“Servir significa crescer e ajudar os outros a crescer”

Isabel Sanchez é a secretária central do Opus Dei e é responsável por mais de 50.000 mulheres em 70 países do mundo. Acaba de publicar “Mujeres brújula en un bosque de retos”. A sua visão do papel da mulher em uma sociedade destaca a integração dos talentos humanos.

Isabel Sánchez no Escritório de Informação do Opus Dei na Espanha. Fotos: Patricio Sánchez-Jáuregui.

Leia a entrevista completa de Álvaro Sánchez León in El Confidencial Digital: “Las mujeres que dan más luz son las que aprenden a integrar al hombre en el proyecto de la nueva sociedad”

Trajetória: Murcia, Almería, Valência e Roma. Destino: um escritório com vista para o mundo na cidade eterna. Originária do Mediterrâneo, com vontade de conquistas pessoais e sociais. Advogada, filósofa e teóloga; corre, salta, escreve poesia, admira grafites e usa Netflix. Impulsiona colégios e refeitórios de caridade, abraços em bairros frios, paz em bairros quentes e corações generosos em bairros ricos. Uma das mulheres mais influentes da Espanha. Há uma década, Isabel Sánchez está no cume do governo mundial do Opus Dei. A sua missão é estimular a audácia de mulheres que acenderam a mesma vela a Deus e ao universo onde habitam. Acaba de publicar em Planeta: “Mulheres-bússola em um bosque de desafios”. Uma proposta de norte para as sociedades pós-pandemia na qual ninguém sobra, nem sequer quem não quiser ler esta entrevista sem tabu.

Isabel Sánchez Serrano, segundo Planeta, é “uma das mulheres mais influentes da Espanha”. Por quê? Porque inspira com seu trabalho 50.000 mulheres dos cinco continentes. Uma multinacional? Mais ou menos. Esta murciana crescida em um povoado de Almería mora em Roma desde 1992 e está há uma década na assessoria central do Opus Dei.

Nascida na Espanha. Globalizada. Dirigente poética. Em forma. Ex-federada de vôlei, na rede, dando jogo aos dois campos: entre o céu e o chão, entre as pessoas e as sociedades, entre o local e o universal, entre a vontade de pisar na lua e a necessidade de construir uma casa sem fronteiras.

Estou contente por conhecer pessoalmente à máxima dirigente das 50.000 mulheres que fazem parte do Opus Dei no mundo.

Sim, somos de carne e osso, como todos os outros: pessoas com feridas, vulnerabilidades, e muitos desejos de transformar o mundo.

Gosto que você seja de Múrcia, nascida pouco depois de maio de 68. Com vontade de revolução.

Sou de Múrcia por acidente. Nasci e estudei lá. Passei, porém, toda a minha infância em Albox, um povoado de Almería. Seja como for, sinto-me da região mediterrânea.

Estudou Direito e a vida a levou a Roma em 1992. Durante mais da metade da vida você teve uma visão dos cinco continentes. Suponho que a ideia de Planeta ao propor-lhe este livro era aproveitar essa experiência acumulada...

Planeta propôs-me expor meu discurso próprio, pessoal, sobre a mulher. Não sei muito bem por quê. Não pediram nunca que falasse da minha experiência pessoal.

Como vê a mulher além das fronteiras materiais ou ideológicas?

Cheia de potencialidade, inovadora, capaz de responder aos desafios da sociedade atual. Se todos a apoiarmos e valorizarmos, vai ajudar-nos a colocar o cuidado das pessoas acima de todos os valores.

“Vejo a mulher cheia de potencialidade e capacidade de responder aos desafios da sociedade atual”

O que o Opus Dei oferece para o mundo feminino? Estou pensando especialmente em quem não sabe muito sobre a Igreja Católica, que a veem apenas à distância ou através de preconceitos e estereótipos.

Para começar, traz a aspiração à santidade no meio de nosso mundo, com exemplos reais “dos santos que estão ao nosso lado” que o Papa Francisco pede. E uma bem-aventurada nos altares: Guadalupe Ortiz de Landázuri, química e pioneira. E estímulo para melhorar o planeta que habitamos. E muita vontade de dialogar com todas as mulheres, embora haja quem pense de modo diferente.

Fale-me dessas mulheres contemporâneas que dão luz, inclusive no que poderíamos chamar de penumbra de um feminismo “de força bruta”.

Creio que dão mais luz as que não declaram guerra, as que aprendem a integrar o homem no projeto da nova sociedade. Essas que pensam em um feminismo de equidade e complementar. Muitas das histórias de Mulheres-bússola em um bosque de desafios são sobre estas mulheres. Não sei exatamente o que cada uma delas pensa sobre o feminismo, mas conheço a realidade de sua vida testada com fatos.

“As mulheres que dão mais luz são as que aprendem a integrar o homem no projeto da nova sociedade”

Há correntes feministas também na Igreja?

Sim, poderíamos chamá-lo assim. É claro que há quem pense que para a mulher brilhar na estrutura da Igreja, deve adquirir poder e inclusive ofuscar a figura do homem. E há mulheres que se esforçam muito para chegar ao lugar onde pensam que devem estar, porque ainda não estamos. E há mulheres que querem melhorar o mundo no qual vivemos, a partir do lugar em que estão e essas constituem a maioria das mulheres cristãs. E claro: comprometendo-nos com nossa sociedade, como nos pede esse nome novo da caridade que é compromisso social.

Existe mesmo um “lobby” para que a mulher seja sacerdote?

Existe, sim. Como diz Francisco, creio que se trata de um ponto de vista muito clerical. Deveríamos talvez reorientar o debate no sentido de conseguir que os leigos – homens e mulheres – estejam nos lugares que, sem querer, os sacerdotes ocuparam.

Em seu livro fala de mulheres que querem romper barreiras. Que barreiras e onde?

Todas as barreiras e no solo cotidiano. Falo das barreiras que encontram as mulheres empresárias que querem atingir o cume de suas aspirações, sem medo da boa ambição de servir de cima e falo também das barreiras familiares, quando se vive de um modo que diminui as mulheres, trancando-as em suas casas, por ter uma visão muito estreita da vida. A pessoa – homem ou mulher – pode dedicar todo o seu empenho trabalhando no lar e cuidando dos seus, e, aí, ter uma visão mundializada, um coração globalizado, mas para isso é preciso preparar-se com leituras, com cultura. Conheci mulheres que trabalharam no sótão de sua casa pela paz, contra as minas de guerra. Falo de romper barreiras que asfixiam as esperanças das mulheres que querem e precisam projetar seu talento sem barreiras, estejam onde estiverem.

A senhora dirige uma multinacional sui generis que está em mais de 70 países. Olhando o panorama universal: é fácil amar o mundo apaixonadamente como propunha São Josemaria, ou isso era algo para antes das pandemias, dos abusos profissionais, do desemprego maciço...?

Amamos mais, às vezes, quem está doente ou ferido. Contemplar o nosso mundo flagelado, com tantas cicatrizes em tantos lugares, talvez nos leve a amá-lo mais, porque queremos fazer tudo o que pudermos para curá-lo. Nós, cristãos, devemos atravessar nossos países, cidades e povoados com a consciência de ser remédio de Deus, e isso traz consigo também uma clara preocupação e responsabilidade social.

O que o Opus Dei faz para melhorar o mundo?

Animar muitas pessoas para que procurem fazê-lo. Formar pessoas para que se envolvam nos problemas do mundo, para que dialoguem com outros, e para que, com esse enfoque audaz e realista, empreendam o que livremente quiseram. Agrada-me especialmente apresentar no livro mulheres como Véronique, que estudou Medicina em Paris, e que decidiu trabalhar na Índia e tornar-se indiana, porque percebeu que lá era mais necessário lutar com fatos para que a vida fosse valorizada. Trata-se de uma das centenas de exemplo de pessoas do Opus Dei que deram tudo de si: carreira, nacionalidade... E, é claro que a chamam “louca” em todos os lugares... Esse tipo de loucura é a que o Opus Dei incentiva, tanto em quem dá o melhor de si em lugares distantes, como em quem permanece onde está, orientando-se pela lógica do serviço a todos.

“Não tem sentido não aplaudir a maternidade e a paternidade. Esta sociedade deve aprender a abrir espaço à maternidade no mundo do trabalho e isso não merece apenas aplausos, mas medidas”.

Como diretora de uma Instituição universal aprendeu algo que sirva a todos para governar melhor, em igualdade de condições, entrando de verdade no século em que vivemos?

A inclusão, sobretudo. Todos nós estamos muito ligados a nossas pátrias, e trabalhar com pessoas de países diferentes e ver o bem que fazem, de modos tão diversos, em lugares tão diferentes, mundializa a visão e ajuda a acolher sem fronteiras. Faço um pequeno spoiller: uma das mulheres que me acompanha na trama do livro é CK, uma jovem fotógrafa cujo olhar me inspira. Até o fim do livro eu não quis dizer que se trata de uma moça com síndrome de Down para que os leitores descubram a sua humanidade e riqueza e entendam que neste mundo não há ninguém descartável. Graças a ela pude encontrar ângulos muito interessantes para desenvolver estas páginas.

Algumas mulheres do Opus Dei ou de outras instituições da Igreja são criticadas por ter uma família grande. Uma delas conta que lhe perguntam com frequência: “são todos seus? E do mesmo pai?” e olham-na como se fosse uma extraterrestre. Embora eu imagine que haverá mulheres do Opus Dei que tenham dois filhos, ou até nenhum, diante do desafio desta crise demográfica pela qual estamos passando, terá sentido não aplaudir a maternidade?

Faz todo sentido comemorar a maternidade e a paternidade, porque também há um pai de todos esses filhos. A nossa sociedade precisa aprender a criar espaço para a maternidade no mundo do trabalho, a reconhecer como é maravilhoso decidir cuidar dos filhos no lar, o homem ou a mulher, aquele dos dois que o decidir, porque os filhos necessitam dos nossos cuidados em algum momento da vida. Isso não merece apenas aplausos, mas também providências. É preciso fazer algo. Conto no livro a história de Tiziana Bernardi, que foi CEO do banco BPM, na Itália, e lutou para que as funcionárias e os funcionários pudessem dizer com orgulho: “vou ser mãe!”, “vou ser pai!”.

Que desafios a sua bússola indica para converter a sociedade em um mundo de pontes, e qual é o papel das mulheres nessa tarefa?

Minha bússola me leva em direção a uma sociedade do cuidado. Comento no livro que estamos em uma encruzilhada: ou era do cuidado, ou era do descarte. Não haverá meio termo. Ou optamos por máquinas perfeitas que levem o mundo adiante com o transumanismo e os seus sonhos, ou contamos com as pessoas, frágeis, vulneráveis, com feridas, mas humanas, capazes de construir o mundo à medida das pessoas. A mulher continuará contribuindo muito nesse caminho, porque sabe o que vale, e está há séculos distribuindo esse patrimônio. Mas é preciso que todos reconheçamos dignidade ao cuidado e o revalorizemos, caso contrário vão parecer uma carga excessivamente pesada, apesar do grande valor que têm.

“Estamos diante de uma encruzilhada: ou era dos cuidados ou era dos descartes. Não haverá meio termo”

Fale de uma mulher do Opus Dei, pioneira no mundo.

Vou falar de Guadalupe Ortiz de Landázuri, pioneira neste mundo e pioneira no outro, porque chegou aos altares. Um dos motivos pelos quais decidi escrever este livro foi destinar parte de seus ganhos a bolsas de estudo em seu nome, que promovam mulheres africanas para poderem desenvolver a sua carreira científica na Europa e depois se dedicarem a melhorar a vida de suas compatriotas. Em dez anos, mais de cem jovens deste continente beneficiar-se-ão disso como uma ação de graças social pela beatificação da primeira mulher do Opus Dei. Penso que ela gostaria muito deste projeto, porque, além de ter sido uma das primeiras cientistas da Espanha, passou a vida toda trabalhando pela promoção da mulher aqui, na América e na Itália.

Fale-me de uma mulher do Opus Dei que não fecha as contas no fim do mês e dá a vida para propor-se a santidade.

Encontrei esse perfil de mulheres em muitos lugares do mundo, também na Espanha. Veem-me à cabeça umas camponesas do México que conheci lá. Dedicam-se à sua granja, e não é que não consigam fechar o mês, acabam o dia a duras penas! Não sabem se amanhã terão com que viver, mas vivem com um entusiasmo transbordante, porque têm consciência de ser filhas de Deus. Trata-se de mulheres que carregam sofrimento às costas e, mesmo assim, aceitam-no com uma visão sobrenatural maravilhosa.

“Perdoar é um exercício muito saudável que humanizaria muito rapidamente qualquer sociedade, porque cada ato de perdão transforma-se em uma grande luz”

Essas mulheres são empoderadas ?

Em certo sentido sim: sabem bem o quanto valem e sabem igualmente que a sua vida influi na de muitas pessoas, para melhor. Entre outras coisas, são conscientes de que parte da sua missão na terra também é perdoar. Perdoar é um exercício muito saudável que humanizaria muito rapidamente qualquer sociedade, porque cada ato de perdão transforma-se em uma grande luz.

Embora seja a mulher, em grande porcentagem de casos, quem tem que perdoar...

Seria maravilhoso levarmos o homem a essa atitude... Perdoar não significa ceder às injustiças, que fique bem claro. No livro, conto que eu mesma tive que ser testemunha em um julgamento contra o marido de uma amiga que sofreu uma grande injustiça familiar. Quem tiver a possibilidade de apoiar com fatos a pessoas maltratadas, que não olhe para o outro lado. Isso, porém, é compatível com perdoar por dentro, porque sofrer uma injustiça não quer dizer que se tenha que continuar vivendo com rancor.


Fale-me de uma mulher do Opus Dei que rompe os moldes de certa opinião pública.

Conheci políticas italianas que aparecem em partidos inesperados... e muitas pessoas diferentes. Uma organização com milhares de pessoas pode ter um estereótipo na opinião pública, mas será sempre irreal. A variedade é uma riqueza humana de qualquer grande organização e de todas as instituições da Igreja.

Fale-me dessas mulheres do Opus Dei que trabalham na administração das casas onde moram alguns de seus membros.

São mulheres que encontraram no cuidado um horizonte profissional brilhante. Elas estão na vanguarda de sua profissão e se dedicam a cuidar de sua própria casa e de sua família, que é o Opus Dei. Além disso, o profissionalismo e a paixão com que executam a sua tarefa são modelo para todos nós: ensinam como mostrar em coisas concretas, em detalhes, a primazia da pessoa sobre os objetivos, os processos e as coisas. Trata-se de algo que podemos transpor a todos os tipos de trabalho. Vendo o seu bom desempenho, aprendemos, através das coisas cotidianas, a respeitar e a valorizar todas as tarefas.

Fale-me das novas gerações de mulheres que saem de colégios e instituições formativas dirigidas por pessoas do Opus Dei.

Espero que sejam mulheres com muita vontade de chegar aonde quiserem, mas para servir a toda a sociedade. Sonho com isso agora porque vi que muitas ex-alunas estão conseguindo isso e até superando esse sonho. Falo, no livro, de uma ex-aluna de um colégio no Quênia que trabalha na casa presidencial sem se deixar levar pelas pressões ambientais da corrupção, ou de pessoas que estudaram em colégios de bairros muito pobres, como Trigales ou El Almendral, no Chile, e que conseguiram uma profissão digna sem perder esta ideia de serviço. Gostaria muito que dos colégios ou instituições educativas onde há pessoas do Opus Dei, saia uma legião de mulheres que lutem pela igualdade profissional entre homens e mulheres, em sociedades justas e queiram construir com as suas próprias mãos um mundo melhor.

Eu sou o que eu sou e quero compartilhar isso. Para mim, ser do Opus Dei é algo muito enriquecedor

Por que o serviço é menosprezado?

Creio que entendemos cada vez melhor o valor do serviço, embora utilizemos outras palavras como “cuidar”, porque talvez o verbo “servir” denote uma certa posição de escravidão ou submissão. Parece-me que pouco a pouco vamos admirando mais uma liderança colaborativa, inclusiva e transformacional, que tem muito de serviço. Servir não é nos anularmos para os outros crescerem, é crescer ao mesmo tempo em que fazemos outros crescerem. Parece-me que não é difícil vender o serviço, bem compreendido como proposta de horizonte vital.

Fale-me do valor da liberdade na organização que a senhora lidera.

O Opus Dei é uma organização cristã e o Deus cristão é o Deus da liberdade que se revela, chama e espera uma resposta. É algo muito grande! Somos responsáveis diante dele. Ele nos deixa completamente livres. Como parte da Igreja, o Opus Dei está impregnado de liberdade. São Josemaria dizia que não podemos ser anônimos diante de Deus, porque somos filhos, somos livres e estamos em casa. A piedade que se fomenta no Opus Dei é a de um filho que anda em sua casa, e isso dá muito liberdade. Experimentamos essa liberdade interior essencial quando estamos com os outros, e procuramos respeitar ao máximo a liberdade dos outros. Não é tarefa fácil. Viver em liberdade, reconquistá-la quando nos desorientamos e conviver com a dos outros é um caminho de aprendizagem que é preciso aprender todos os dias.

“Viver em liberdade, reconquistá-la quando nos desorientamos e conviver com a dos outros é um caminho de aprendizagem que é preciso aprender todos os dias”

Que mulheres contemporâneas a inspiram em seu trabalho e em sua vida?

Muitas mulheres contemporâneas simples, e também algumas políticas mais conhecidas, mas prefiro não as mencionar para não dar a impressão de que escolho um partido, porque quero estar para todas as mulheres do Opus Dei, e cada uma pensa como quer. Em meu trabalho minhas colegas me inspiram bastante.

Aprendo muito de cada uma. No livro falo de Marlies Kücking, porque é mais velha e me acompanhou muito tempo. As que trabalharam com São Josemaria são como uma herança e um legado. Ensinaram-me a realizar a minha profissão com liberdade e em liberdade. As mulheres que gostam de servir e de cuidar são as que mais me inspiram.

Inspira-me a audácia vital de Santa Tereza de Calcutá, ou uma mulher da qual falo nestas páginas, que se chama Tamara Ivanova Chikunova, que está há anos lutando contra a pena de morte e já teve sucesso em oito países. A morte do seu filho de um modo tão injusto não a levou a viver da vingança, mas a trabalhar para que não se cometam mais dessas injustiças. Esse tipo de reações me inspira muito.

Alguma referência made in Spain?

No livro falo de algumas, umas faleceram e outras estão bem vivas. No campo da educação quem me inspirou foi Pilar de Moya, que foi a Camarões começar um colégio para meninas e deixou tudo no caminho para investir no futuro de muitas mulheres da nossa época. Inspira-me ainda Ana López Recalde e sua luta contra a anorexia: além de aprender a ser melhor, compartilha com os outros a sua experiência para o caso de poder ajudar outras pessoas a superar essas tragédias que afetam tantas famílias. No âmbito da ciência, quem me inspira é Natalia López Moratalla, porque tenta conciliar fé e razão ou Marian Rojas empenhada em falar das coisas boas que iluminam uma vida... No fundo, eu gostaria de ser como todas elas.

E homens?

Nadal e Federer inspiram-me muito. Gosto muito dessa amizade entre rivais. Além disso, fui vendo a evolução desde que eram adversários na quadra até irem se conhecendo, se admirando mutuamente, se estudando e chegarem a uma amizade muito peculiar. Penso muitas vezes neles pela capacidade de dialogar e de aprender, inclusive de um rival, e pela tenacidade de ambos para melhorar constantemente.

“Nadal e Federer inspiram-me muito. Os dois demonstraram sua capacidade de dialogar e de aprender inclusive de um rival e sua tenacidade para melhorar constantemente”

Como você explica às pessoas por que muitos de seus apostolados dirigem-se separadamente a mulheres e homens?

O Opus Dei não tem nem cem anos de vida... Na verdade até relativamente pouco tempo atrás, isso não necessitava de explicação, porque muitas atividades formativas na Igreja e na sociedade eram separadas. Agora se requer uma reflexão própria para explicar o carisma que o fundador do Opus Dei recebeu, o seu valor e como podemos fazê-lo brilhar. São Josemaria entendeu que tudo o que fosse formação espiritual e doutrinal na Obra seria dado separadamente, mas isso é uma porcentagem pequena de todas as atividades que a prelazia impulsiona nos cinco continentes. Seja como for, temos o desafio de compreender e explicar isso melhor. Somos uma instituição jovem, em aprendizado, e estamos trabalhando nisso.

O seu livro demonstra que as pessoas do Opus Dei vivem e trabalham concentradas no mundo exterior e não ficam o dia todo pensando nas atividades da Obra. É assim que a mídia entende o Opus Dei?

Talvez não o saibamos mostrar bem e é por isso que escrevi este livro assim: com uma proposta de acolhida aos desafios do mundo de hoje fazendo-os entrar em nossa sala de estar. Os desafios são claros, são palavras grandes (como "paz", "solidariedade" e "sustentabilidade"), mas para escrever sobre eles eu tinha que aterrissar na minha vida particular e privada, e isso me compromete mais com a vida real das pessoas que me rodeiam diariamente. Todos gostamos de falar sobre nós mesmos e sobre o nosso pequeno mundo, e temos que continuar a dialogar com os outros e a trabalhar juntas.

Eu sou o que eu sou e quero compartilhar isso. Para mim, ser do Opus Dei é algo muito enriquecedor

Você percebe um tabu social, pelo menos na Espanha, para dizer “sou católico, apostólico e romano” como se isso fosse a pior coisa que ouvidos progressistas pudessem ouvir?

Percebo preconceitos em todos os lugares... Ao dar entrevistas a diversos meios de comunicação, uma coisa que me disseram frequentemente é: “Por que disse que é do Opus Dei na apresentação do livro? Não tem medo de que as pessoas não o queiram ler?” Não. Eu sou o que eu sou e quero compartilhar isso. Para mim, ser do Opus Dei é algo muito enriquecedor. Cito dez desafios no livro, e não acredito que discordemos em todos eles. Quando o Papa fala de derrubar muros eu penso que os primeiros que temos que abolir são os preconceitos entre nós. Da mesma forma que pode ser tabu dizer “sou cristão”, o contrário também pode ser. Se alguém disser “sou feminista”, pode ser que algumas mulheres cristãs fiquem na defensiva e pensem logo que há muitos temas nos quais não estão de acordo... Dialoguemos mais e julguemos menos!

Por que pessoas que supostamente querem fazer as coisas bem não têm uma boa imagem neste país?

Por exemplo?

O Opus Dei.

Talvez nem sempre consigamos comunicar o bem que as pessoas da Obra fazem. Às vezes por discrição, porque não queremos nos exibir, porque esta atitude de não andar apregoando tudo aos quatro ventos é cristã... Mas penso que estamos num momento no qual é importante mostrar imagens do que fazemos, não para nos gabarmos, mas para que se saiba, para que nos conheçam melhor e para que outros possam colaborar. Podemos fazer isso humildemente, com entusiasmo por integrar os talentos dos outros.

Quando o Papa fala de derrubar muros eu penso que os primeiros que temos que abolir são os preconceitos entre nós. Dialoguemos mais e julguemos menos!

Não escondo que esperava que você, como diretora internacional, fosse um pouco burocrática e distante. E encontrei uma poetisa ... Talvez os diretores em geral não nos ajudem a ver horizontes atraentes em vez de normas e costumes que podem virar inércias.

Gosto muito de falar da fantasia no governo. A liderança inclusiva e colaborativa da mulher, orientada para o crescimento, é compatível com uma liderança inovadora. Tenho a sorte de trabalhar com mulheres que têm uma visão ampla e sabem ir ao concreto. E isso aprendi em meu trabalho na assessoria central do Opus Dei em Roma.

Escreve poesia?

Sim. Gosto muito, sobretudo à noite.

De que estilo?

Tornei-me muito urbana, mas houve uma época em que gostava do estilo essencial de Salinas. Agora é a cotidianidade que me atrai. A fotografia também me fascina. As fotos urbanas me dizem muito, porque o que acontece em nossas ruas estimula a minha sensibilidade.

Bússola internacional: as mulheres do Opus Dei têm peso, por exemplo, na África?

Muito mesmo. Estão liderando na África, de modo especial, iniciativas educativas e de saúde. De qualquer forma vivem em sociedades nas quais a mulher não tem o peso que deveria e procuram conscientizar a sociedade sem provocar revoluções mais violentas.

Há alguma iniciativa social dirigida por mulheres do Opus Dei na Espanha que a atraia especialmente?

Gosto muito do Centro de Cuidados Laguna, em Madri, embora não seja uma iniciativa só de mulheres do Opus Dei. É um exemplo prático do que podem fazer as pessoas da Obra: chegar a um lugar, ver o que é necessário, e apresentar um projeto viável que tenha sucesso em benefício da sociedade. Neste caso, se viu a necessidade de impulsionar uma iniciativa que atenuasse o déficit de cuidados de saúde no final da vida e colocaram todos os meios para melhorar esta carência. Desde o início do seu funcionamento ajudou muitas famílias, também durante esta pandemia!... Além disso, oferece um cuidado integral que visa o paciente, mas que repercute em toda a sua família. Laguna é um lugar onde se ajuda especialmente as pessoas que estão sofrendo no final da vida, oferecendo um pouco de esperança antes que se apague a luz. Tiro o chapéu diante de todos os seus profissionais.

Que influência o Opus Dei procura realmente? Catequese, poder, transformação social, bem-estar, proselitismo, apostolado, conversões em massa, solidariedade, tudo, nada?

O Opus Dei procura transformar as pessoas para que elas queiram aspirar ao máximo no plano divino – chegar a Deus – e em seu compromisso com o mundo no qual vivem amando-o apaixonadamente. Isso, porém, só se pode conseguir se cada um quiser, de verdade, ser melhor. Trata-se de uma grande revolução interior.

Que temas mais lhe interessou destacar com seu livro?

Interessava-me, sobretudo, gritar que o antagonismo ao qual são submetidas questões cruciais não vai levar-nos a lugar nenhum. Se quisermos construir uma sociedade nova é preciso integrar os talentos. Não podemos passar o dia contrapondo homem-mulher, cultura-contracultura, raça contra raça... Não podemos acostumar-nos ao eu contra você, em tudo, porque assim nos destroçaremos pelo caminho e nos distanciaremos cada vez mais.

“Se quisermos construir uma sociedade nova é preciso integrar os talentos. Não podemos passar o dia contrapondo homem-mulher, cultura-contracultura, raça contra raça... Assim nos destroçaremos pelo caminho e nos distanciaremos cada vez mais”

Até que ponto o contato com os meios de comunicação está servindo para melhorar o seu trabalho?

Está me dando muita luz sobre como o Opus Dei é visto como instituição. Por exemplo, um jornalista me disse com assombro que não sabia que havia mulheres na Obra... Claro que sim! E estão aqui desde 1930! Isso me ajudou a ficar alerta: Atenção, mulheres, valentes, em frente, temos que ser notadas, que saibam que este mundo nos importa! Ainda há jornalistas que pensam que no Opus Dei falta liberdade, que somos monolíticos, que todos pensamos o mesmo... Não é assim. Não. A vida real do Opus Dei é bem diferente.

Temos que continuar melhorando a nossa comunicação institucional. Talvez devamos mostrar mais o bem que fazemos, com humildade de reconhecer o mal que cometemos querendo fazer o bem, porque somos uma instituição em fase de aprendizagem e nem tudo dá certo na primeira tentativa, nem sempre acertamos. Podemos, pelo caminho, ferir pessoas ou errar, e devemos ter prontidão para pedir perdão a quem devemos, como fez recentemente o prelado.

O ano começa e muita gente tem à frente o hashtag “depressão pós-férias”. Você, que dirige uma instituição que fala do trabalho bem feito, do entusiasmo profissional, tem algum conselho para elevar o olhar, sobretudo com o que está acontecendo neste ano?

O Opus Dei faz-se de autofalante de uma mensagem genuinamente cristã: as circunstâncias mais comuns constituem um trampolim para chegar a Deus. Concretamente, ensina a converter o trabalho de cada dia, por mais fascinante que seja, não em um ídolo, mas em um aliado de Deus; e por mais entediante que seja, não em uma carga, mas em um caminho de realização pessoal, de ajuda aos outros, de cuidado do planeta e de oferecimento a Deus.

Neste tempo de pandemia, uma coisa que me ajuda é concentrar-me no que é possível e como é possível. Talvez tenhamos que fazer coisas com máscara e distanciamento social, mas podemos fazê-las com paixão! O nosso trabalho é importante, e nós fazemos muito bem com ele. Outra prioridade é cuidar dos que estão ao nosso lado. O coronavirus desacelerou o nosso olhar e nos ajudou a olhar os outros com mais calma. Além do mundo do trabalho, também penso que o covid nos fez ajoelhar-nos diante de Deus ou, pelo menos, desejá-lo um pouco mais, ou procurá-lo de outra forma... Fomentar esse desejo ajudar-nos-á a todos.

Como pensa que esta pandemia está forjando o mundo? Seremos melhores ou estamos condenados a viver da inércia?

Depende de cada um. As pessoas que superaram a adversidade podem inspirar-nos e facilitar o nosso percurso. Foi o que tentei mostrar nas mulheres que apresento em meu livro.

O prelado do Opus Dei leu o seu livro?

Da última vez que soube, estava na página 40. Não sei se se cansou ou se continuou...

Dois espanhóis no topo do governo da Obra... Devemos considerá-la uma marca espanhola?

(Risadas) Não. Somos espanhóis, mas com o mundo todo no coração. O prelado, Mons. Fernando Ocáriz, tem uma mentalidade muita aberta. Faz muitos anos que mora em Roma, e eu também. De Roma estou constantemente em contato com as necessidades de todo o planeta. Estou muito agradecida ao que o meu país me deu, mas o meu olhar foi mundializado.

A senhora está no top ten de pessoas influentes de Albox?

(Risadas). É possível...

E Múrcia?

Não sei. Agora estou indo para lá e vamos ver o que eu encontro.

Muito obrigado pela bússola. Um prazer falar sem tabu.