A “descoberta” do terraço

Tomasz Lychowski dedica-se à poesia, pintura, crítica cinematográfica, conferências e traduções. Filho de mãe alemã e pai polonês, nasceu a 1934 em Angola. Tinha 7 anos de idade e vivia em Varsóvia quando ele e sua mãe ficaram presos em Pawiak e seu pai foi enviado para Auschwitz.

“À la guerre comme à la guerre”

“When life gives you lemons, make lemonade”

São dois ditos que Tomasz - filho de mãe alemã e pai polonês, nascido na Angola, e que atualmente vive no Rio de Janeiro - acredita descreverem bem a situação em que nós nos encontramos. Tanto nas coisas práticas de cada dia como nas intelectuais e, sobretudo, nas espirituais.

Em 1949 emigrou com os pais para o Brasil. Aqui foi professor de língua inglesa, duas vezes Presidente da Polônia Sociedade Beneficente do Rio de Janeiro, constituiu sua família, abraçou a fé católica e descobriu sua vocação como supernumerário.

Abaixo trazemos seu relato sobre como tem vivido o tempo de isolamento, e quanto pôde aprender durante esses meses.


No cotidiano, aprendemos as melhores técnicas para descascar e cortar abóbora, como proteger as mãos ao lavar a louça, como fazer a limpeza do banheiro e tantas outras coisas que antes eram da esfera “abstrata”.

No intelectual uma boa maneira de aproveitar o tempo é publicar um livro ou, então, obedecer ao neto Lucas, que lhe prescreve enfrentar as mais de 700 páginas de Crime e Castigo e A Montanha Mágica e ainda lhe pede uma resenha desses livros.

Mas os amigos também nos ajudam e, assim, Henryk Siewierski, meu amigo polonês, me incumbiu de atualizar e expandir o meu livro de memórias para tentar uma nova edição na Polônia. Evidentemente, isso terá suas consequências: terei de fazer o mesmo com a versão em português e em inglês.

No campo da espiritualidade, esse tempo tão inusitado parece intensificar o crescer para dentro; a constante preocupação com a família multiplica a oração de petição e tudo isso somado leva a ser mais agradecido a Deus e coloca o passado, o presente e o futuro em nova perspectiva.

a constante preocupação com a família multiplica a oração de petição
e isso leva a ser mais agradecido a Deus

A descoberta do terraço no nosso prédio resulta, por sua vez, numa liberdade dentro desse confinamento de meses. Lá posso caminhar, meditar e rezar o terço, tendo o céu azul e a brisa do mar por companhia. Lá, também, tivemos o nosso encontro de Natal. Com “distanciamento social”, com máscaras e com muito carinho. Pedimos, então, a São José que nos conduzisse em segurança para o Egito e de volta à Nazaré.

Ainda nesse terraço, posso alcançar espiritualmente quatro igrejas que marcaram a minha vida. Ponho-me então a caminho nessa ponte aérea e com a minha mente e com o meu coração faço uma visita ao Santíssimo. Primeiro na igreja Nossa Senhora do Rosário do Leme, pois foi lá que frei Antonino, um dominicano, me preparou para o batismo, eu então com 26 anos de idade. Mais à esquerda, está a igreja de Santa Terezinha do Túnel Novo. Depois da visita ao Santíssimo, dirijo-me ao batistério e lá rememoro emocionado aquele grande dia. Já no Flamengo, está a igrejinha polonesa. Foi lá que, ouvindo um sermão, veio a convicção: quero ser batizado. Lá, ainda, conheci Christina, casei e também lá foram batizados os nossos quatro filhos. Essa romaria aérea termina na igreja de São José, no centro da cidade. E foi lá que São José me ajudou a descobrir a beleza da Eucaristia com uma profundidade até então desconhecida.

Como antes desse encontro no terraço eu tinha gravado uma mensagem para a audição de Natal da Rádio Polonesa, falando de rabanada e de cânticos de Natal, tomei coragem e entoei uma cantiga. Essa gravação aconteceu à convite da Rádio Polonesa que queria oferecer aos seus ouvintes relatos de como os poloneses comemoram essa festa ao redor do mundo. Escolheram a Austrália, os Estados Unidos e a mim coube falar do Brasil. Foi uma experiência bastante interessante e geográfica e culturalmente enriquecedora.

Esse encontro de Natal foi o mais estranho e, ao mesmo tempo, o mais especial e luminoso em muitos anos.

Tomasz Lychowski


A história da vida de Tomasz está contada na autobiografia Meu caminho para a Lua. Durante a pandemia publicou mais um livro de poesias (já são contados na casa da dezena) intitulado Brama - O Portão.