, amados professores e todos vós que trabalhais na Universidade Sophia, possam estas reflexões e o nosso encontro de hoje produzir fruto na vossa vida e na vida desta comunidade académica. O Senhor e a sua Igreja contam convosco como protagonistas na missão de buscar, encontrar e difundir a Sabedoria divina e oferecer alegria e esperança à sociedade atual. Por favor, não vos esqueçais também de rezar por mim e por todos os que mais precisam da nossa ajuda.

E agora, preparando-me para deixar o Japão, agradeço a vós e, por vosso intermédio, a todo o povo japonês a amável receção e hospitalidade que me proporcionaram durante esta Visita. Asseguro que vos levo no coração e ter-vos-ei presente nas minhas orações

Muito obrigado!