Uma família que sabe rir de si mesma

A descrição de sua conta de Instagram diz assim: “Somos Lola (1985) e Javi (1983). Temos 8 filhos, mais ou menos. E queremos rir das nossas experiências educativas”. Mas também poderia aparecer o Igor, ou as mil situações e amigos de que Javier nos conta nesta entrevista.

Una familia que saber reírse de sí misma - Instagram
Javier e Lola

Sua vida parece estar cercada de conteúdo audiovisual. Por que você faz vídeos?

Estudei comunicação audiovisual e adoro contar histórias, emocionar as pessoas e, principalmente, fazê-las rir. Se Jesus Cristo tivesse nascido nesta época, talvez fosse um youtuber ou um cineasta, o que acontece é que, em seu tempo, não havia mídia; mas Ele contava histórias (parábolas).

Em sua conta do Instagram, você diz que quer rir das suas experiências educativas. Você poderia dizer quando, onde ou com quem aprendeu a rir de si mesmo? Quando começou sua relação estreita com o senso de humor?

Quando me perguntam isso, sempre respondo que ter senso de humor é ter o humor que corresponde a cada momento. É por isso que não devemos confundir senso de humor com ser engraçado.

Um dia li na internet que o humor é uma expressão artística e estética que expressa inconformidade com um fenômeno externo (seja uma situação, uma pessoa, um pensamento político, uma decisão do outro...). Isso me ajudou a entender que, para fazer paródias e rir de algo, é preciso não estar de acordo com alguma coisa.

Isso também me trazia muita paz porque às vezes eu perguntava a Deus: “Por que sou tão pessimista com algumas coisas ou fico com raiva quando não aceito algo?”, e Deus converteu essa fragilidade de estar em desacordo diante de muitas coisas em uma máquina de churros para ter ideias divertidas. Com o humor, expresso essa discordância e exageramos os problemas dos vídeos até chegar a um nível absurdo.

De onde você tira inspiração para o conteúdo dos seus vídeos?

Da minha própria vida: tenho oito filhos (quatro adolescentes), uma mulher, apertos econômicos, agitação, desordem, tentações, brigas, quedas... só me falta tempo.

Quando foi que você contratou o Igor como teólogo advogado do diabo? De onde veio esse personagem? Ele é seu catequista ideal?

Igor nasceu de um dos piores dias da minha vida como pai. Foi durante a quarentena. Num domingo do Advento, tivemos um super jantar e uma tentativa de comer doces enquanto cantávamos canções natalinas. As crianças não paravam de brigar, de falar besteira, de incomodar... aí eu as mandei para a cama porque não aguentava mais.

No dia seguinte, passei para elas uma maratona de Harry Potter e disse-lhes para não saírem da sala até que todos os filmes terminassem. Saí de casa chorando porque tinha explodido interiormente, minha família me descontrolou, não aguentava mais minha alma e ainda por cima me sentia encurralado porque sabia que minha obrigação era minha família e eu não queria estar com eles.

Fui à ermida do campus da Universidade de Navarra para rezar e ali o Espírito Santo me fez ver que na Última Ceia os apóstolos também estavam “em outra vibe”. No Evangelho de São João há quatro páginas de Jesus falando para eles sobre o que iria acontecer com Ele e Filipe termina dizendo “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta”. Jesus responde suavemente, mas seu comentário foi como “Felipe, o que você está pensando quando eu falo com você?” Se Jesus fosse de Granada, como eu, teria mandado eles plantarem batatas. E teria passado para eles a maratona de Harry Potter e o “não saiam daí”. No entanto, Ele fica e que, como não entenderam nada, o Espírito Santo virá para guiá-los.

Fiquei consolado ao ver a semelhança dessa Ceia com o meu jantar na noite anterior. E eu sabia que isso estava acontecendo com muitos pais durante o confinamento. Escrevi o roteiro e mostrei para minha esposa. Ela gostou. Eu não queria fazer nada humorístico, mas também precisava de um personagem que contrastasse no cenário. Então inventei o Igor (tirado do filme O Jovem Frankenstein).

Este foi o primeiro vídeo, eu não queria lançar porque era muito pessoal. Lola me incentivou e acabou sendo o vídeo com mais visualizações. As pessoas o baixavam e o enviavam por whatsapp. Depois alguns me escreviam dizendo que tinham me visto e, para ser sincero, agradeci a Deus e à minha esposa pelo apoio. Se eu não tivesse postado aquele vídeo, muitas pessoas não teriam encontrado um sentido para a situação que estavam vivendo.

Esta foi a primeira publicação onde religião e Deus aparecem. Igor não é um catequista, é a minha consciência; e, como tal, só faz com que eu questione as coisas.

A família de Javier e Lola... em uma fotografia com humor

Existe algum texto ou ensinamento de São Josemaria que você utiliza, de vez em quando, para se inspirar quando fala de família, educação ou para manter a jovialidade?

As palavras de São Josemaria são dirigidas a todo mundo (cristãos ou não), os seus ensinamentos podem ser aplicados a todas as pessoas. Em nenhum momento falei do Opus Dei, nem há ensinamentos explícitos do seu Fundador, mas considero que a formação que a Obra me deu (tanto cristã como humana) está em cada vídeo.

Você faz sua produção audiovisual junto com sua esposa, Lola. Vocês se consideram uma dupla de educação e riso? Ou melhor, você é seu assistente? Ou é ela a sua ajudante?

Na produção audiovisual geralmente eu mesmo escrevo os roteiros e depois ela me dá a aprovação. Se ela rir, então o vídeo funciona. Ela também propõe temas. E sempre temos que concordar, os dois, sobre as ideias que transmitimos.

Dependendo do assunto, quando gravamos, costumamos trocar de papéis para que cada um interprete a fragilidade do outro. Se alguém é pontual, interpreta o que é impontual; o ordeiro se faz de bagunceiro, o calmo aparenta ser nervoso. Isso é muito engraçado porque depois as pessoas nos dão conselhos e não percebem que é pura ficção.

Assistindo a alguns de seus temas, como a pontualidade, os aniversários de casamento... Existem vídeos de risadas que saíram de alguma raiva ou conflito e serviram como terapia do riso?

Uma porção! Aliás, há um em particular em que falamos do silêncio e procuramos escrevê-lo juntos. A gente se sentava na frente do computador e a Lola não parava de receber mensagens de WhatsApp, levantava-se para fazer alguma coisa, pensava em voz alta, de repente precisava pegar alguma coisa... me deixava nervoso e eu não conseguia me concentrar. Então escrevi o roteiro contando aquela mesma situação que estávamos vivendo. E na atuação tudo saiu muito natural (principalmente a minha chateação, que era quase real).

Mas as ideias geralmente não surgem tanto de conflitos, mas sim de preocupações. E saber que existem pessoas com as mesmas preocupações nos encoraja a pensar nos vídeos.

Dizem que às vezes os filhos dos militares saem como hippies e vice-versa. Como seus filhos lidam com o pequeno “Big Brother” para o qual você os convidou?

É bom ressaltar que estes vídeos não são um “Big Brother”, são uma ficção e o que acontece neles não reflete a realidade que vivemos em minha casa. Mas entendo a metáfora.

Contamos aos filhos sobre a repercussão dos vídeos, as mensagens das pessoas, o bem que fazem e eles aceitam participar de bom grado. No entanto, pedimos sua permissão no caso de haver algo que não gostariam que se fizesse público.

Além disso, dependendo do vídeo, procuro evitar que se juntem muitos ao mesmo tempo, porque não são atores, são crianças, e é uma tortura gravar com muitos ao mesmo tempo.

Já quase não fazemos mais vídeos. Por falta de tempo. Mas estão ali como uma biblioteca, porque os temas são sempre os mesmos. Dá para recorrer a eles. Quando temos uma ideia ou formato, pensamos na maneira mais cômoda de produzi-la.

Com frequência, um de seus temas é o da sobrevivência, a ordem em casa e a distribuição de tarefas... Principalmente quando você fica sozinho diante de uma família numerosa. É um assunto habitual porque você o domina, porque ainda está aprendendo ou porque seus amigos lhe pedem conselhos?

Aprendemos continuamente em casa. Uma família é um laboratório onde você pode experimentar diferentes ferramentas educativas, porque, como o amor, é incondicional: você pode errar como pai e eles sempre vão amá-lo, você pode pedir desculpas e perdoar.

Mais do que me pedir conselhos, converso como os meus amigos. Ajuda a desabafar e ver que os outros também têm filhos com suas qualidades e defeitos. Faz dois dias eu estive com um conhecido que queria que eu fizesse um trabalho para ele. Conversamos por 10 minutos sobre isso e perguntei a ele sobre sua família. Como tem filhos da mesma idade que os meus, acabamos conversando sobre os adolescentes por 40 minutos no portão. Acabamos aprendendo muito um com o outro.

Como professor universitário, você aproveita seus canais de humor para dar algumas aulas? O que você aprende com seus alunos que o ajuda a educar em casa?

Nas minhas aulas, não gosto de fazer propaganda dos vídeos que faço em casa com as crianças. Mas, em todas as aulas, eu falo com os alunos sobre os meus filhos. Não saio de nenhuma aula sem mencioná-los. Acho fundamental fazer o apostolado da família e que eles vejam como é positivo e divertido.

Uma aluna do último ano veio, um dia, me perguntar sobre o futuro profissional. Ela me disse que não sabia como poderia trabalhar no cinema e ter uma família, porque é um mercado onde o ambiente e a exigência não ajudam. Começou a chorar e eu entendi que os alunos precisavam ver que a família é um valor que está acima do trabalho.

O que você vê em sua bola de cristal sobre a família?

Por um lado pessimista, vejo que a família é o alvo do maligno. Cada vez me deparo com mais casamentos e filhos com problemas (inclusive dentro de famílias com valores humanos e cristãos). Na minha própria família vejo atitudes que minha mulher e eu não ensinamos aos nossos filhos, mas o ambiente favorece isso. Porém, sempre me vem à cabeça uma frase (será Igor) de Deus dizendo: “deixe comigo!”.

Mas por outro lado, essas agressões sofridas pela família revelarão o poder de Deus. Porque Ele escreve com linhas tortas. E quanto mais o maligno nos enfraquece, mais ajuda recebemos de Deus.

Que tipo de mensagens surpreendentes chegam até você no Instagram ou no YouTube? O que chama sua atenção?

Certa vez um pai de família escreveu dizendo “Precisava desse vídeo hoje. Muito obrigado”. Essa foi a mensagem mais gratificante de todas as que tínhamos recebido. Você diz “vale a pena o esforço para escrever, gravar, editar e difundir”. Mesmo que apenas uma pessoa o veja.

E uma mensagem engraçada foi de uma senhora que escreveu “Gostaria muito de estar nessa casa para me divertir tanto”, ao que eu respondi: “senhora, sou de Granada e 99% do tempo sou um monstro em casa. Você está vendo somente 1%".