Roma, 26 de junho de 1975

Relato de D. Julián Herranz sobre a ida ao céu de São Josemaria em 26 de junho de 1975.

Cardeal Herranz com São Josemaria

No dia 26 de junho, regressei do Vaticano para Villa Tevere no horário habitual: pouco antes do meio dia. Assim que cheguei, já me avisaram da Secretaria geral:

-Suba logo. O Padre está morrendo.

Senti um aperto no coração e, rezando, subi rapidamente. Quando cheguei ao segundo andar da Villa Vecchia, dom Álvaro, que nesse momento se encontrava na entrada da porta de seu quarto de trabalho, onde jazia o Padre, me disse:

—Vem, vem, porque tu és também médico.

Entrei imediatamente e encontrei o Padre com batina, estendido no chão, com o rosto sereno, mas sem respirar.

José Luis Soria, sacerdote e médico, estava aplicando a respiração artificial já há algum momento. Fomos nos alternando: uns segundos ele e outros eu. Continuamos praticando-lhe também a massagem cardíaca.

Eu não sabia o que tinha acontecido, ainda que supusesse, como depois me informaram, que o Padre tinha sofrido uma ataque cardíaco. Aceitei a Vontade de Deus, mas pedia-lhe que não o levasse tão cedo. De joelhos como estava, pedi ao Senhor com toda minha alma que aceitasse uma mudança: minha vida pela dele. A minha vale pouco, lhe disse. A dele é necessária a todos: a seus filhos, à Igreja, à humanidade.

E assim estivemos José Luis e eu, durante longo tempo: uma vez e outra, e outra... em silêncio, com lágrimas nos olhos, até que nos demos conta de que era inútil seguir. Todos os sinais clínicos eram de morte. Dom Álvaro e Dom Javier Echevarría, que em todo momento tinham acompanhado e atendido amorosamente ao Padre, comunicaram formalmente a tristíssima notícia aos membros do Conselho Geral que estavam reunidos numa habitação contígua. Também, por telefone, às mulheres da Assessoria Central. Em ambos casos, lhes dando ao mesmo tempo os oportunos conselhos de piedade filial e de governo.

***

Transladamos em seguida o corpo do Padre ao oratório de Santa Maria da Paz. Horas depois, enquanto rezava diante do seu cadáver, revestido com ornamentos sacerdotais, veio à minha mente, entre outras muitas encantadoras lembranças, a confidência que o Padre nos fez num longínquo dia de Natal de 1953, junto ao fogo da chaminé da sala de estar.

Disse-nos que queria escrever um livro sobre o burrico, esse animal bíblico com que tanto gostava de identificar-se, porque tinha dado calor a Jesus em Belém e o tinha levado em triunfo a Jerusalém. Um animal que os homens não costumam estimar, mas que o Padre nos punha como exemplo: de humildade, de fortaleza no trabalho e de fidelidade nessa guerra de paz e de amor que seus filhos do Opus Dei e todos os cristãos estão chamados a propagar no mundo. Se chegasse a ter tempo para escrever esse livro —disse-nos— titulá-lo-ia Vida e ventura de um burrico de roda.

Deus levou-lhe antes de que o pudesse completar. Mas conservam-se bilhetes recolhidos de suas conversas, dos quais alguns, corrigidos de seu punho e letra, comentam as misericórdias do oratório de Pentecostes que ele quis ornamentar com cenas de burricos. Esses textos –recolhidos em Crônica, uma revista interna- são um símbolo de sua vida. Entre outras maravilhas da “teologia do burrico”, lê-se:

«Ao burrico tivesse gostado de chegar ao Natal; aquecer outra vez, com seu alento, ao Menino. Mas esteve de algum modo presente, na branca alegria daquela noite, porque vieram os anjos e fizeram de sua pele pandeiros e cuícas.

A história do burrico termina bem; morre trabalhando. E que o destrocem depois, que o esfolarem e façam tambores para a guerra e cuícas para cantar ao Menino Deus».

Assim morreu o Padre.