Como surgiu o primeiro centro do Opus Dei em Estocolmo
Certamente já leu o livro “A Expedição Kon-tiki”, disse Richard Hayward. Narra a história de cinco noruegueses e um sueco que atravessaram o Pacífico numa jangada, uma embarcação parecida com o barco outrora utilizado pelos Incas. Conseguiram passar da costa do Peru para uma ilha na Polinésia para provar que os povoadores da América do Sul poderiam ter chegado até à Ásia no período anterior a Colombo.
Às vezes penso na expedição Kon-tiki quando me lembro dos primeiros passos do Opus Dei na Escandinávia, porque esse começo também foi uma aventura. Já veneramos nos altares os três grandes aventureiros que impulsionaram a travessia: São Josemaria, que nunca pisou estas terras, mas desejava muito fazê-lo; São João Paulo II, que fez uma viagem; e D. Álvaro del Portillo, beatificado em 2014 e que esteve muitas vezes na Escandinávia.
Primeiros passos para a chegada a Estocolmo
Numa carta escrita em 1938 – conta-me Juan Luis Bernaldo, em Estocolmo – São Josemaria enumerava algumas cidades onde o trabalho apostólico do Opus Dei começaria no futuro. Entre elas estava Oslo, capital da Noruega, o que dá testemunho do seu zelo por começar nos países nórdicos logo que possível.
No início de 1980, o seu primeiro sucessor, Álvaro del Portillo, estava conversando com João Paulo II. O Papa comentou que achava especialmente importante recristianizar os países do norte da Europa, onde havia poucos católicos, embora a Igreja ali tivesse sido florescente em séculos passados. D. Álvaro fez suas as intenções do Papa, e no Natal desse ano, escreveu uma carta pedindo-nos que rezássemos por este trabalho futuro.
Imigrantes católicos e a dedicação da Catedral de Estocolmo em 1983
Eu era padre há sete anos e morava na Alemanha quando D. Álvaro nos impulsionou a dar os nossos primeiros passos na Escandinávia e na Finlândia. Em 1982, estabeleceram-se relações diplomáticas entre a Santa Sé e a Suécia pela primeira vez desde a Reforma. No mesmo ano, foi anunciado que em 25 de março de 1983, teria lugar a dedicação da nova catedral de Estocolmo. Devido ao aumento constante do número de imigrantes católicos nos últimos anos, tinha-se tornado necessário ampliá-la.
Já tinha planejado ir a esta cerimônia solene, quando a 20 de março, em Colônia, recebemos uma ligação de D. Álvaro. De Oslo, disse-nos que iria a Helsinque e Estocolmo para assistir à dedicação da catedral. Foi uma agradável surpresa para mim; pude acompanhá-lo neste ato festivo, que foi um marco na história da Igreja Católica na Suécia. Além dos bispos dos países nórdicos, assistiram muitos outros bispos de nações de onde os imigrantes tinham vindo para cá. A cerimônia foi presidida pelo Cardeal Höffner como legado especial do Papa.
Todos devem contar com a bênção do Papa para a Escandinávia
“Foi uma viagem curta”, recordou D. Álvaro no seu regresso a Roma em 29 de março para fazer apré-história da Obra nestes países. Rezamos em muitas igrejas e falamos com muitas pessoas. Relatei-o ao Santo Padre, que me assegurou: 'Diga a todos que podem contar com uma bênção especial do Papa para este trabalho; porque é absolutamente necessário'”.
o que estamos planejando
é inteiramente sobrenatural e sozinhos não podemos fazer nada
Pouco depois, em 1 de abril de 1983, D. Álvaro disse-nos: “Rezem muito por este futuro trabalho do Opus Dei nos cinco países escandinavos, incluindo a Islândia. Gostaria, se possível, de começar este ano na Suécia e na Finlândia. Rezem especialmente por esta intenção. A nossa grande arma é a oração, pois o que estamos planejando é inteiramente sobrenatural e nós sozinhos não podemos fazer nada. O Senhor irá realizar tudo, servindo-se dos Seus instrumentos”.
Pediu-nos para viajarmos da Alemanha a várias cidades na Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia. Visitámos o pároco de Gotemburgo, Rafael Sarachaga, sacerdote com grande afeto ao Opus Dei, e conhecemos vários aspectos da cultura escandinava que ia contando a D. Álvaro por carta. Numa ocasião, disse-lhe que estava disponível para ir para a Escandinávia, se ele achasse necessário.
A Região da Europa Setentrional foi criada em 1984
Alguns meses mais tarde, em janeiro de 1984, os vigários do Prelado reuniram-se em Roma para discutir o progresso do trabalho apostólico do Opus Dei nos cinco continentes. A 15 de janeiro, no final da reunião, D. Álvaro erigiu a Região da Europa Setentrional como uma nova área de evangelização. Fui nomeado vigário.
Nessa mesma tarde, João Paulo II visitou a paróquia romana de São João Baptista al Collatino, confiada a sacerdotes da Obra, com duas instituições anexas: o Centro ELIS e a Escola Hoteleira SAFI. D. Álvaro apresentou-nos ao Papa. Quando chegou a minha vez, ele disse: 'Este é o Vigário dos Países Nórdicos'. O Papa ficou surpreendido, pois pouco tempo tinha passado desde que tinha pedido que o Opus Dei começasse o trabalho apostólico nestes países. Disse-me: 'Este é um trabalho muito, muito importante'”.
“Porque vim aqui?” continua a contar Richard Hayward. “Juan Luis diz, de brincadeira, que eu sou o protótipo do gentleman. Isso não é de todo verdade. Bem, admito que o meu currículo dá razões para pensar assim. Nasci em Londres, no seio de uma família católica, o mais velho de seis irmãos. Durante a minha infância e adolescência, vivi em várias cidades para onde o meu pai foi destinado. Trabalhava num banco. Foram Darlington, Cardiff e Epsom. Fiz o secundário nos Jesuítas em Wimbledon, e para completar o estereótipo, estudei Direito em Oxford.
Descobri a vocação em Espanha
Mas aí os clichês acabam; pois não é este o lugar de maior significado na minha vida, mas sim Torrelavega em Espanha, onde em 1970 descobri a minha vocação para o Opus Dei, que tinha conhecido pouco antes em Londres. Foi aí que decidi entregar-me a Deus. É por isso que tenho um carinho especial por Espanha.
Em 1974, mudei-me para Roma para estudar teologia. Lá tive a sorte de conhecer dois dos três grandes aventureiros já mencionados, Josemaria Escrivá e Álvaro del Portillo. Em 1978, regressei a Londres, poucos meses antes de ter sido eleito Papa o terceiro, Karol Wojtyla, um cardeal polonês completamente desconhecido de muitos.
De Manchester e Colônia a Estocolmo: só com as malas
No dia 3 de março de 1984, às nove horas da manhã, chegamos à estação de trem em Copenhagen. Juan Luis veio de Colônia, eu de Manchester. Bent, um amigo dinamarquês, estava à nossa espera na estação para nos fazer companhia no trem para Estocolmo. Ele ficou surpreendido por só termos conosco as malas, mais nada.
Já estava escuro quando saímos do trem em Estocolmo. E estava muito frio. Lars, outro conhecido, estava esperando na estação e acompanhou-nos ao apartamento que tínhamos conseguido alugar graças à mediação de Monsenhor Koch, pároco da catedral. Quando abrimos a porta, vários conhecidos saudaram-nos: Bo Lennart, Sven e um sacerdote colombiano, Pe. Ferrero, que tinham conseguido duas camas, um sofá e um abajur para nós! Muito mais do que tínhamos esperado! A partir daí celebrámos a Santa Missa na Catedral, que ficava no mesmo bairro. Já estávamos no nosso novo país!
O Opus Dei estende-se pelo mundo por via da amizade
Durante esses primeiros meses, colaborámos em várias atividades da paróquia, porque o pároco não conseguiu cuidar de todos os fiéis devido ao número cada vez maior de imigrantes. Havia apenas alguns padres. Felizmente, Mons. Koch, Juan Luis e eu falávamos várias línguas, pelo que pudemos estar disponíveis para pessoas de diversas origens: mexicanos, ingleses, alemães, italianos, franceses, filipinos, africanos, portugueses... Um pouco mais tarde, chegaram as primeiras mulheres do Opus Dei – o início de outra aventura. O Opus Dei estende-se pelo mundo por via da amizade.
D. Álvaro veio à Escandinávia em 1984
D. Álvaro encorajou-nos muito com as suas cartas. No final de setembro de 1984, veio visitar-nos. Fui no dia de Nossa Senhora das Mercês com ele a Marielund, a uma igreja dedicada à Virgem Maria, a cerca de vinte quilômetros de Estocolmo.
“Quando contei ao Santo Padre que íamos já começar na Suécia, ficou muito feliz'” disse-nos D. Álvaro. “É muito importante que o seu país regresse a Deus e à Igreja. É claro que isto não pode ser conseguido num dia nem em dois. É preciso trabalhar com paciência, que é uma virtude é muito necessária para tudo. Além disso – quando pensamos em quanta paciência Deus tem com cada um de nós – penso na que ele teve para comigo, perdoando-me tantas vezes – vemos que devemos ter compreensão com os outros'.
E D. Álvaro continuou: “Não desanimem perante as dificuldades. Certamente que as há aqui, tal como há em todos os lugares onde se trabalha apostolicamente. Mas as dificuldades têm o bem de nos fazer rezar mais e confiar não nas nossas próprias forças, mas no Senhor, e também de retificar constantemente a nossa intenção. Não procuramos os aplausos das pessoas, mas sim a glória de Deus. O Papa garantiu-me que todos os dias quando se levanta de manhã, reza primeiro pela Suécia; todos os dias”.
Muitas pessoas se aproximam da Igreja Católica
Viajei regularmente à Noruega e Dinamarca, onde fiz amizade com pessoas de diferentes origens sociais, tais como os Dam, um casal de Copenhagen, um norueguês, Ole Martin Stamneströ, ou Camilla, uma jovem dinamarquesa.
Entretanto, graças a Deus, muitos escandinavos aproximaram-se do Senhor e conhecem a mensagem de São Josemaria. Alguns deles – como Arne e Barbara – decidiram pertencer à Igreja nos lugares mais insuspeitados. Arne é um cirurgião respeitado e Barbara é mezzosoprano. Vivem e trabalham na Dinamarca e por vezes passam tempo na Costa del Sol como muitos outros casais nórdicos.
Nesta parte da Igreja, que é Opus Dei, tal como a Kon-tiki, enfrentamos uma longa viagem marítima, mas temos a certeza de que a graça de Deus, aquele vento impetuoso que move as almas, nunca faltará”.
Nota: O Dr. Richard Hayward é inglês e trabalha como padre em Malmö. O Dr. Juan Luis Bernaldo viveu até aos 74 anos. Era de Bilbao (Espanha) e morreu em Estocolmo em 2 de novembro de 2018.
(Trecho do livro Cálido Viento del Norte, de José Miguel Cejas, Ed. Rialp, Madri 2016)