Maria Eduarda Prates, conhecida como Madu, está morando com sua mãe, sua avó e sua tia, na casa de amigos que gentilmente as abrigaram após a devastadora enchente que assolou o Rio Grande do Sul. A estudante de direito, de São Leopoldo, concedeu uma entrevista para detalhar a situação catastrófica que os gaúchos, como ela e sua família, estão enfrentando.
A Percepção do Perigo
Madu relata que a situação na região da serra estava bastante grave. “Sabíamos que a água poderia atingir nossa região, então, um dia antes da enchente realmente chegar, saímos com nossos animais e ajudamos alguns vizinhos a se deslocarem”, disse ela. No dia seguinte, poucas horas depois, a água já estava nas ruas, entrando nas casas, algo que eles nunca imaginaram que aconteceria.
Já acompanhando as notícias, Madu e sua família conseguiram contato com amigos que possuem uma chácara na região rural da cidade vizinha. “Logo nos acolheram, e ficamos em segurança. Tivemos muita sorte, pois muitos amigos saíram quando a água já havia chegado em suas casas”, explicou Madu.
Madu comentou que, após um evento climático no ano passado, já havia uma expectativa de que algumas situações se repetissem. “No entanto, nada na proporção que está atualmente. Na minha cidade, 80% foi atingida. Pensávamos que a água chegasse e logo saísse, bem longe do que realmente aconteceu”, disse ela.
Lições da tragédia
“Acredito que o Rio Grande do Sul tem uma grande memória de reconstrução, possível pela generosidade das pessoas”, refletiu Madu. Ela acredita que a disposição ao serviço pelo outro é sempre uma iniciativa do coração e que as iniciativas pessoais são sempre mais fecundas, dando resultados realmente significativos.
Desde o início da situação, Madu observou uma mobilização impressionante da população gaúcha e de todo o Brasil. “Muitas doações, voluntários, e espaços abriram as portas para acolher as pessoas. A maioria dos desalojados foi acolhida por outras famílias, assim como no meu caso específico. Essa situação vai se estender por muitos meses, pois além de acolher as necessidades básicas, é preciso dar condições dignas para que tantos possam se reerguer”, destacou ela.
Um Conselho em Meio à Calamidade
Madu compartilhou que, recentemente, leu a bula papal divulgada pelo Papa Francisco, que fala sobre esperança. “Ele diz que a 'esperança cristã não engana, pois está fundada na certeza de que nada pode nos afastar do amor divino'. Essas palavras a marcaram profundamente, explica, pois a esperança é uma necessidade para todo o povo gaúcho. “Saber que sou filha de Deus neste momento enche o coração de esperança, de que Ele sabe por onde nos quer conduzir”, afirmou.
Para Madu, solidariedade é a necessidade de corresponder com grandeza de coração à necessidade alheia. “A reconstrução do Rio Grande do Sul precisa nascer, primeiramente, no coração dos gaúchos, com uma esperança viva e na perseverança de inúmeras iniciativas pessoais que fazem a diferença em nossa região”, concluiu ela.
Vou contar a história do que aconteceu em Canoas, em três de maio. É assim que Ana Júlia começa o seu relato daquelas horas, em que ninguém esperava que a chuva fosse revolucionar as suas vidas para sempre.
“Minha mãe estava preocupada com a possibilidade de enchente, pois ouvira rumores de que isso poderia ocorrer. Todos estavam apreensivos, com informações desencontradas. As estradas que ligam Canoas, que até então gozava de certa tranquilidade, a Porto Alegre, estavam caóticas. Muitos moradores, diante da situação, resolveram abandonar suas casas.
À hora do almoço, meu pai, minha irmã e eu saímos pelos arredores do condomínio à procura de informações. A dúvida de que a água chegaria ou não às nossas casas foi rapidamente resolvida: as ruas perto do condomínio já estavam tomadas pela água e a enchente se aproximava com incrível rapidez por toda a região.
Pessoas evitavam caminhar pelas ruas alagadas e os carros corriam perigo de serem levados pela correnteza. Com medo, os condôminos apressaram-se a deixar o local o quanto antes. A frente do condomínio já sofrera a ação da força da água. Minha mãe, minha irmã e uma amiga, munidas de poucos pertences, conseguiram sair do condomínio de carro.
Tentando “salvar” algo
Meu pai e eu ficamos, como outros moradores, para salvar alguns móveis e animais de estimação. A água continuava a invadir, e os moradores tentavam barrar a entrada de água com sacos de areia. Nessa altura, não dava mais para abandonar o local devido ao nível da água. Os remanescentes, preocupados com a segurança dos moradores e proteção dos bens patrimoniais revezavam-se na portaria cujo portão poderia ser aberto manualmente (sem energia) por prováveis penetras. A preocupação com idosos e crianças crescia à medida que a situação se agravava.
A solução seria o uso de botes que o pessoal logo tentou arrumar. Como eram botes de pescadores, o quesito segurança ficou em segundo plano. Coletes, por exemplo, era um item inexistente.
Uma mãe e uma criança foram as primeiras pessoas a saírem do condomínio. Meu pai e eu sabíamos que não poderíamos continuar no condomínio. Antes de sair, elevamos os móveis e montamos uma mochila. Peguei Bíblia, terço, poucos alimentos, apetrechos do cachorro. Meu pai, o laptop e algumas roupas. Com a água subindo, nós, os moradores refugiamo-nos nos únicos locais secos: o salão de festas e a quadra de esporte.
De posse de uma pequena lanterna, voltei à casa para reabastecer minha mochila. A água já cobria minhas canelas! Com nossos poucos pertences e animais de estimação, aguardávamos ajuda. Instalados nos botes, navegamos por uns quinze minutos até chegar a um local seco onde fomos recebidos por policiais e voluntários atenciosos que nos guiaram até as vans rumo aos abrigos.
Meu pai e eu conseguimos hospedagem em casa de amigos. Minha mãe e minha irmã foram para um abrigo, mas ficaram ilhadas por dois ou três dias. Foram resgatadas de modo um tanto dramático, mas encontramo-nos logo, graças a Deus! O cenário foi, durante alguns dias, digno de filme: sirenes, caminhões do exército, barulho de helicópteros.
No final, apesar de todo o sofrimento, o balanço foi positivo. Encontro emocionado com moradores do nosso bairro na igreja onde fomos à missa. O acolhimento solidário de toda a equipe de resgate, as doações que não paravam de chegar mostraram que Deus está presente onde o amor prevalece!”