“O maior fracasso da minha vida seria não ter ajudado um filho a se encontrar com Deus”

Jesus San Miguel é Catedrático de Hematologia e chefe desse departamento no Hospital das Clínicas da Universidade de Salamanca.

Tem 54 anos que não aparenta, aspecto jovial e amplo sorriso. Este supernumerário do Opus Dei é membro da Real Academia de Medicina, bem como de importantes comitês científicos, fundações e associações médicas internacionais. Seu serviço é pioneiro, a nível mundial, na pesquisa de doenças sanguíneas e, especialmente em mieloma. Acabou de receber o prestigioso prêmio internacional  “Waldenströn Award” em um Congresso realizado na Grécia. Como conheceu a Obra?

Pode se dizer que “da outra esquina”. Morava em Burgos e por diversas circunstâncias fui estudar Medicina na Universidade de Navarra. Lá residi no Colégio Mayor Belagua, que é impulsionado pelo Opus Dei. Estava bastante instigado, por parte de meu pai e de outras pessoas, a nem de passagem me aproximar da Obra. A verdade é que ia carregado com todos os tipos de preconceitos contra essa instituição.

Mas agora é membro do Opus Dei?

Pedi a admissão na Obra no ano de 1974, quando estava no quarto ano de Medicina.

A que se deveu essa mudança?

Quando comecei a conhecer pessoas da Obra (alguns deles hoje grandes amigos meus). Fiquei surpreso com o contraste abismal que havia entre a idéia que eu tinha, cheia de preconceitos, e a realidade. A vida e a atitude dessas pessoas me fizeram pensar muito.

“A idéia de buscar a santidade na família como uma coisa querida por Deus descortinou-me algo mais do que uma nova perspectiva.”

Mas daí a pedir a admissão...

Foi um processo lento de assombro e assimilação. A idéia de santificar os estudos, o trabalho, me fascinava. Por outro lado, o carinho que encontrava no Colégio Mayor me surpreendia e atraía.

A que se refere?

Fundamentalmente ao ambiente de família que encontrei. Por exemplo, peguei uma gripe muito forte que me deixou mais de uma semana de cama. Senti-me em todo momento muito acompanhado, como se estivesse em minha própria casa. Até o capelão me levava comida e me acompanhava durante um bom tempo.

E isso foi decisivo?

Não, realmente foi como uma gota a mais entre muitas outras que terminaram por transbordar o copo, depois de, paulatinamente, amadurecer em mim a coerência de vida de muitas pessoas. No Colégio pude comprovar a pluralidade de idéias políticas e sociais dos membros da Obra; nada a ver com o conjunto de considerações que levava em minha mochila quando apareci por lá.

Antes me falava de santificação do trabalho...

Foi um fator decisivo. Devo reconhecer que era um pouco fominha. Tinha uma grande inquietação profissional. As perspectivas que se abriam para meu futuro trabalho como médico pareciam apaixonantes, sonhava em chegar muito longe... Pois bem, descobrir que esse trabalho não era um obstáculo, mas o melhor instrumento para unir-me a Deus e realizá-lo com uma visão de serviço aos outros supunha dar um giro radical aos motivos que então me moviam (ensinaram-me que em lugar de trabalhar por “algo”, o faria por “alguém”...).

Outros aspectos influenciaram?

Outra questão que me pareceu inaudita foi entender que o casamento era uma vocação cristã. Pareceu-me surpreendente, nunca tinha imaginado assim. Gostava muito da idéia de compartilhar a vida com a mulher que me enamorasse, de formar um lar, de me deleitar com os filhos. A idéia de que isso era alguma coisa querida por Deus descortinou-me algo mais do que uma nova perspectiva. Trabalho e família eram e são dois aspectos nucleares em minha vida. Temos 6 filhos. Nos Congressos muitos colegas de todo o mundo me conhecem como o “family man”.

A sua mulher também é do Opus Dei?

“Hoje em dia a virtude não é fácil, ainda que a minha visão da juventude seja muito positiva. Basta mostrar aos garotos, com sinceridade, o caminho do bem.”

Sim, o que facilita muitas coisas, mas poderia não ter sido assim, pois a vocação é pessoal. O mais importante no casamento é compartilhar um projeto comum de vida, isso é fundamental na hora de educar os filhos.

Às vezes, se diz que os filhos trazem muitos problemas...

Sim, e também muitas alegrias. O importante é esforçar-se cada dia por buscar o seu bem, compaginando um alto grau de carinho com a transmissão de uma educação humana e cristã rija e coerente. Isso me levou ao envolvimento, junto com outros pais, em um projeto educativo na cidade, um colégio que conta com uns 600 alunos. Graças a Deus estou tendo muitíssima sorte com meus filhos. Dois deles são do Opus Dei e os vejo muito felizes. Todos os dias pedimos para que sejam bons filhos de Deus.

Os que são da Obra não podem estar um pouco condicionados porque você e sua mulher também o são?

Procuramos educá-los num clima de grande liberdade e lhes damos o melhor de nós. Eles seguem livremente - “porque lhes deu na telha” - esse caminho e parecem felizes. Nós, longe de empurrar, lhes falamos com clareza da dureza do caminho que empreendiam e de que o importante em qualquer caminho não são os vislumbres iniciais, mas a perseverança para chegar à meta.

Efetivamente, hoje os jovens não acham isso fácil...

Também lhes dissemos que nos terão sempre ao seu lado... Tal como estão as coisas, nenhum jovem “pode andar pelo bom caminho” se não é com um elevado grau de liberdade. Hoje em dia a virtude não é fácil, ainda que a minha visão da juventude seja muito positiva.  Basta mostrar aos garotos, com sinceridade, o caminho do bem, um caminho que é mais exigente mas, por sua vez, mais atraente que qualquer outro. Também lhe digo uma coisa, o maior fracasso da minha vida seria não ter ajudado um filho a se encontrar com Deus.

Você é chefe de um departamento que goza de bastante prestígio na Espanha e, concretamente, no tratamento do Mieloma a nível internacional, o que supõe fazer muitas viagens e participar de diversos Congressos. Como dá conta de tudo?

Sobre o prestígio, é um pouco exagerado e, em todo caso, fruto do trabalho das 100 pessoas que formam a equipe. Custa um pouco dar conta de tudo, mas com um pouco de esforço é possível.

Os seus colegas e amigos sabem que você é do Opus Dei?

Claro. Todos sabem, não só os de Salamanca, mas também, os colegas de outros países com os quais coincido em vários congressos. Isto faz parte do meu conceito de amizade. Não acredito em amizades superficiais, gosto de ir a fundo (por exemplo, não poderia, não saberia permanecer longe de um problema familiar de um amigo).

E lhes fala do Opus Dei?

“Sinto minha responsabilidade de cristão ao movimentar-me pelo mundo científico internacional. Aproveito todas as ocasiões para explicar a minha fé, a minha vocação e os ideais que me movem.”

Sempre que posso. Sinto minha responsabilidade de cristão ao movimentar-me pelo mundo científico internacional. Aproveito todas as ocasiões para explicar a minha fé, minha vocação e os ideais que me movem. Agradecem sempre minhas explicações sobre pontos difíceis da doutrina da Igreja. Muitos amigos voltaram a praticar a fé e outros tantos pus em contato para que participassem dos meios de formação que a Obra proporciona em seus países.

Você conheceu São Josemaria?

Tive a sorte de participar de uma tertúlia com ele no ano de 1972. Naquela época não era da Obra e me impressionou a sua força espiritual e a clareza da sua mensagem. Tento viver o seu ensinamento de buscar a santidade no meio do mundo. Há uma expressão sua que me produz uma grande satisfação, provavelmente por relacionar-se com o meu trabalho. Dizia com frequência que o Opus Dei é “uma injeção intravenosa na corrente circulatória da sociedade”. Essa imagem, para um hematologista, tem um significado muito familiar.

É preciso ser especial para ser do Opus Dei?

Não se trata de pensar que as pessoas do Opus Dei somos melhores que os outros, nada disso. Somente somos um pouco melhores do que seríamos se não tivéssemos recebido esta vocação (e lutamos para que seja assim). E com todos os nossos defeitos tentamos contribuir para que a sociedade caminhe mais próxima de Deus.