Relato de umas férias diferentes

Estudantes universitários e jovens profissionais dedicaram uma parte das suas férias a um trabalho voluntário de atendimento sanitário e reforma de instalações no Município de Amajari, a 224 km de Boa Vista, Estado de Roraima.

Durante uma aula de prevenção bucal

Em agosto do ano passado, estudantes universitários e jovens profissionais que participam das atividades do Opus Dei em diversas cidades do Brasil conversavam sobre o modo de aproveitar melhor as férias. Nesse bate-papo, surgiu a ideia de realizar um trabalho voluntário assistencial. Lembramo-nos de um amigo, major do 7º Batalhão de Infantaria da Selva do Exército, em Boa Vista, Roraima, que havia comentado, tempos atrás, sobre comunidades que viviam em condições muito precárias, próximas à fronteira com a Venezuela.

Ir a Roraima, em plena floresta amazônica, para ajudar uma população carente parecia um sonho, empolgante, mas um pouco distante (3.500 km nos separavam de Boa Vista). No entanto, propusemo-nos a falar com parentes, amigos e conhecidos sobre essa idéia. Qual não foi a nossa surpresa ao ver a boa acolhida das pessoas à nossa proposta, dispondo-se imediatamente a ajudar. Vimos que era possível.

O PROJETO

Ir a Roraima ajudar uma população local ainda era uma idéia muito vaga. O nosso amigo major, após conversar com algumas famílias da região, informou-nos das necessidades mais urgentes e sugeriu atender a Vila do Trairão, no Município de Amajari, que dista 224 km de Boa Vista. Lá, por exemplo, havia mais de um ano que o último médico passara pela comunidade.

Durante uma aula de prevenção bucal

Com uma boa dose de otimismo, definimos algumas tarefas para as áreas mais necessitadas:

- medicina: obter remédios e o instrumental básico para as consultas;

- odontologia: duas cadeiras móveis de dentista e medicação; doações de produtos dentários e material educativo;

- informática: computadores para a escola local (onde estudam mais de 300 alunos e só havia um micro); instalação de internet através de rede wireless ;

- construção civil: conseguir material de construção para a reforma da capela, bem como paramentos e outros objetos litúrgicos.

Faltavam ainda o transporte dessas 3 toneladas de material até a Vila do Trairão e passagens aéreas para 30 pessoas.

Através de e-mails, cada um informava aos outros o que havia obtido na semana: pedíamos milhagens aéreas a professores, remédios a médicos conhecidos, computadores à empresa de um dos voluntários, etc. O próprio Exército Brasileiro e algumas empresas nos ajudaram bastante nesse trabalho.

Rezávamos também a São Josemaria para que nos ajudasse nessa empreitada, já que muitos de nós participamos dos meios de formação dados pelo Opus Dei e queríamos viver o que sempre ele nos ensinou: “A caridade exige que se viva a justiça, a solidariedade, a responsabilidade familiar e social, a pobreza, a alegria (...)." (São Josemaria, Questões Atuais do Cristianismo, n. 62).

A nossa meta era reunir todo o material e conseguir as passagens até o dia 20 de dezembro. No dia 23, circulou o e-mail com a tão esperada mensagem – material obtido: 100%. Agora, era embarcar rumo à Amazônia e trabalhar duro.

O DESEMBARQUE

Entre os dias 1º e 3 de janeiro, 29 pessoas desembarcaram em Boa Vista com destino à Vila do Trairão. Eram quatro horas e meia de viagem de Boa Vista até a vila.

A Capela antes da reforma...

Nessa viagem de ônibus, começávamos a perceber que estávamos diante de um Brasil muito bonito, exuberante, mas ainda desconhecido para nós. Tínhamos pressa em chegar – muito trabalho nos esperava – mas parecia que a estrada não acabava. De certa forma, precisávamos dessa espera, desse tempo de transição, para tomar consciência de que estávamos na Amazônia, em Roraima, no Estado mais isolado do Brasil.

Assim que chegamos à escola da vila – ali seria a nossa casa por uma semana – chegaram dois garotos acompanhando uma criança menor, que estava com febre intensa. Souberam que ali havia médicos e pediam uma consulta. Essa situação inicial foi uma constante até a nossa partida: do café da manhã até o jantar chegavam pessoas, às vezes famílias inteiras, solicitando uma consulta, um remédio, a extração de um dente.

...e a Capela depois da reforma

Desde o início, vinham pedir essa ajuda, mas também nos ofereciam ajuda. O agente de saúde se pôs à disposição para nos auxiliar nas refeições. Pessoas muito simples, às vezes descalças, traziam-nos um peixe, verduras para o almoço, suco de açaí...

Estávamos num Brasil diferente do que conhecíamos – pelo clima, pela flora amazônica, por essa pobreza mais desassistida. Ao mesmo tempo, presenciávamos a mesma cordialidade, a abertura incondicional ao outro, a alegria espontânea. Diversos, porém iguais. Não era apenas a língua que nos unia.

DEDICAÇÃO, SUOR E ALEGRIA

Trabalhamos ao todo seis dias, das 8 às 18 horas. Algumas vezes ultrapassamos bastante esse limite, pois era preciso terminar a tempo a reforma da capela. O empenho de cada equipe na sua especialidade resultou em: 450 consultas médicas; 500 kg de remédios doados; a vida de um bebê (a mãe havia entrado em trabalho de parto prematuro em razão de um acidente e o bebê estava apenas com 5 meses de gestação – com a medicação, conseguiu-se reverter a situação); a cirurgia na mão de uma pessoa acidentada com moto-serra; 160 consultas odontológicas, com 4 procedimentos em média por pessoa; 10 horas de aulas sobre higiene bucal; 500 escovas e cremes dentais doados; 6 computadores instalados em rede na escola; 30 horas de aula de computação à população; reforma da capela (pintura externa e interna, troca do piso interno e externo e do madeiramento do telhado, instalação de ventiladores e manta térmica, troca das portas, instalação da sacristia e do altar).

Houve também atendimento pastoral: o sacerdote que nos acompanhou, professor universitário e Vice-Reitor de um Seminário em São Paulo, celebrou a Santa Missa diariamente para a comunidade e as crianças tiveram aulas de catecismo.

Como medir o resultado? Sinceramente, não sabemos. As necessidades da comunidade da Vila do Trairão são tão vivas e profundas que é difícil quantificar se a nossa ajuda foi grande ou pequena. Não conseguimos realizar tudo o que havíamos previsto. Mas voltamos às nossas cidades com a certeza de que valeu a pena: nossas férias tinham sido úteis, diferentes, muito melhores do que poderíamos ter imaginado naquela tarde de conversa em agosto do ano passado. Havíamos recebido muito mais do que tínhamos dado. Leonardo, estudante do primeiro ano de engenharia, resumiu o que havíamos vivido naqueles dias, ao se encontrar na volta com os pais no aeroporto: “Nunca trabalhei tanto, mas foram as melhores férias da minha vida".

Em tempo: todos agradecemos, juntamente com a comunidade da Vila do Trairão, a tantas pessoas que não foram, mas que, com sua ajuda – sempre generosa, às vezes heróica –, possibilitaram a realização dessa iniciativa.