Uma amizade inesperada: Keagan e Trevor

“Cultivamos em nossa amizade um ambiente livre de julgamentos”. Dois amigos da África do Sul, com background muito distintos, contam como se conheceram, o que valorizam um no outro e como convivem com as diferenças.

Ao fundo: Ponte Nelson Mandela (África do Sul)

Keagan Chad e Trevor Mofokeng são alunos de exatas na Universidade Nelson Mandela em Port Elizabeth na África do Sul.

Como vocês se conheceram?

Trevor: Conheci Keagan no campus, depois de uma aula, através de uma amiga em comum.

Keagan: Isso mesmo. Depois de uma aula, me encontrei com a única pessoa da universidade que eu conhecia na época, e ela estava com o Trevor e outras pessoas que agora chamo de amigos. Nos encontramos fora do prédio e conversamos por uns minutos, foi quando falei com o Trevor pela primeira vez.

Trevor: Era um pequeno grupo de umas cinco pessoas. Tivemos um papo leve sobre vários assuntos e num certo momento, lembro que todos trocamos apertos de mãos e dissemos que seríamos amigos, uma promessa aleatória que mantemos até hoje.

O que os faz amigos improváveis?

Keagan: Nossas raças, decididamente nos faz amigos incomuns.

Trevor: Keagan é branco, e eu sou negro. Port Elizabeth é uma parte da África do Sul onde raça não é uma grande questão na vida, mas continua sendo uma questão de fundo no ambiente acadêmico, os alunos tendem a se agruparem de acordo com suas próprias raças ou preferências, e Keagan e eu simplesmente parecemos desafiar isso.

Keagan: Me considero ateu, enquanto Trevor é cristão. Eu, pessoalmente, aprendi muito sobre religião com ele, que também me apresentou algumas práticas religiosas como o jejum.

Vocês frequentemente conversam sobre suas diferenças?

Trevor: Conversamos sobre tudo. Discussões sobre nossas diferenças não é pauta, ela acontece naturalmente durante nossas conversas. Não combinamos de conversar sobre nossas diferenças, e quando isso acontece, duram um pouco e acabam por falta de assunto, ou pelo início de outra conversa.

Keagan: É fácil conversar sobre temas delicados com o Trevor porque ele não se ofende facilmente. Algumas pessoas entenderiam os questionamentos sobre religião que faço a ele como um ataque contra sua fé, mas ele tenta respondê-los logicamente.

Você pode nos contar sobre uma vez que tenha compartilhado suas convicções com o Trevor?

Keagan: Me lembro de uma conversa interessante sobre autodefesa, pecado e vingança. Estávamos almoçando com outros amigos. Concordamos que autodefesa seria aceitável no caso de um ataque, para proteger quem amamos, mas Trevor disse que seria errado buscar vingança no dia seguinte, pois esse tipo de vingança é pecado. Minha resposta foi que minha principal motivação seria vingar a vida de meus amados, porque não devo nada a um poder superior. Trevor explicou as consequências de minhas ações sob a luz do que se referia pecar, a vida após a morte e a ciência por detrás disso. Nunca resolvemos essa diferença porque nossa conversa foi interrompida.

Vocês acham que essa amizade os faz pessoas melhores?

Keagan: Com certeza. Aprendi a interagir com pessoas novas, algo que era muito difícil para mim.

Trevor: E Keagan me ensinou algumas habilidades sociais muito úteis, ampliou meu conhecimento sobre como abordar certos tópicos, e como dar conselhos sobre questões íntimas. Acredito que isso me faz ser um amigo muito melhor.

Interessante. Pode nos dar um exemplo de alguma habilidade que tenha aprendido do Keagan?

Trevor: Por ser um cientista, tenho muitos amigos ateus, incluindo o Keagan. Uma conversa com ele, meio que se tornou meu ponto de referência para outras conversas com amigos ateus ou com pessoas de outras crenças. Estávamos discutindo numa chamada no Discord uma vez, e ele disse que alguns cientistas ou ateus têm dificuldade em acreditar em um poder maior, por que eles temem um ser superior aos humanos. Eles querem ter o controle. Esse insight me ajudou a ter conversas produtivas com outros e a escolher mais cuidadosamente as palavras e evitar ofendê-los.

Vocês claramente respeitam os pontos de vista um dou outro.

Keagan: Sim, respeitamos. Quando conversamos sobre religião, apresento meu ponto de vista e crenças aos quais ele responde com seus conhecimentos. Aprendi muito de religião com ele, mas ainda me mantenho em minha verdade enquanto ateu.

Trevor: Somos muito julgados por outras pessoas, então criamos um tipo de ambiente livre de julgamento em nossa amizade, que me permite estar absolutamente à vontade com ele.

Como?

Trevor: Keagan é um bom ouvidor e uma pessoa com a qual é fácil de abrir-se. Ele tem a mente bem aberta e um coração bom, então as conversas entre nós nunca são pesadas. Podemos falar um com o outro sobre coisas pessoais de modo aberto, algo que muitos jovens não fazem.

Qual conselho dariam para outros jovens que buscam amizades profundas como a que vocês têm?

Keagan: Eu diria que é sempre mais fácil falar a alguém sobre o que te deixa ansioso do que continuar carregando sozinho esse peso sobre seus ombros. Frequentemente conversamos sobre o que nos estressa em nossas vidas, como o trabalho universitário e somos abertos em relação a questões pessoais sobre as quais seria normalmente difícil de se falar. Muitas das conversas nos trazem muito alívio.