Tempo de Natal 2022-2023 com o Papa Francisco

Oferecemos aqui todos os textos do Papa Francisco neste Natal: Homilia da Missa de Galo, Ângelus, Mensagem Urbi et orbi, Santa Maria Mãe de Deus...

NATAL DO SENHOR
24 de dezembro de 2021
Santa Missa de Natal - Homilia

NATAL DO SENHOR
25 de dezembro de 2021
Bênção "Urbi et Orbi" - Discurso

MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS
1° de janeiro de 2023
Santa Missa - Homilia - Ângelus

SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR
6 de janeiro de 2023

Santa Missa - Homilia - Ângelus


SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica Vaticana
Sábado, 24 de dezembro de 2022

Esta noite, que significado tem ainda para as nossas vidas? Transcorridos dois milénios desde o nascimento de Jesus, após tantos Natais comemorados no meio de ornamentações e prendas, depois de tanto consumismo que envolveu o mistério que celebramos, corremos um risco: o de sabermos muitas coisas sobre o Natal, mas esquecermos o seu significado. Como voltar a encontrar o significado do Natal? E sobretudo aonde ir procurá-lo? O Evangelho do nascimento de Jesus parece escrito precisamente para isto: tomar-nos pela mão e levar-nos lá onde Deus quer. Sigamos o Evangelho!

De fato, começa com uma situação parecida com a nossa: todos estavam preocupados e atarefados com um evento importante em desenvolvimento – o grande recenseamento – que exigia muitos preparativos. Neste sentido, o clima de então era semelhante ao que nos envolve, hoje, no Natal. Mas a narração do Evangelho distancia-se daquele cenário mundano. Deixa de lado rapidamente aquela imagem para enquadrar e insistir em outra realidade; detém-se num pequeno objeto, aparentemente insignificante, que menciona três vezes e para o qual convergem os protagonistas da narração: primeiro Maria, que recostou Jesus "numa manjedoura" (Lc 2, 7); depois os anjos, que anunciam aos pastores "um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (2, 12); em seguida os pastores, que encontram «o menino deitado na manjedoura" (2, 16). A manjedoura! Para voltar a encontrar o sentido do Natal, é preciso fixar nela o olhar. E por que é tão importante a manjedoura? Porque é o sinal, não casual, com que Cristo entra em cena no mundo. É o manifesto com que Se apresenta, o modo como Deus nasce na história para fazer renascer a história. Que nos quer dizer então a manjedoura? Quer-nos dizer pelo menos três coisas: proximidade, pobreza e concretismo.

1. Proximidade. A manjedoura serve para deixar o alimento mais próximo da boca e assim consumi-lo mais depressa. Deste modo pode simbolizar um aspecto da humanidade: a voracidade em consumir. Pois, enquanto os animais no estábulo consomem alimento, os homens no mundo, esfomeados de poder e dinheiro, consomem mesmo os seus vizinhos, os seus irmãos. Tantas guerras! Em tantos lugares, ainda hoje, são espezinhadas a dignidade e a liberdade! E as principais vítimas da voracidade humana são sempre os frágeis, os vulneráveis. Também neste Natal, uma humanidade insaciável de dinheiro, insaciável de poder e insaciável de prazer não dá lugar – como sucedeu com Jesus (cf. 2, 7) – aos mais pequenos, a tantos nascituros, pobres, abandonados. Penso sobretudo nas crianças devoradas por guerras, pobreza e injustiça. Mas é precisamente lá que vem Jesus, menino na manjedoura do descarte e da rejeição. N’Ele, menino de Belém, está cada criança. E está o convite a olhar a vida, a política e a história com os olhos das crianças.

Na manjedoura incômoda da rejeição, acomoda-Se Deus: vem para ali, porque nela está o problema da humanidade, a indiferença gerada pela pressa devoradora de possuir e consumir. Cristo nasce lá e, naquela manjedoura, descobrimo-Lo próximo. Vem aonde se devora o alimento para Se fazer nosso alimento. Deus não é um pai que devora os seus filhos, mas o Pai que, em Jesus, nos faz seus filhos e nutre de ternura. Vem tocar-nos o coração, dizendo que a única força que muda o curso da história é o amor. Não permanece distante nem permanece poderoso, mas faz-Se próximo e humilde; Ele, que estava sentado no Céu, deixa-Se recostar numa manjedoura.

A manjedoura do Natal, primeira mensagem de um Deus menino, diz-nos que Ele está conosco, ama-nos, procura-nos.

Irmão, irmã, nesta noite Deus aproxima-Se de ti, porque Se importa contigo. Da manjedoura, como alimento para a tua vida, diz-te: "Se te sentes consumido pelos acontecimentos, se o teu sentimento de culpa e a tua inadequação te devoram, se tens fome de justiça, Eu – o teu Deus – estou contigo. Sei aquilo que tu vives, experimentei-o naquela manjedoura. Conheço as tuas misérias e a tua história. Nasci para te dizer que estou, e sempre estarei, próximo de ti". A manjedoura do Natal, primeira mensagem de um Deus menino, diz-nos que Ele está conosco, ama-nos, procura-nos. Coragem! Não te deixes vencer pelo medo, a resignação, o desânimo. Deus nasce numa manjedoura para te fazer renascer precisamente lá onde pensavas ter tocado o fundo. Não há mal, não há pecado de que Jesus não queira e não possa salvar-te. Natal significa dizer que Deus está próximo: renasça a confiança!

2. Além de proximidade, a manjedoura de Belém fala-nos também de pobreza. Na realidade, à volta de uma manjedoura, não há grande coisa: tojo, qualquer animal e pouco mais. As pessoas hospedavam-se no quentinho dos albergues, não no estábulo frio de uma pensão; mas aqui nasceu Jesus, e a manjedoura lembra-nos que nada mais havia em redor senão quem Lhe queria bem: Maria, José e alguns pastores… todos, pobres, irmanados pelo afeto e a maravilha, não por riquezas e grandes possibilidades. E assim a pobre manjedoura faz emergir as verdadeiras riquezas da vida: não o dinheiro nem o poder, mas as relações e as pessoas.

Somos chamados a ser uma Igreja que adora Jesus pobre, e serve Jesus nos pobres.

E a primeira pessoa, a primeira riqueza é precisamente Jesus. Mas nós… queremos mesmo estar ao seu lado? Aproximamo-nos d’Ele, amamos a sua pobreza? Ou preferimos cingir-nos comodamente aos nossos interesses? Sobretudo visitamo-Lo onde Se encontra, isto é, nas pobres manjedouras do nosso mundo? É lá que Ele está presente. E nós somos chamados a ser uma Igreja que adora Jesus pobre, e serve Jesus nos pobres. Como disse um santo bispo: "A Igreja apoia e abençoa os esforços tendentes a transformar as estruturas de injustiça colocando apenas uma condição: que as transformações sociais, econômicas e políticas redundem em autêntico benefício para os pobres" (O. A. Romero, Mensagem Pastoral para o Novo Ano, 01/I/1980). Certamente não é fácil deixar o tépido calor do mundanismo para abraçar a nua beleza da gruta de Belém, mas lembremo-nos de que, sem os pobres, verdadeiramente não é Natal. Sem eles, festeja-se o Natal, mas não o de Jesus... Irmãos, irmãs, no Natal Deus é pobre: renasça a caridade!

3. Chegamos assim ao último ponto: a manjedoura fala-nos de concretismo. De fato, um bebê numa manjedoura constitui uma cena chocante, até mesmo uma cena dura. Lembra-nos que Deus Se fez verdadeiramente carne. Por isso, a seu respeito, já não bastam teorias, belos pensamentos e devotos sentimentos. Jesus, que nasce pobre, viverá pobre e morrerá pobre, não fez muitos discursos sobre a pobreza, mas viveu-a, em toda a sua profundidade, por nós. Da manjedoura à cruz, o seu amor por nós foi palpável, concreto: do nascimento à morte, o filho do carpinteiro abraçou a aspereza da madeira, a aspereza da nossa existência. Não nos amou com palavras, não nos amou por divertimento!

Deus não quer aparência, mas concretismo.

Por conseguinte não Se contenta com aparências. Não quer apenas bons propósitos, Ele que Se fez carne. Ele que nasceu na manjedoura, procura uma fé concreta, feita de adoração e caridade, não de palavreado e exterioridade. Ele, que Se deixa colocar na manjedoura nu e, nu, O colocarão na cruz, pede-nos verdade, descendo à realidade nua e crua das coisas, abandonando ao pé da manjedoura desculpas, justificações e hipocrisias. Ele, que foi ternamente envolvido em panos por Maria, quer que nos revistamos de amor. Deus não quer aparência, mas concretismo. Não deixemos passar este Natal, irmãos e irmãs, sem fazer algo de bom. Uma vez que é a festa d’Ele, o seu aniversário, ofereçamos-Lhe prendas de que Ele gosta! No Natal, Deus é concreto: em seu nome, façamos renascer um pouco de esperança em quem a perdeu!

Jesus, contemplamo-Vos recostado na manjedoura. Vemo-Vos tão próximo, perto de nós para sempre… Obrigado, Senhor! Vemo-Vos pobre, ensinando-nos que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas nas pessoas, sobretudo nos pobres: desculpai, Senhor, se não Vos reconhecemos e servimos neles. Vemo-Vos concreto, porque concreto é o vosso amor por nós: Jesus, ajudai-nos a dar carne e vida à nossa fé. Amém!


MENSAGEM URBI ET ORBI
DO PAPA FRANCISCO

NATAL 2022

Sábado, 25 de dezembro de 2022

Queridos irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro, feliz Natal!

Que o Senhor Jesus, nascido da Virgem Maria, traga a todos vós o amor de Deus, fonte de confiança e esperança, juntamente com o dom da paz, que os anjos anunciaram aos pastores de Belém: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado" (Lc 2, 14).

Neste dia de festa, voltemos o olhar para Belém. O Senhor vem ao mundo numa gruta e é recostado numa manjedoura para os animais, porque os seus pais não conseguiram encontrar hospedagem, apesar de estar quase na hora de Maria dar à luz. Vem entre nós no silêncio e escuridão da noite, porque o Verbo de Deus não precisa de holofotes nem do clamor das vozes humanas. Ele mesmo é a Palavra que dá sentido à existência. Ele é a luz que ilumina o caminho. "O Verbo era a Luz verdadeira que, ao vir ao mundo – diz o Evangelho –, a todo o homem ilumina" (Jo 1, 9).

Jesus nasce no meio de nós, é Deus conosco. Vem para acompanhar a nossa vida cotidiana, partilhar tudo conosco, alegrias e amarguras, esperanças e inquietações. Vem como menino indefeso. Nasce ao frio, pobre entre os pobres. Carecido de tudo, bate à porta do nosso coração para encontrar calor e abrigo.

Jesus vem para acompanhar a nossa vida cotidiana, partilhar tudo conosco, alegrias e amarguras, esperanças e inquietações.

Como os pastores de Belém, deixemo-nos envolver pela luz e saiamos para ver o sinal que Deus nos deu. Vençamos o torpor do sono espiritual e as falsas imagens da festa que fazem esquecer Quem é o Festejado. Saiamos do tumulto que anestesia o coração induzindo-nos mais a preparar ornamentações e prendas do que a contemplar o Evento: o Filho de Deus nascido para nós.

Irmãos, irmãs, voltemo-nos para Belém, onde ressoa o primeiro choro do Príncipe da paz. Sim, porque Ele mesmo – Jesus – é a nossa paz: aquela paz que o mundo não se pode dar a si mesmo e Deus Pai concedeu-a à humanidade enviando o seu Filho ao mundo. São Leão Magno tem uma frase que, na sua concisão latina, bem resume a mensagem deste dia: "Natalis Domini, Natalis est pacis – o Natal do Senhor é o Natal da paz" (Sermão 26, 5).

Jesus Cristo é também o caminho da paz. Com a sua encarnação, paixão, morte e ressurreição, abriu a passagem de um mundo fechado, oprimido pelas trevas da inimizade e da guerra, para um mundo aberto, livre para viver na fraternidade e na paz. Irmãos e irmãs, sigamos este caminho! Mas, para o podermos fazer, para sermos capazes de seguir os passos de Jesus, devemos despojar-nos dos pesos que nos enredam e bloqueiam.

E quais são esses pesos? Que vem a ser este entulho que nos sobrecarrega? Trata-se das mesmas paixões negativas que impediram o rei Herodes e a sua corte de reconhecer e acolher o nascimento de Jesus, isto é, o apego ao poder e ao dinheiro, o orgulho, a hipocrisia, a mentira. Estes pesos impedem de ir a Belém, excluem da graça do Natal e fecham o acesso ao caminho da paz. Na realidade, é com tristeza que devemos constatar como, enquanto nos é dado o Príncipe da paz, ventos de guerra continuam a soprar, gelados, sobre a humanidade.

Se queremos que seja Natal, o Natal de Jesus e da paz, voltemos o olhar para Belém e fixemo-lo no rosto do Menino que nasceu para nós!

Se queremos que seja Natal, o Natal de Jesus e da paz, voltemos o olhar para Belém e fixemo-lo no rosto do Menino que nasceu para nós! E, naquele rostinho inocente, reconheçamos o das crianças que, em todas as partes do mundo, anseiam pela paz.

O nosso olhar se encha com os rostos dos irmãos e irmãs ucranianos que vivem este Natal na escuridão, ao frio ou longe das suas casas, devido à destruição causada por dez meses de guerra. O Senhor nos torne disponíveis e prontos para gestos concretos de solidariedade a fim de ajudar todos os que sofrem, e ilumine as mentes de quantos têm o poder de fazer calar as armas e pôr termo imediato a esta guerra insensata! Infelizmente, prefere-se ouvir outras razões, ditadas pelas lógicas do mundo. Mas a voz do Menino, quem a escuta?

O nosso tempo vive uma grave carestia de paz também em outras regiões, em outros teatros desta terceira guerra mundial. Pensamos na Síria, ainda martirizada por um conflito que passou para segundo plano, mas não terminou; e pensamos na Terra Santa, onde nos últimos meses aumentaram as violências e os confrontos, com mortos e feridos. Supliquemos ao Senhor para que lá, na terra que O viu nascer, retomem o diálogo e a aposta na confiança mútua entre palestinenses e israelitas. Jesus Menino ampare as comunidades cristãs que vivem em todo o Médio Oriente, para que se possa viver, em cada um daqueles países, a beleza da convivência fraterna entre pessoas que pertencem a crenças diferentes. De modo particular, ajude o Líbano para que possa, finalmente, erguer-se com o apoio da Comunidade Internacional e com a força da fraternidade e da solidariedade. A luz de Cristo ilumine a região do Sahel, onde a convivência pacífica entre povos e tradições é transtornada por confrontos e violências. Encaminhe para uma trégua duradoura no Iémen e para a reconciliação no Myanmar e no Irão, para que cesse completamente o derramamento de sangue. E, no continente americano, inspire as autoridades políticas e todas as pessoas de boa vontade a trabalharem para pacificar as tensões políticas e sociais que afetam vários países; penso de modo particular na população haitiana, que está sofrendo há tanto tempo.

Neste dia, em que sabe bem encontrar-se ao redor da mesa recheada, não desviemos o olhar de Belém – que significa "casa do pão" – e pensemos nas pessoas que padecem fome, sobretudo as crianças, enquanto diariamente se desperdiçam quantidades imensas de alimentos e se gastam tantos recursos em armas. A guerra na Ucrânia agravou ainda mais a situação, deixando populações inteiras em risco de carestia, especialmente no Afeganistão e nos países do Corno de África. Toda a guerra – bem o sabemos – provoca fome e serve-se do próprio alimento como arma, ao impedir a sua distribuição às populações já atribuladas. Neste dia, aprendendo com o Príncipe da paz, empenhemo-nos todos – a começar pelos que têm responsabilidades políticas – para que o alimento seja só instrumento de paz. Enquanto saboreamos a alegria de nos reunirmos com os nossos, pensemos nas famílias mais atribuladas pela vida e naquelas que, neste tempo de crise econômica, atravessam dificuldades por causa do desemprego e carecem do necessário para viver.

Queridos irmãos e irmãs, hoje como há dois mil anos Jesus, a luz verdadeira, vem a um mundo achacado de indiferença – uma feia doença! – que não O acolhe (cf. Jo 1, 11); antes, rejeita-O como acontece a muitos estrangeiros, ou ignora-O como fazemos nós muitas vezes com os pobres. Hoje não nos esqueçamos dos numerosos deslocados e refugiados que batem à nossa porta à procura de conforto, calor e alimento. Não nos esqueçamos dos marginalizados, das pessoas sós, dos órfãos e dos idosos – a sabedoria de um povo – que correm o risco de acabar descartados, dos presos que olhamos apenas sob o prisma dos seus erros e não como seres humanos.

Deixemo-nos comover pelo amor de Deus e sigamos Jesus, que Se despojou da sua glória para nos tornar participantes da sua plenitude.

Irmãos e irmãs, Belém mostra-nos a simplicidade de Deus, que Se revela, não aos sábios e entendidos, mas aos pequeninos, a quantos têm o coração puro e aberto (cf. Mt 11, 25). Como os pastores, vamos também nós sem demora e deixemo-nos maravilhar pelo Evento incrível de Deus que Se faz homem para nossa salvação. Aquele que é fonte de todo o bem faz-Se pobre [1] e pede de esmola a nossa pobre humanidade. Deixemo-nos comover pelo amor de Deus e sigamos Jesus, que Se despojou da sua glória para nos tornar participantes da sua plenitude. [2]

Feliz Natal para todos!


[1] Cf. São Gregório Nazianzeno, Discurso 45.

[2] Cf. ibidem.


SANTA MISSA NA SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica de São Pedro
Domingo, 1° de janeiro de 2023

Santa Mãe de Deus! Era a aclamação jubilosa do Povo santo de Deus, que ressoava pelas ruas de Éfeso no ano quatrocentos e trinta e um, quando os Padres do Concílio proclamaram Maria, Mãe de Deus. Trata-se de um dado essencial da fé, mas sobretudo de uma notícia maravilhosa: Deus tem uma Mãe e, por conseguinte, está ligado para sempre à nossa humanidade, como um filho à mãe, a ponto de a nossa humanidade ser a sua humanidade. É uma verdade tão clamorosa e consoladora que o último Concílio, aqui celebrado, afirmou: "Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado" (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 22). Eis o que fez Deus com o seu nascimento de Maria: mostrou o seu amor concreto pela nossa humanidade, abraçando-a real e plenamente. Irmãos, irmãs, Deus não nos ama só com palavras, mas com fatos; não nos ama lá "do alto", de longe, mas "de perto", precisamente de dentro da nossa carne, porque em Maria o Verbo Se fez carne e, no peito de Cristo, continua a bater um coração de carne, que palpita de amor por cada um de nós!

Santa Mãe de Deus! Muitos livros e grandes tratados se escreveram sobre este título; mas estas palavras entraram no coração do santo Povo de Deus sobretudo com a oração mais familiar e doméstica que acompanha o ritmo dos dias, os momentos mais duros e as esperanças mais ousadas, ou seja, a Ave Maria. De fato, depois de algumas frases tiradas da Palavra de Deus, começa assim a segunda parte desta oração: "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores…". Esta invocação marcou muitas vezes os nossos dias e permitiu que, através de Maria, Deus Se aproximasse das nossas vidas e da nossa história: rezada nas mais diversas línguas, desfiando as contas do terço e nos momentos de necessidade, diante de uma Imagem sacra ou caminhando pela estrada. A esta invocação – Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores –, a Mãe de Deus sempre responde! Escuta os nossos pedidos, abençoa-nos com o seu Filho nos braços, traz-nos a ternura de Deus feito carne; numa palavra, dá-nos esperança. E, no início deste ano, precisamos de esperança, como a terra precisa de chuva. O ano, que se abre sob o signo da Mãe de Deus e nossa, diz-nos que a chave da esperança é Maria, e a antífona da esperança é a invocação Santa Mãe de Deus. E hoje confiamos à nossa Mãe Santíssima o amado Papa emérito Bento XVI para que o acompanhe na sua passagem deste mundo para Deus.

Rezemos à Mãe de modo especial pelos filhos que sofrem e já não têm a força de rezar, por tantos irmãos e irmãs atingidos pela guerra em tantas partes do mundo, que vivem estes dias de festa na escuridão e ao frio, na miséria e no medo, submersos na violência e na indiferença! Por quantos não têm paz, aclamemos Maria, a mulher que trouxe ao mundo o Príncipe da paz (cf. Is 9, 5; Gal 4, 4). N’Ela, Rainha da paz, realiza-se a bênção que ouvimos na primeira Leitura: "O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz" (Nm 6, 26). Pelas mãos de uma Mãe, a paz de Deus quer entrar nas nossas casas, nos nossos corações, no nosso mundo. Mas como fazer para a acolher?

Deixemo-nos aconselhar pelos protagonistas do Evangelho de hoje, os primeiros que viram a Mãe com o Menino: os pastores de Belém. Eram pessoas pobres, talvez até bastante rudes e, naquela noite, estavam de serviço. Foram precisamente eles, não os sábios nem mesmo os poderosos, os primeiros a reconhecer o Deus próximo, o Deus que veio pobre e gosta de estar com os pobres. Dos pastores, o Evangelho começa por destacar dois gestos muito simples, mas que não são sempre fáceis: os pastores foram e viram. Dois gestos: ir e ver.

Em primeiro lugar, ir. O texto diz que os pastores "foram apressadamente" (Lc 2, 16). Não ficaram parados. Era noite, tinham os seus rebanhos para cuidar e estavam certamente cansados: poderiam aguardar a aurora, esperar pelo nascer do sol para ir ver um Menino deitado numa manjedoura. Mas não; foram apressadamente, porque, em presença de coisas importantes, é preciso reagir prontamente, não adiar, pois "a graça do Espírito não tolera a lentidão" (Santo Ambrósio, Comentário sobre São Lucas, 2). E assim encontraram o Messias, o esperado que há séculos muitos procuravam.

Irmãos, irmãs, para acolher Deus e a sua paz, não se pode ficar comodamente parado à espera que as coisas melhorem. É preciso levantar-se, aproveitar as oportunidades da graça, ir, arriscar. É preciso arriscar. Hoje, no início do ano, em vez de ficarmos pensando e esperar que as coisas mudem, será bom interrogar-nos: "Eu, neste ano, aonde quero ir? A quem vou fazer bem?" Muitos, na Igreja e na sociedade, esperam o bem que tu, e só tu, podes proporcionar, o teu serviço. E hoje, face à preguiça que anestesia e à indiferença que paralisa, frente ao risco de nos limitarmos a ficar sentados diante de um ecrã com as mãos no teclado, os pastores desafiam-nos a ir, a comover-nos com o que acontece no mundo, a sujar as mãos na realização do bem, a renunciar a toda uma série de hábitos e comodidades para nos abrirmos às novidades de Deus, que se encontram na humildade do serviço, na coragem de prestar cuidados. Irmãos e irmãs, imitemos os pastores: vamos!

Diz o Evangelho que, tendo chegado, os pastores "encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura" (2, 16). E observa em seguida que, só "depois de [O] terem visto" (2, 17), começaram, cheios de maravilha, a contar aos outros o que lhes tinham dito de Jesus e a glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto (cf. 2, 17-18.20). O ponto de viragem deu-se ao tê-Lo visto. É importante ver, abraçar com o olhar, permanecer ali, como os pastores, diante do Menino nos braços da Mãe. Sem dizer nada, sem perguntar nada, sem fazer nada. Olhar em silêncio, adorar, regalar os olhos com a ternura consoladora de Deus humanado e da sua e nossa Mãe. No início do ano, entre tantas novidades que quereríamos experimentar e as inúmeras coisas que quereríamos fazer, incluamos a de dedicar tempo a ver, ou seja, a abrir os olhos e mantê-los abertos diante daquilo que conta: Deus e os outros. Tenhamos a coragem de nos abrir à maravilha do encontro, que é o estilo de Deus; uma coisa muito diferente da sedução do mundo, que te tranquiliza. A maravilha de Deus, o encontro dá-te paz; o mundo consegue apenas anestesiar-te e pôr-te tranquilo.

Quantas vezes, levados pela pressa, não temos tempo sequer de parar um minuto na companhia do Senhor para ouvir a sua Palavra, rezar, adorar, louvar! E o mesmo acontece em relação aos outros: levados pela pressa ou pelo protagonismo, não temos tempo para escutar a esposa, o marido, para conversar com os filhos, para lhes perguntar como se sentem dentro, e não só como vão os estudos e a saúde. Faz muito bem deter-se a escutar os idosos, o avô e a avó, para ver a profundidade da vida e redescobrir as raízes. Sendo assim, perguntemo-nos se somos capazes de ver quem vive ao nosso lado, quem mora no nosso prédio, quem encontramos diariamente pela estrada. Irmãos e irmãs, imitemos os pastores: aprendamos a ver! A compreender com o coração, vendo. Aprendamos a ver.

Ir e ver. Hoje o Senhor veio para o meio de nós e a Santa Mãe de Deus coloca-O diante dos nossos olhos. Redescubramos, no ímpeto de ir e na maravilha de ver, os segredos para fazer verdadeiramente novo este ano, e vencer o cansaço que te faz instalar ou a paz falsa da sedução.

E agora, irmãos e irmãs, convido-vos todos a olhar para Nossa Senhora. Aclamemo-la três vezes "Santa Mãe de Deus!", como fazia o povo de Éfeso: Santa Mãe de Deus! Santa Mãe de Deus! Santa Mãe de Deus!


SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS

ÂNGELUS

Queridos irmãos e irmãs, bom dia e feliz ano novo!

O início de um novo ano é confiado a Maria Santíssima, que hoje celebramos como Mãe de Deus. Nestas horas, invocamos a sua intercessão em particular pelo Papa Emérito Bento XVI, que ontem de manhã deixou este mundo. Estamos todos unidos, com um só coração e uma só alma, dando graças a Deus pelo dom deste servo fiel do Evangelho e da Igreja. Vimos recentemente na televisão, em "Sua Immagine", toda a atividade e vida do Papa Bento XVI.

Enquanto ainda contemplamos Maria na gruta onde Jesus nasceu, podemos nos perguntar: Em que língua nos fala a Virgem Santa? Como Maria fala? O que podemos aprender com isso para o próximo ano? Podemos dizer: "Nossa Senhora, ensina-nos o que devemos fazer, neste ano..."

De fato, se olharmos para a cena que nos é apresentada na liturgia de hoje, notamos que Maria não fala. Ela acolhe com surpresa o mistério que vive, guarda tudo no seu coração e, sobretudo, cuida do Menino, que, diz o Evangelho, "deitado na manjedoura" (Lc 2, 16). Este verbo "deitar-se" significa colocar com cuidado. E diz-nos que a própria linguagem de Maria é a da maternidade: cuidar do Menino com ternura. Esta é a grandeza de Maria: enquanto os anjos fazem uma festa, os pastores vêm e todos louvam a Deus em voz alta pelo evento que aconteceu, Maria não fala, não entretém os convidados explicando o que aconteceu com ela, não rouba os holofotes – nós gostamos tanto de roubar os holofotes! — pelo contrário, coloca o Menino no centro, cuidando dele com amor. Um poeta escreveu que Maria "também sabia ser solenemente muda, [...] porque não quis perder de vista o seu Deus" (A. Merini, Corpo d'amore. Un incontro con Gesù [Corpo de amor. Um encontro com Jesus], Milão 2001, 114).

Esta é a linguagem típica da maternidade: a ternura do cuidado. De fato, depois de terem carregado no seio durante nove meses o dom de um prodígio misterioso, as mães continuam colocando os seus filhos no centro de toda a atenção: alimentam-nos, seguram-nos nos braços, colocam-nos suavemente no berço. Cuidado: esta é também a linguagem da Mãe de Deus; A linguagem de uma mãe: cuidar.

Irmãos e irmãs, como todas as mães, Maria carrega a vida no seu seio e assim fala-nos do nosso futuro. Mas, ao mesmo tempo, recorda-nos que, se queremos realmente que o novo ano seja bom, se queremos reconstruir a esperança, devemos abandonar as línguas, os gestos e as decisões inspiradas no egoísmo e aprender a linguagem do amor, que é o cuidado. O cuidado é uma nova linguagem, que vai contra as linguagens do egoísmo. Este é o compromisso: cuidar da nossa vida – cada um de nós deve cuidar da nossa própria vida; cuidar do nosso tempo, da nossa alma; cuidar da criação e do ambiente em que vivemos; e, mais ainda, cuidar do próximo, daqueles que o Senhor colocou ao nosso lado, assim como dos irmãos e irmãs que estão em necessidade e desafiam a nossa atenção e a nossa compaixão. Olhando para Nossa Senhora e para o Menino, enquanto cuidamos do Menino, aprendemos a cuidar dos outros, e também de nós mesmos, cuidando da saúde interior, da vida espiritual, da caridade.

Ao celebrarmos hoje o Dia Mundial da Paz, recuperemos a consciência da responsabilidade que nos foi confiada de construir o futuro: diante das crises pessoais e sociais que vivemos, diante da tragédia da guerra, "somos chamados a enfrentar os desafios do nosso mundo com responsabilidade e compaixão" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz LVI, 5). E podemos fazê-lo se cuidarmos uns dos outros e se, todos juntos, cuidarmos da nossa casa comum.

Imploremos a Maria Santíssima, Mãe de Deus, para que nesta época, contaminada pela desconfiança e pela indiferença, nos torne capazes de compaixão e de cuidado — capazes de compaixão e de cuidado — capazes de "mover-se e parar diante do outro quantas vezes forem necessárias" (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 169).

Depois do Ângelus

A todos vós aqui presentes e a todos aqueles que acompanham os meios de comunicação social, estendo os meus melhores parabéns pelo novo ano. Exprimo a minha sincera gratidão ao Presidente da República Italiana, o Exmo. Sr. Sergio Mattarella, invocando a prosperidade para o povo italiano; com os mesmos parabéns também para o Presidente do Governo.

Neste dia, que São Paulo VI quis dedicar à oração e à reflexão pela paz no mundo, sentimos ainda mais forte, intolerável, o contraste da guerra, que na Ucrânia e noutras regiões semeia morte e destruição. No entanto, não perdemos a esperança, porque temos fé em Deus, que em Jesus Cristo abriu o caminho para a paz. A experiência da pandemia ensina-nos que ninguém pode ser salvo sozinho, mas que juntos podemos percorrer caminhos de paz e desenvolvimento.

Em todo o mundo, em todos os povos, levanta-se o grito: não à guerra! Não ao rearmamento! Que os recursos sejam alocados para o desenvolvimento: saúde, alimentação, educação, trabalho. Entre as inúmeras iniciativas promovidas pelas comunidades cristãs, recordo a Marcha Nacional que teve lugar ontem em Altamura, depois das quatro caravanas que levaram a solidariedade à Ucrânia. Saúdo e agradeço aos numerosos amigos da Comunidade de Sant'Egidio, que vieram também este ano para testemunhar o seu compromisso pela "paz em todas as terras", aqui e em muitas cidades do mundo. Obrigado, queridos irmãos e irmãs de Sant'Egidio!

Saúdo as duas bandas da Virgínia e do Alabama, nos Estados Unidos da América — depois queremos ouvir de vós! — saúdo os jovens do Movimento Regnum Christi — obrigado! Eles se fazem ouvir! — de vários países da América e da Europa; assim como aos meninos e famílias da Comunidade do Cenáculo, com uma bênção para Madre Elvira e para todas as comunidades.

Desejo a todos um feliz domingo e um feliz ano novo. Não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até breve.


SANTA MISSA DA SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica de São Pedro
Sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Como uma estrela que se levanta (cf. Nm 24, 17), Jesus vem iluminar todos os povos e clarear as noites da humanidade. Com os Magos, erguendo o olhar para o céu, hoje também nós nos perguntamos: “Onde está aquele que acaba de nascer?” (Mt 2, 2). Por outras palavras, qual é o lugar onde podemos procurar e encontrar o Senhor de todos nós?

Pela experiência dos Magos, compreendemos que o primeiro “lugar” onde Ele gosta de ser procurado é a inquietação que se interroga. A aventura fascinante destes sábios do Oriente ensina-nos que a fé não nasce dos nossos méritos nem de raciocínios teóricos, mas é dom de Deus. A sua graça ajuda-nos a despertar da apatia e a dar espaço às perguntas importantes da vida, perguntas que nos fazem sair da presunção de ter tudo em ordem, abrindo-nos para aquilo que nos supera. A primeira coisa que vemos nos Magos é esta: a inquietação de quem se interroga. Habitados por uma profunda nostalgia do infinito, perscrutam o céu e deixam-se maravilhar pelo fulgor de uma estrela, representando assim a tensão para o transcendente que anima o caminho das civilizações e a busca incessante do nosso coração. De fato, aquela estrela deixa no coração deles precisamente uma pergunta: Onde está aquele que acaba de nascer?

Irmãos e irmãs, o caminho da fé tem início quando damos espaço, com a graça de Deus, à inquietude que nos mantém acordados; quando nos deixamos interrogar, quando não nos contentamos com a tranquilidade dos nossos hábitos, mas envolvemo-nos nos desafios de cada dia; quando deixamos de nos manter num espaço neutro e decidimos habitar os espaços incômodos da vida, feitos de relações com os outros, surpresas, imprevistos, projetos a levar por diante, sonhos a realizar, medos a enfrentar, sofrimentos que escavam na carne. Nesses momentos, levantam-se do nosso coração as perguntas irreprimíveis que nos abrem à busca de Deus: Para mim, onde está a felicidade? Onde está a vida plena a que aspiro? Onde está aquele amor que não passa, não conhece ocaso, não se rompe nem mesmo diante de fragilidades, fracassos e traições? Quais são as oportunidades escondidas dentro das minhas crises e tribulações?

Sucede, porém, que o clima que respiramos diariamente oferece “tranquilizantes da alma”, paliativos para a insensibilizar, para insensibilizar a nossa inquietude e apagar tais perguntas. Desde os produtos do consumismo até às seduções do prazer, desde os debates elevados a espetáculo até à idolatria do bem-estar… tudo parece dizer-nos: não pense demais, deixa correr, goza a vida! Muitas vezes procuramos guardar o coração no cofre da comodidade – sim, guardar o coração no cofre da comodidade – mas, se os Magos tivessem feito assim, nunca teriam encontrado o Senhor. Insensibilizar o coração, insensibilizar a alma para pôr termo à inquietação: este é o perigo. Com efeito, Deus habita nas nossas perguntas inquietas; com elas, “procuramo-Lo como a noite procura a aurora (...). Ele está no silêncio que nos turba diante da morte e do fim de todas as grandezas humanas; está na necessidade de justiça e amor que trazemos dentro de nós. Ele é o Mistério santo que vem ao encontro da nostalgia do Totalmente Outro, nostalgia de justiça perfeita e consumada, de reconciliação, de paz” (C. M. Martini, Ao Encontro do Senhor Ressuscitado: o âmago do espírito cristão, Cinisello Balsamo 2012, 66). Concluindo, o primeiro lugar é este: a inquietação que se interroga. Não tenhamos medo de entrar nesta inquietude que gera perguntas: são estas precisamente as estradas que nos levam a Jesus.

O segundo lugar onde podemos encontrar o Senhor é o risco do caminho. De fato, os interrogativos, mesmo espirituais, podem induzir à frustração e desolação, se não nos puserem a caminho, se não dirigirem o nosso movimento interior para o rosto de Deus e a beleza da sua Palavra. O peregrinar dos Magos, “o seu peregrinar exterior – disse Bento XVI – era expressão deste estar interiormente a caminho, da peregrinação interior do seu coração” (Homilia na Missa da Epifania, 06/I/2013). Na realidade, os Magos não se detêm a olhar o céu e contemplar a luz da estrela, mas aventuram-se numa viagem arriscada que não prevê, ao partir, estradas seguras nem roteiro definido. Pretendem descobrir quem é o Rei dos Judeus, onde nasceu, onde podem encontrá-Lo. Para isso interpelam Herodes; e este, por sua vez, convoca os sumos sacerdotes e os escribas do povo que esquadrinham as Escrituras. Os Magos estão a caminho: a maior parte dos verbos que descrevem as suas ações são verbos de movimento.

O mesmo vale para a nossa fé: sem um contínuo caminhar e um diálogo constante com o Senhor, sem escuta da Palavra, nem perseverança, aquela não pode crescer. Não basta ter algumas ideias sobre Deus nem qualquer oração que acalma a consciência; é preciso fazer-se discípulo seguindo Jesus e o seu Evangelho, falar de tudo com Ele na oração, procurá-Lo nas situações do dia a dia e no rosto dos irmãos. Desde Abraão que se pôs a caminho para uma terra desconhecida até aos Magos que se movem seguindo a estrela, a fé é um caminho, a fé é uma peregrinação, a fé é uma história de partidas sucessivas. Nunca o esqueçamos: a fé é um caminho, uma peregrinação, uma história de partidas sucessivas. Recordemo-nos disto: a fé não cresce, se permanecer estática; não podemos encerrá-la em qualquer devoçãozinha pessoal, nem fechar dentro das paredes das igrejas, mas é preciso trazê-la para fora, vivê-la em caminho constante rumo a Deus e aos irmãos. Perguntemo-nos hoje: Estou caminhando para o Senhor da vida, para que Se torne o Senhor da minha vida? Jesus, quem sois Vós para mim? Para onde me chamais, que pedis à minha vida? Que opções me convidais a fazer em prol dos outros?

Após a inquietação que se interroga e o risco do caminho, o terceiro lugar onde se pode encontrar o Senhor é a maravilha da adoração. No termo de um longo percurso e uma busca cansativa, os Magos entraram na casa, “viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-No” (Mt 2, 11). Este é o ponto decisivo: as nossas inquietudes, as nossas perguntas, os caminhos espirituais e as práticas da fé devem convergir para a adoração do Senhor. Aí encontram o seu centro fontal, porque tudo nasce daqui, pois é o Senhor que suscita em nós o sentir, o agir e o operar. Tudo nasce e tudo culmina aqui, porque o fim de cada coisa não é alcançar uma meta pessoal e receber glória para si mesmo, mas encontrar Deus e deixar-se abraçar pelo seu amor, que dá fundamento à nossa esperança, liberta-nos do mal, abre-nos ao amor pelos outros, torna-nos pessoas capazes de construir um mundo mais justo e mais fraterno. De nada adianta agitar-nos pastoralmente, se não colocamos Jesus no centro, adorando-O. A maravilha da adoração. Aqui aprendemos a estar diante de Deus, não tanto para pedir ou fazer qualquer coisa, mas apenas para nos determos em silêncio abandonando-nos ao seu amor, para nos deixarmos conquistar e regenerar pela sua misericórdia. De fato, rezamos muitas vezes, pedimos coisas, refletimos... mas habitualmente falta-nos a oração de adoração. Perdemos o sentido de adorar, porque perdemos a inquietação que se interroga e perdemos a coragem de avançar por entre os riscos do caminho. Hoje o Senhor convida-nos a fazer como os Magos: como os Magos, prostremo-nos, rendamo-nos a Deus na maravilha da adoração. Adoremos a Deus e não o nosso eu; adoremos a Deus e não os falsos ídolos que nos seduzem com o fascínio do prestígio e do poder, com o fascínio das falsas notícias; adoremos a Deus para não nos prostrarmos diante das coisas que passam e das lógicas sedutoras, mas vazias, do mal.

Irmãos, irmãs, abramos o coração à inquietude, peçamos a coragem para avançar no caminho e terminemos na adoração. Não tenhamos medo! É o percurso dos Magos; é o percurso de todos os santos da história: acolher as inquietudes, pôr-se a caminho e adorar.

Irmãos, irmãs, não deixemos que se apague em nós a inquietação que se interroga; não interrompamos o nosso caminho cedendo à apatia ou à comodidade; e, encontrando o Senhor, rendamo-nos à maravilha da adoração. Então descobriremos a existência duma luz que ilumina mesmo as noites mais escuras: é Jesus. Ele é a estrela resplandecente da manhã, o sol de justiça, o fulgor misericordioso de Deus, que ama todo o homem nos vários povos da terra.