«O Evangelho da família, alegria para o mundo»

Intervenções do Papa Francisco no Encontro Mundial das Famílias, que foi celebrado na Irlanda.

Artigos sobre vida cristã e tecnologias digitaisTextos sobre a educação em famíliaIntenção mensal do Papa: A família, um tesouro

Sábado, 25 de agosto de 2018

10:30 Chegada no Aeroporto Internacional de Dublin - Recepção oficial

11:15 Chegada à Residência Presidencial. Cerimônia de boas-vindas diante da entrada principal da residência

11:30 Visita de cortesia ao Presidente na residência presidencial

12:00 Deslocamento até o Castelo de Dublin. Encontro com as Autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático no Castelo de Dublin

15:30 Chegada na Pró-Catedral de Santa Maria em Dublin. Visita à Catedral

16:30 Visita ao Centro de acolhimento para Famílias sem-casa

19:45 Festa das Famílias no Croke Park Stadium

Domingo, 26 de agosto de 2018 (Knock, Dublín, Roma)

9:45 Visita à Capelinha do Santuário de Knock. Angelus na esplanada do Santuário

15:00 Santa Missa no Phoenix Park (Dublin). Encontro com os Bispos no Convento das Irmãs Dominicanas

18:30 Cerimônia de despedida


ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, A SOCIEDADE CIVIL E O CORPO DIPLOMÁTICO

Thaoiseach [Primeiro-Ministro],
Membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Senhores e senhoras!

No princípio da minha visita à Irlanda, sinto-me agradecido pelo convite a falar a esta distinta Assembleia, que representa a vida civil, cultural e religiosa do país, e também ao Corpo Diplomático e aos convidados. Agradeço o acolhimento amigo por parte do Presidente da Irlanda, que reflete a tradição de cordial hospitalidade pela qual são conhecidos os irlandeses em todo o mundo. Congratulo-me igualmente com a presença duma delegação da Irlanda do Norte. Agradeço o Senhor Primeiro Ministro pelas suas palavras.

Como sabeis, o motivo da minha visita é participar no Encontro Mundial das Famílias, que este ano se realiza em Dublin. Na realidade, a Igreja é uma família de famílias e sente a necessidade de apoiar as famílias nos seus esforços por responder fiel e jubilosamente à vocação que Deus lhes deu na sociedade. Para as famílias, este Encontro é uma oportunidade não só para reafirmar o seu compromisso de fidelidade amorosa, ajuda mútua e respeito sagrado pelo dom divino da vida em todas as suas formas, mas também para testemunhar o papel único desempenhado pela família na educação dos seus membros e no desenvolvimento de um tecido social sadio e vigoroso.

Apraz-me ver o Encontro Mundial das Famílias como um testemunho profético do rico património de valores éticos e espirituais, que cada geração tem a tarefa de guardar e proteger. Não é preciso ser profeta para se dar conta das dificuldades que enfrentam as famílias na sociedade atual em rápida evolução ou para se preocupar com os efeitos que o transtorno do matrimónio e da vida familiar inevitavelmente implicará, a todos os níveis, para o futuro das nossas comunidades. A família é a coesão da sociedade; o seu bem não pode ser dado como garantido, mas deve ser promovido e tutelado com todos os meios apropriados.

É na família que cada um de nós deu os primeiros passos na vida. Lá aprendemos a conviver em harmonia, a controlar os nossos instintos egoístas, a conciliar as diversidades e sobretudo a discernir e procurar os valores que dão sentido autêntico e plenitude à vida. Se falamos do mundo inteiro como duma só família, é porque justamente reconhecemos os laços da nossa humanidade comum e intuímos a chamada à unidade e à solidariedade, especialmente em relação aos irmãos e irmãs mais vulneráveis. Todavia, muitas vezes, sentimo-nos impotentes face aos males persistentes do ódio racial e étnico, a conflitos e violências inextrincáveis, ao desprezo pela dignidade humana e os direitos humanos fundamentais e ao desnível crescente entre ricos e pobres. Quanta necessidade temos de recuperar, em cada área da vida política e social, o sentido de ser uma verdadeira família de povos! E de nunca perder a esperança e a coragem de perseverar no imperativo moral de sermos obreiros de paz, reconciliadores e guardiões uns dos outros.

Este desafio tem uma ressonância particular aqui, na Irlanda, visto o longo conflito que separou irmãos e irmãs duma única família. Vinte anos atrás, a comunidade internacional acompanhou atentamente os acontecimentos na Irlanda do Norte, que levaram à assinatura do Acordo de Sexta-feira Santa. O governo irlandês, juntamente com os líderes políticos, religiosos e civis da Irlanda do Norte e do governo britânico e com o apoio de outros líderes mundiais, deu vida a um contexto dinâmico tendente a resolver pacificamente um conflito que causara enormes sofrimentos em ambos os lados. Podemos dar graças pelas duas décadas de paz que se seguiram a este Acordo histórico, ao mesmo tempo que expressamos a firme esperança de que o processo de paz supere qualquer obstáculo que ainda reste e favoreça o nascimento dum futuro de concórdia, reconciliação e confiança mútua.

O Evangelho lembra-nos que a paz verdadeira, em última análise, é dom de Deus; brota de corações sanados e reconciliados e estende-se até abraçar o mundo inteiro. Mas requer também, da nossa parte, uma conversão constante, fonte dos recursos espirituais que são necessários para construir uma sociedade verdadeiramente solidária, justa e ao serviço do bem comum. Sem este fundamento espiritual, o ideal duma família global de nações corre o risco de não passar dum «lugar-comum» vazio. Poderemos afirmar que o objetivo de gerar prosperidade económica, ou financeira, levará, por si mesmo, a uma ordem social mais justa e equitativa? Não poderia, pelo contrário, acontecer que o aumento duma «cultura do descarte», materialista, nos tenha realmente tornado cada vez mais indiferentes aos pobres e aos membros mais indefesos da família humana, incluindo os nascituros privados do próprio direito à vida? O desafio, que talvez mais provoque as nossas consciências nestes tempos, é esta maciça crise migratória que não tende a desaparecer e cuja solução exige sabedoria, perspetivas amplas e uma preocupação humanitária que ultrapasse em muito decisões políticas de curto prazo.

Conheço bem a condição dos nossos irmãos e irmãs mais vulneráveis – penso de modo especial nas mulheres, e nas crianças, que no passado sofreram com situações de uma particular dificuldade; e aos órfãos de então. Considerando os mais vulneráveis, não posso deixar de reconhecer o grave escândalo causado na Irlanda pelos abusos sobre menores por parte de membros da Igreja encarregados de os proteger e educar. Ainda ressoam no meu coração as palavras que a Senhora Ministra para a infância me disse no aeroporto. Obrigado. Agradeço por aquelas palavras. O falimento das autoridades eclesiásticas - bispos, superiores religiosos, sacerdotes e outros - ao enfrentarem adequadamente estes crimes repugnantes suscitou, justamente, indignação e continua a ser causa de sofrimento e vergonha para a comunidade católica. Eu próprio partilho estes sentimentos. O meu predecessor, Papa Bento, não poupou palavras para reconhecer a gravidade da situação e pedir que fossem tomadas medidas «verdadeiramente evangélicas, justas e eficazes» em resposta a esta traição de confiança (cf. Carta pastoral aos Católicos da Irlanda, 10). A sua intervenção franca e decidida continua a servir de incentivo aos esforços das autoridades eclesiais por remediar os erros passados e adotar normas rigorosas tendentes a assegurar que os mesmos não voltem a acontecer. Mais recentemente, numa Carta ao Povo de Deus, reafirmei o compromisso, antes, o compromisso maior, de eliminar este flagelo na Igreja; a qualquer custo: moral e de sofrimento.

De facto, cada criança é um dom precioso de Deus que devemos guardar, encorajar no desenvolvimento dos seus dons e levar à maturidade espiritual e à plenitude humana. A Igreja na Irlanda desempenhou, no passado e no presente, um papel de promoção do bem das crianças que não pode ser ofuscado. A minha esperança é que a gravidade dos escândalos dos abusos, que fizeram emergir as culpas de muitos, sirva para evidenciar a importância da proteção de menores e adultos vulneráveis por parte da sociedade inteira. Neste sentido, todos temos consciência da necessidade urgente de oferecer aos jovens um acompanhamento sábio e valores sadios para o seu caminho de crescimento.

Queridos amigos!

Há quase noventa anos, a Santa Sé esteve entre as primeiras instituições internacionais a reconhecer o Estado livre da Irlanda. Aquela iniciativa marcou o início de muitos anos de harmonia e dinâmica colaboração, com uma única nuvem passageira no horizonte. Recentemente, esforços intensos e boa vontade de ambas as partes têm contribuído de forma significativa para um promissor restabelecimento daquelas relações amigas com vantagem recíproca de todos.

Os fios daquela história remontam a mais de mil e quinhentos anos atrás, quando a mensagem cristã, pregada por Paládio e Patrício, começou a habitar na Irlanda tornando-se parte integrante da vida e cultura irlandesas. Muitos «santos e letrados» se sentiram inspirados a deixar estas praias para levar a nova fé a outras terras. Ainda hoje os nomes de Colomba, Columbano, Brígida, Gallo, Killian, Brendan e muitos outros são honrados na Europa e não só. Nesta ilha, o monaquismo, fonte de civilização e criatividade artística, escreveu uma página esplendorosa na história da Irlanda e do mundo.

Hoje, como no passado, homens e mulheres que vivem neste país esforçam-se por enriquecer a vida da nação com a sabedoria nascida da fé. Mesmo nas horas mais sombrias da Irlanda, eles encontraram na fé a fonte daquela coragem e empenhamento que são indispensáveis para forjar um futuro de liberdade e dignidade, justiça e solidariedade. A mensagem cristã tem sido parte integrante de tal experiência e moldou a linguagem, o pensamento e a cultura da população desta ilha.

Rezo para que a Irlanda, enquanto escuta a polifonia da discussão político-social contemporânea, não esqueça as vibrantes melodias da mensagem cristã, que a sustentaram no passado e podem continuar a fazê-lo no futuro.

Com estes pensamentos, de coração invoco sobre vós e todo o amado povo irlandês as bênçãos divinas de sabedoria, alegria e paz. Obrigado.


Intervenção do Papa Francisco na Catedral

Queridos amigos!

Sinto-me feliz pela possibilidade de vos encontrar nesta histórica pró-Catedral de Santa Maria, que, ao longo dos anos, foi testemunha de inúmeras celebrações do sacramento do matrimónio. Vendo a vós, tão jovens, eu me pergunto: mas então não é verdade o que dizem, que os jovens não querem casar-se? Obrigado! Casar-se e compartilhar a vida é algo belo. Há um ditado espanhol que diz assim: “Dores em dois, dor pela metade”. Este é o caminho do matrimónio. Neste lugar sagrado, quanto amor se manifestou, quantas graças foram recebidas! Agradeço ao Arcebispo Martin as suas cordiais boas-vindas. Motivo de particular alegria para mim é poder estar convosco, casais de noivos e de esposos que vos encontrais nas diferentes fases do percurso do amor sacramental. É igualmente belo escutar aquela música que vem das crianças que choram... trata-se de uma esperança, é a mais bela música; mas também é a mais bela pregação – escutar uma criança que chora – pois é um clamor de esperança, de que a vida continua, de que a vida segue adiante, de que o amor é fecundo. Olhar às crianças... mas saudei também uma pessoa idosa: é preciso olhar para os idosos, pois os idosos estão cheios de sabedoria. Escutar os idosos: «Como foi a tua vida?» Isto me agradou, que tenhais sido vós [NT: dirigindo-se a um casal idoso que falou em primeiro lugar] a começar, depois de 50 anos de matrimónio, pois tentes tanta experiência para partilhar. O futuro e o passado se encontram no presente. Eles, os velhos – permiti-me a palavra: os velhos, the old – possuem a sabedoria. Também as sogras possuem a sabedoria [NT: todos riem]. E as crianças devem escutar a sabedoria; vós jovens deveis escutar a sabedoria e falar com eles para avançar, pois eles são as raízes. Eles são as raízes, e vós colheis das raízes para avançar. Isto certamente direi mais adiante, mas me veio dizê-lo do coração.

De modo especial, como disse, agradeço o testemunho de Vincent e Teresa, que nos falaram da sua experiência de cinquenta anos de matrimónio e de vida familiar. Obrigado quer pelas palavras de encorajamento quer pelos desafios que apresentastes às novas gerações de recém-casados e de noivos, não apenas aqui na Irlanda, mas em todo o mundo. Eles não serão como vós, serão diferentes. Mas precisam da vossa experiência para serem diferentes, para avançarem ainda mais. Como é importante ouvir os idosos, ouvir os avós! Temos muito a aprender da vossa experiência de vida matrimonial, sustentada dia a dia pela graça do sacramento. Vem-me a vontade de perguntar-vos: brigastes muito? Mas isso faz parte do matrimónio! Um matrimónio onde não se briga é um pouco chato... [NT: todos riem] Mas existe um segredo: podem até voar os pratos, mas o segredo é fazer a paz antes que termine o dia. E para fazer a paz, não é preciso um discurso, basta uma carícia e, assim, faz-se a paz. E sabeis por que é importante? Porque se não se faz a paz antes de ir para a cama, a “guerra fria” do dia seguinte é demasiado perigosa; começa o rancor... Sim, brigueis o que queirais, mas no final da noite fazei a paz. Estais de acordo? Não o esqueçais, vós jovens. Crescendo juntos nesta comunidade de vida e de amor, experimentastes muitas alegrias e também, certamente, não poucos sofrimentos. Juntamente com todos os esposos que já percorreram um longo pedaço do caminho, sois os guardiões da nossa memória coletiva. Precisaremos sempre do vosso testemunho, cheio de fé. É um recurso precioso para os noivos, que olham para o futuro com emoção e esperança... e, também, talvez com um pouco de ansiedade: como será este futuro?

Agradeço também aos noivos que me fizeram algumas perguntas ousadas. Não é fácil responder a estas perguntas! Denis e Sinead estão prestes a embarcar num percurso de amor que, segundo o desígnio de Deus, implica um compromisso para a vida inteira. Perguntaram como podem ajudar outros a compreenderem que o matrimónio não é simplesmente uma instituição, mas uma vocação, uma vida que avança, uma decisão consciente e para toda a vida de ocupar-se, ajudar-se e proteger-se mutuamente.

Com certeza, temos de reconhecer que hoje não estamos habituados a algo que dure realmente toda a vida. Nós vivemos numa cultura do provisório, não estamos habituados. Se sinto que tenho fome ou sede, posso alimentar-me, mas a minha sensação de estar saciado não dura um dia sequer. Se tenho um emprego, sei que poderia perdê-lo contra a minha vontade ou que poderia ver-me na obrigação de escolher uma carreira diferente. É difícil até mesmo acompanhar o mundo, já que tudo à nossa volta muda, as pessoas entram e saem das nossas vidas, fazem-se promessas, mas muitas vezes são quebradas ou deixadas a meio. Na realidade, o que me estais a perguntar talvez seja algo de mais fundamental ainda: «Não haverá verdadeiramente nada de precioso que possa durar?» Esta é a pergunta. Parece que nada de belo, nada de precioso dure. «Mas não haverá verdadeiramente algo de precioso que possa durar? Nem mesmo o amor?» E existe a tentação de que aquele «por toda a vida» que direis um ao outro, se transforme e, com o tempo, morra. Se o amor não se faz crescer com o amor, dura pouco. Aquele «por toda a vida» é um compromisso que deve crescer com o amor, porque no amor não existe provisório. Caso contrário, é chamado entusiasmo, chama-se, não sei, encantamento, mas o “amor amor” é definitivo, é um “eu e tu”. Como se diz entre nós, é a “metade da laranja”: tu és a minha metade da laranja, eu sou a tua metade da laranja. O amor é assim: tudo por toda a vida. É fácil ficar prisioneiros da cultura do efémero e essa cultura ataca as próprias raízes dos nossos processos de amadurecimento, do nosso crescimento na esperança e no amor. Nesta cultura do efémero, como podemos experimentar aquilo que verdadeiramente dura? Esta é uma pergunta forte: como podemos experimentar, nessa cultura do efêmero, aquilo que verdadeiramente dura?

Eis o que me apraz dizer-vos. Entre todas as formas da fecundidade humana, o matrimónio é único. É um amor que dá origem a uma nova vida. Implica a responsabilidade mútua na transmissão do dom divino da vida e oferece um ambiente estável no qual a nova vida pode crescer e florescer. O matrimónio na Igreja, isto é, o sacramento do matrimónio, participa de modo especial no mistério do amor eterno de Deus. Quando se unem pelo vínculo do matrimónio um homem e uma mulher cristãos, a graça de Deus habilita-os a prometerem-se livremente um ao outro um amor exclusivo e duradouro. Assim, a sua união torna-se sinal sacramental – e isso é importante: o sacramento do matrimónio - torna-se um sinal sacramental da nova e eterna aliança entre o Senhor e a sua esposa, a Igreja. Jesus está sempre presente no meio deles. Sustenta-os ao longo da vida no dom recíproco de si mesmos, na fidelidade e na unidade indissolúvel (cf. Gaudium et spes, 48). O amor de Jesus pelos casais é uma rocha, é um refúgio nos tempos de provação, mas sobretudo é fonte de crescimento constante num amor puro e para sempre. Fazei apostas fortes, para toda a vida. Arriscai! Pois o matrimónio é também um risco, mas um risco que vale a pena. Para toda a vida, pois o amor é assim.

Sabemos que o amor é o sonho de Deus para nós e para a família humana inteira. Por favor, nunca o esqueçais! Deus tem um sonho para nós, e pede-nos para o assumirmos. Não tenhais medo deste sonho! Sonhai alto! Guardai-o e, juntos, sonhai-o de novo todos os dias. Assim sereis capazes de vos apoiar mutuamente com esperança, com força e com o perdão, nos momentos em que o percurso se fizer árduo tornando-se difícil vislumbrar o caminho. Na Bíblia, Deus compromete-Se a permanecer fiel à sua aliança, mesmo quando nós O desgostamos e o nosso amor enfraquece. O que diz Deus na Bíblia para o seu povo? Escutai bem: «Não te deixarei nem te abandonarei» (Heb 13, 5). E vós, como marido e esposa, ungi-vos mutuamente com estas palavras de promessa, cada dia, pelo resto da vida. E nunca deixeis de sonhar! Repeti sempre no coração: «Não te deixarei nem te abandonarei».

Stephen e Jordan são esposos recém-casados e puseram a pergunta, muito importante, de como poderão os pais transmitir a fé aos filhos. Sei que a Igreja, aqui na Irlanda, preparou cuidadosamente programas de catequese visando educar para a fé nas escolas e paróquias. Isto é, sem dúvida, essencial. Mas o primeiro lugar, e o mais importante, para transmitir a fé é o lar: aprende-se a crer no lar, através do exemplo calmo e diário de pais que amam o Senhor e confiam na sua palavra. Lá, na casa, que podemos chamar de «igreja doméstica», os filhos aprendem o significado da fidelidade, da honestidade e do sacrifício. Veem como a mãe e o pai se comportam entre si, como cuidam um do outro e de todos, como amam a Deus e à Igreja. Assim os filhos podem respirar o ar fresco do Evangelho e aprender a compreender, julgar e agir de maneira digna da fé que herdaram. A fé, irmãos e irmãs, é transmitida ao redor da mesa doméstica, no lar, na conversa comum, através da linguagem que só o amor perseverante sabe falar. Nunca esqueçais, irmãos e irmãs: a fé se transmite em dialeto! O dialeto do lar, o dialeto da vida doméstica, da vida em família. Pensai nos sete irmãos Macabeus, como a mãe falava com eles em “dialeto”, ou seja, aquilo que eles tinham aprendido desde criança sobre Deus. É mais difícil receber a fé – é possível fazer, mas é mais difícil - se não foi recebido na língua materna, no lar, em dialeto. Sou tentado a falar de uma experiência minha, de criança... Se serve, eu digo. Lembro que uma vez – eu teria uns cinco anos – entrei em casa e lá, na sala de jantar, papai chegava do trabalho, naquele momento, antes de mim, e vi que papai e mamãe se beijavam. Nunca me esqueço! Que coisa bonita! Cansado do trabalho, mas teve a força de expressar o amor para a sua mulher! Que os vossos filhos vos vejam assim, que vos acariciais, vos beijais, vos abraçais; isso é belíssimo, porque aprendem assim este dialeto do amor, e a fé, neste dialeto do amor.

Por isso, é importante rezar juntos em família; falai de coisas boas e santas; e deixai que Maria, nossa Mãe, entre na vossa vida, a vida familiar. Celebrai as festividades cristãs: que os vossos filhos saibam o que é uma festa em família. Vivei em profunda solidariedade com aqueles que sofrem e estão à margem da sociedade, e que os vossos filhos aprendam. Outra história: conheci uma senhora que tinha três filhos, com mais ou menos sete, cinco e três anos; eram um bom casal, tinham muita fé e ensinavam os filhos a ajudarem os pobres, pois eles os ajudavam muito. E uma vez, almoçando, a mãe com os três filhos – o pai estava a trabalhar, alguém bate na porta, e o filho mais velho vai abrir e depois volta e diz: «Mamãe, tem um pobre que pede de comer». Estavam comendo bife à milanesa, empanados – são deliciosos [NT: risos] – e a mãe pergunta aos filhos: «O que faremos?» Os três respondem: «Sim, mamãe, dá-lhe algo». Tinham alguns bifes sobrando, mas a mãe pega uma faca e começa a cortar pela a metade os bifes dos filhos. E os filhos: «Não, mamãe, dá-lhes daqueles bifes, não dos nossos!» - «Ah, não: aos pobres dás do teu, não daquilo que sobra!» Assim aquela mulher de fé ensinou os seus filhos a dar do seu aos pobres. Mas todas essas coisas podem ser feitas em casa, quando há amor, quando há fé, quando se fala aquele dialeto de fé. Em suma, os vossos filhos aprenderão de vós a viver como cristãos; sereis os seus primeiros mestres na fé, os transmissores da fé.

As virtudes e as verdades que o Senhor nos ensina nem sempre são populares no mundo atual – às vezes, o Senhor pede coisas que não são muito populares – o mundo de hoje tem pouca consideração pelos fracos, os vulneráveis e por todos aqueles que considera «não-produtivos». O mundo diz-nos para sermos fortes e independentes, preocupando-nos pouco com aqueles que estão sozinhos ou tristes, rejeitados ou doentes, que ainda não nasceram ou estão moribundos. Daqui a pouco irei, de forma privada, encontrar algumas famílias que enfrentam desafios sérios e dificuldades reais, mas a quem os Padres Capuchinhos demonstram amor e apoio. O nosso mundo precisa duma revolução do amor! O furor que nos vivemos é antes que nada de egoísmo, de interesses pessoais... o mundo precisa de uma revolução do amor. Que esta revolução comece por vós e pelas vossas famílias!

Há alguns meses, dizia-me alguém que estamos a perder a nossa capacidade de amar. Lenta mas decisivamente estamos a esquecer a linguagem direta duma carícia, a força da ternura. Parece que a palavra ternura tenha sido arrancada do dicionário. Não poderá haver uma revolução de amor, sem a revolução da ternura! Com o vosso exemplo, possam os vossos filhos ser guiados para se tornarem uma geração mais solícita, amorosa, rica de fé, para a renovação da Igreja e de toda a sociedade irlandesa.

Assim o vosso amor, que é dom de Deus, lançará raízes ainda mais profundas. Nenhuma família pode crescer, se esquece as suas raízes. As crianças não crescem no amor se não aprendem a comunicar com os seus avós. Então deixai que o vosso amor lance raízes profundas! Não nos esqueçamos de que «tudo aquilo que na árvore floresceu / vive daquilo que está por debaixo» (F. L. Bernárdez, soneto Se para recuperar o recuperado). Assim fala uma poesia argentina, permiti-me a publicidade.

Juntamente com o Papa, possam as famílias da Igreja inteira, representadas nesta tarde pelos casais idosos e jovens, agradecer a Deus pelo dom da fé e pela graça do matrimónio cristão. Por nossa vez, comprometamo-nos com o Senhor a servir a vinda do seu reino de santidade, justiça e paz com a fidelidade às promessas que fizemos e com a perseverança no amor!

Obrigado por este encontro!

E agora, convido-vos a rezar juntos a oração para o Meeting das famílias. Depois, vos darei a bênção. E peço-vos que rezeis por mim, não vos esqueçais!


Visita ao Centro de acolhimento para Famílias sem-casa

Querido irmão, querido bispo, queridos irmãos Capuchinhos e todos vós, irmãos e irmãs!

O senhor [NT: dirigindo-se ao Padre Capuchinho que fez a apresentação] disse que os Capuchinhos são conhecidos como os frades do povo, próximos do povo, e isso é verdade. E se por vezes alguma comunidade capuchinha se afasta do povo de Deus, ela cai. Vós tendes uma sintonia especial com o povo de Deus, antes bem, com os pobres. Tendes a graça de contemplar as chagas de Jesus em pessoas que passam necessidade, que sofrem, que não são felizes ou que não têm coisa alguma, ou estão cheias de vícios e falhas. Para vós é a carne de Cristo. Este é o vosso testemunho e a Igreja precisa desse testemunho. Obrigado.

Depois direi outra coisa a vós [NT: dirigindo-se aos pobres]. Outra coisa que o Frei disse e que tocou meu coração: que vós não pedis nada aqui. É Jesus quem vem [nos pobres]. Não peçais coisa alguma. Aceitai a vida como ela se apresenta, oferecei consolo e, se necessário, perdoai. Isso me faz pensar - como uma chamada de atenção - aos sacerdotes que, ao contrário, vivem fazendo perguntas sobre a vida das pessoas e na Confissão cavam, cavam, cavam nas consciências... O vosso testemunho ensina os sacerdotes a escutar, ser próximos, perdoar e não perguntar muito. Ser simples, como Jesus contou que fez aquele pai, quando o filho voltou cheio de pecados e vícios: o pai não se sentou no confessionário e se pôs a perguntar e perguntar; ele acolheu o arrependimento do filho e o abraçou. Que o vosso testemunho para o povo de Deus, e este coração capaz de perdoar sem causar sofrimento, alcance todos os sacerdotes. Obrigado!

E vós, queridos irmãos e irmãs, obrigado pelo amor e pela confiança que têm com os padres Capuchinhos, obrigado por virdes com confiança! Dir-vos-ei uma coisa: sabei por que vindes com confiança? Porque eles vos ajudam sem arrancar a vossa dignidade. Para eles, cada um de vós é Jesus Cristo. Obrigado pela confiança que nos dais. Vós sois a Igreja, sois o povo de Deus. Jesus está convosco. Eles vos darão coisas de que tendes necessidade, mas escutai os conselhos que eles vos dão: eles sempre vos aconselharão bem. E se tendes alguma coisa, alguma dúvida, alguma dor, falai com eles, e vos aconselharão bem. Sabeis que eles vos querem bem: caso contrário, esta obra aqui não existiria. Obrigado pela vossa confiança. E uma última coisa: rezai. Rezai pela Igreja. Rezai pelos sacerdotes. Rezai pelos Capuchinhos. Rezai pelos bispos, pelo vosso Bispo. E rezai por mim também... permito-me pedir um pouco. Rezai pelos sacerdotes, não vos esqueçais.

Muito obrigado! Agora, cada um de vós adentre em seu coração e pense em seus entes queridos, porque darei a bênção também a eles, a vós e a eles. E vamos dar um passo adiante: se alguém de vós tiver um inimigo ou alguém que não quer bem, coloque-o em seu coração também, assim receberá a bênção.

God bless you all, the Father, the Son and the Holy Spirit.

Thank you very much.


Festa das Famílias no estádio Croke Park

Queridos irmãos e irmãs, boa noite!

Obrigado pelas vossas calorosas boas-vindas. É bom estar aqui! É bom celebrar, porque nos torna mais humanos e mais cristãos. Também nos ajuda a partilhar a alegria de saber que Jesus nos ama, acompanha no percurso da vida e, cada dia, nos atrai para mais perto de Si.

Em cada celebração familiar, sente-se a presença de todos: pais, mães, avós, netos, tios e tias, primos, quem não pôde vir e quem vive demasiado longe, todos. Hoje, em Dublin, reunimo-nos para uma celebração familiar de ação de graças a Deus pelo que somos: uma única família em Cristo, espalhada por toda a terra. A Igreja é a família dos filhos de Deus; uma família, onde se regozija com aqueles que estão na alegria e se chora com aqueles que estão na tribulação ou se sentem desanimados com a vida. Uma família onde se cuida de cada um, porque Deus nosso Pai nos fez, a todos, seus filhos no Batismo. Por isso mesmo, continuo a encorajar os pais a levar ao Batismo os filhos logo que possível, para que se tornem parte da grande família de Deus. É preciso convidar cada um para a festa, também a criança pequena! E por isso deve ser batizada o quanto antes. E tem outra coisa: se a criança desde pequena é batizada, o Espírito Santo entra no seu coração. Façamos uma comparação: uma criança sem Batismo - pois os pais dizem: «Não, quando for maior» - e uma criança com o Batismo, com o Espírito Santo dentro de si: ela é mais forte, porque tem dentro a força de Deus!

Vós, queridas famílias, sois a grande maioria do povo de Deus. Que fisionomia teria a Igreja sem vós? Uma Igreja de estátuas, uma Igreja de pessoas solitárias... Foi para nos ajudar a reconhecer a beleza e a importância da família, com as suas luzes e sombras, que foi escrita a Exortação Amoris laetitia sobre a alegria do amor, e quis que o tema deste Encontro Mundial das Famílias fosse «O Evangelho da família, alegria para o mundo». Deus quer que cada família seja um farol que irradia a alegria do seu amor pelo mundo. Que significa isto? Significa que nós, depois de ter encontrado o amor de Deus que salva, procuramos, com palavras ou sem elas, manifestá-lo através de pequenos gestos de bondade na vida rotineira de cada dia e nos momentos mais simples da jornada.

E isto como se chama?Isto se chama santidade. Gosto de falar dos santos «ao pé da porta», de todas aquelas pessoas comuns que refletem a presença de Deus na vida e na história do mundo (cf. Exort. ap. Gaudete et exsultate, 6-7). A vocação ao amor e à santidade não é algo reservado para poucos privilegiados. Não. Mesmo agora, se tivermos olhos para ver, podemos vislumbrá-la ao nosso redor. Está silenciosamente presente no coração de todas as famílias que oferecem amor, perdão, misericórdia, quando veem que há necessidade, e fazem-no tranquilamente, sem tocar a tromba. O Evangelho da família é, verdadeiramente, alegria para o mundo, visto que lá, nas nossas famílias, sempre se pode encontrar Jesus; lá habita, em simplicidade e pobreza, como fez na casa da Sagrada Família de Nazaré.

O matrimónio cristão e a vida familiar são compreendidos em toda a sua beleza e fascínio, se estiverem ancorados no amor de Deus, que nos criou à sua imagem para podermos dar-Lhe glória como ícones do seu amor e da sua santidade no mundo. Pais e mães, avôs e avós, filhos e netos são todos chamados a encontrar, na família, a realização do amor. A graça de Deus ajuda dia a dia a viver com um só coração e uma só alma. Mesmo as sogras e as noras! Ninguém diz que seja fácil, sabeis melhor do que eu. É como preparar um chá: é fácil ferver a água, mas uma boa taça de chá requer tempo e paciência; é preciso deixar em infusão! Então, dia após dia, Jesus aquece-nos com o seu amor, fazendo de modo que penetre todo o nosso ser. Do tesouro do seu Sagrado Coração, derrama sobre nós a graça que precisamos para curar as nossas enfermidades e abrir a mente e o coração para nos escutarmos, compreendermos e perdoarmos uns aos outros.

Acabamos de ouvir os testemunhos de Felicité, Isaac e Ghislain, que vêm do Burkina Faso. Contaram-nos uma história comovente de perdão em família. O poeta dizia que «errar é humano, perdoar é divino». É verdade! O perdão é um dom especial de Deus, que cura as nossas feridas e nos aproxima dos outros e d’Ele. Gestos humildes e simples de perdão, renovados dia a dia, são o fundamento sobre o qual se constrói uma vida familiar cristã sólida. Obrigam-nos a superar o orgulho, o isolamento e o embaraço, e a fazer paz. Muitas vezes, ficamos com raiva entre nós e queremos fazer a paz, mas não sabemos como. É um embaraço fazer a paz, mas queremos fazê-la! Não é difícil. É fácil. Faze uma carícia e assim faz-se a paz! É verdade! Gosto de dizer que, nas famílias, precisamos de aprender três palavras – Tu [Ghislain] o disseste – três palavras: «desculpa», «por favor» e «obrigado». Três palavras. Como eram as palavras? Todos [Sorry, please, thank you]. Another time: [Sorry, please, thank you]. Não escuto... [Sorry, please, thank you]. Thank you very much! Quando tiveres discutido em casa, certifica-te, antes de ir dormir, que pediste desculpa dizendo que sentes pesar pelo sucedido. Antes que termine o dia, fazei a paz. E sabeis por que é necessário fazer a paz antes de terminar o dia? Porque se não se faz a paz, no dia seguinte, a “guerra fria” é muito perigosa! Estai atentos com a guerra fria na família! Mas talvez tu às vezes ficaste com raiva e te sentes tentado a ir dormir noutro quarto, sozinho e isolado; se te sentes assim, bate simplesmente à porta e diz: «Por favor, posso entrar?» Basta um olhar, um beijo, uma palavra doce... e tudo volta a estar como antes! Digo isto porque as famílias, quando o fazem, sobrevivem. Não existe uma família perfeita; sem o hábito do perdão, a família cresce doente e gradualmente desmorona-se.

Perdoar significa doar algo de si mesmo. Jesus perdoa-nos sempre. Com a força do seu perdão, também nós podemos perdoar aos outros, se o quisermos de verdade. Não é isso que pedimos, quando rezamos o Pai Nosso? Os filhos aprendem a perdoar quando veem que seus pais se perdoam entre si. Se compreendermos isto, poderemos apreciar a grandeza da doutrina de Jesus sobre a fidelidade no matrimónio. Longe de ser uma fria obrigação legal, trata-se sobretudo duma promessa poderosa da fidelidade do próprio Deus à sua palavra e à sua graça sem limites. Cristo morreu por nós para que, por nossa vez, possamos perdoar-nos e reconciliar-nos uns com os outros. Deste modo, como pessoas e como famílias, aprendemos a compreender a verdade daquelas palavras de São Paulo: tudo passa, mas «o amor jamais passará» (1 Cor 13, 8).

Obrigado, Nisha e Ted, pelos vossos testemunhos da Índia, onde estais a ensinar aos vossos filhos a serem uma verdadeira família. Ajudastes-nos também a compreender que os meios de comunicação social não são necessariamente um problema para as famílias, mas podem contribuir para a construção duma «rede» de amizade, solidariedade e apoio mútuo. As famílias podem conectar-se através da internet e beneficiar disso. Os meios de comunicação social podem ser benéficos, se forem usados com moderação e prudência. Vós, por exemplo, que participais neste Encontro Mundial das Famílias, formais uma «rede» espiritual e de amizade, e os meios de comunicação social podem ajudar-vos a manter esta ligação e alargá-la a outras famílias em muitas partes do mundo. Contudo, importante que estes meios nunca se tornem uma ameaça para a verdadeira rede de relações de carne e sangue, prendendo-nos numa realidade virtual e isolando-nos das relações concretas que nos estimulam a dar o melhor de nós mesmos em comunhão com os outros. Talvez a história de Ted e Nisha possa ajudar às famílias a interrogar-se sobre a obrigação de reduzir o tempo que gastam com esses meios tecnológicos, e de passar um tempo de qualidade entre eles e com Deus. Mas quando usas demasiado as redes sociais, “entras em órbita”. Quando, à mesa, ao invés de conversar em família, cada um tem um telefone e se conecta fora, fica “em órbita”. Mas isso é perigoso. Por que? Porque te arranca do concreto da família e te leva para uma “vida gasosa”, sem consistência. Estai atentos a isso. Lembrai da história de Ted e Nisha, que nos ensinam a usar bem as redes sociais.

Ouvimos, de Enass e Sarmaad, como o amor e a fé em família podem ser fontes de força e paz, mesmo no meio da violência e da destruição, causadas pela guerra e a perseguição. A sua história recorda-nos as trágicas situações que sofrem quotidianamente muitas famílias, forçadas a abandonar as suas casas à procura de segurança e de paz. Mas Enass e Sarmaad indicaram-nos também como, a partir da família e graças à solidariedade manifestada por muitas outras famílias, a vida pode ser reconstruída e renascer a esperança. Vimos este apoio no vídeo de Rammy e seu irmão Meelad, onde Rammy expressou profunda gratidão pelo incentivo e a ajuda que a sua família recebeu de muitas outras famílias cristãs do mundo inteiro, fazendo com que fosse possível que eles voltassem para o seu vilarejo. Em cada sociedade, as famílias geram paz, porque ensinam o amor, o acolhimento, o perdão, que são os melhores antídotos contra o ódio, o preconceito e a vingança que envenenam a vida de pessoas e de comunidades.

Como ensinou um bom padre irlandês, «a família que reza unida permanece unida» e irradia paz. Tal família pode ser um apoio especial para outras famílias que não vivem em paz. Depois da morte do padre Ganni, Enass, Sarmaad e as suas famílias optaram pelo perdão e a reconciliação, em vez do ódio e do rancor. À luz da Cruz, viram que o mal só se pode contrastar com o bem, e o ódio só se pode superar com o perdão. De forma quase incrível foram capazes de encontrar paz no amor de Cristo, um amor que faz novas todas as coisas. E nesta noite partilham esta paz connosco. Rezaram. A oração, rezar juntos. Enquanto escutava o coral, vi uma mãe que ensinava o filho a fazer o sinal da cruz. Pergunto-vos: ensinais às crianças a fazer o sinal da cruz? Sim ou não? [Yes]. Ou ensinais a fazer algo assim [NT: faz um gesto rápido], que não se entende bem o que é? É muito importante que as crianças desde pequenas aprendam a fazer bem o sinal da cruz: é o primeiro Credo que aprendem, o Credo no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Esta noite, antes de ir para a cama, vós pais pergunteis a si mesmos: ensino os meus filhos a fazer bem o sinal da cruz? Pensai, é algo para vós!

O amor de Cristo, que tudo renova, é o que torna possível o matrimónio e um amor conjugal caraterizado por fidelidade, indissolubilidade, unidade e abertura à vida. É o que se evidencia no quarto capítulo de Amoris laetitia. Vimos este amor em Mary e Damian e na sua família com dez filhos. Pergunto-vos [NT: dirigindo-se a Mary e Damian]: vossos filhos vos deixam com raiva? Pois, a vida é assim! Mas é belo ter dez filhos. Thank you. Obrigado pelas vossas palavras e o vosso testemunho de amor e de fé! Experimentastes a capacidade que o amor de Deus tem de transformar completamente a vossa vida e de vos abençoar com a alegria de uma linda família. Dissestes-nos que a chave da vossa vida familiar é a sinceridade. Pela vossa história, compreendemos como é importante continuar a ir àquela fonte da verdade e do amor que pode transformar a nossa vida. Quem é?Jesus, que inaugurou o seu ministério público justamente numa festa de núpcias. Lá, em Caná, mudou a água num vinho novo e bom que permitiu continuar magnificamente a jubilosa celebração. Mas, pensastes o que teria acontecido se Jesus não tivesse feito isso? Pensastes como é feio terminar uma festa de núpcias somente com água? É feio! Nossa Senhora o entendeu e disse ao Filho: «Eles não têm mais vinho». E Jesus entendeu que a festa teria terminado mal só com água. O mesmo se passa com o amor conjugal. O vinho novo começa a ferver durante o tempo do noivado, necessário mas passageiro, e matura ao longo da vida matrimonial num mútuo dom de si mesmo que torna os esposos capazes de se fazerem, de dois, «uma só carne». E também de abrir, por sua vez, os corações a quem tem necessidade de amor, especialmente quem está sozinho, abandonado, fraco e, enquanto vulnerável, muitas vezes posto de lado pela cultura do descarte. Essa cultura em que vivemos hoje, que descarta tudo: descarta tudo aquilo que não serve, descarta as crianças, porque incomodam. Descarta os velhos, porque não servem... Só o amor nos salva desta cultura do descarte.

Por toda a parte, as famílias são chamadas a continuar a crescer e seguir em frente, mesmo no meio de dificuldades e limites, precisamente como fizeram as gerações passadas. Todos somos parte duma grande cadeia de famílias, que remonta ao início dos tempos. As nossas famílias são tesouros vivos de memória, com os filhos que, por sua vez, se tornam pais e, depois, avós. Deles recebemos a identidade, os valores e a fé. Vimo-lo em Aldo e Marissa, casados há mais de cinquenta anos. O seu matrimónio é um monumento ao amor e à fidelidade! Os seus netos os mantêm jovens; a sua casa está repleta de alegria, de felicidade e de danças. Era bonito ver [no vídeo] a avó ensinar as netinhas a dançarem! O seu amor mútuo é um dom de Deus, um dom que estão a transmitir com alegria aos seus filhos e netos.

Uma sociedade -escutai bem isso – uma sociedade que não valorize os avós é uma sociedade sem futuro. Uma Igreja que não tenha a peito a aliança entre gerações acabará sem o que conta verdadeiramente, o amor. Os nossos avós ensinam-nos o significado do amor conjugal e paternal. Eles próprios cresceram numa família e experimentaram o afeto de filhos e filhas, de irmãos e irmãs. Por isso, constituem um tesouro de experiência, um tesouro de sabedoria para as novas gerações. É um grande erro não interpelar os idosos sobre as suas experiências ou pensar que seja uma perda de tempo conversar com eles. A propósito, quero agradecer a Missy o seu testemunho. A senhora nos disse que, entre os nómades, a família sempre foi uma fonte de força e de solidariedade. O seu testemunho nos lembra que, na casa de Deus, há um lugar à mesa para todos. Ninguém deve ser excluído; o nosso amor e a nossa atenção devem estender-se a todos.

É tarde e estais cansados! Eu também! Mas deixai que vos diga uma última coisa. Vós, famílias, sois a esperança da Igreja e do mundo! Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, criou a humanidade à sua imagem e semelhança para fazê-la participante do seu amor, para que fosse uma família de famílias e gozasse daquela paz que só Ele pode dar. Com o vosso testemunho do Evangelho, podeis ajudar Deus a realizar o seu sonho. Podeis contribuir para aproximar todos os filhos de Deus, para que cresçam na unidade e aprendam o que significa, para o mundo inteiro, viver em paz como uma grande família. Por este motivo, desejei entregar a cada um de vós uma cópia de Amoris laetitia, preparada nos dois Sínodos sobre a família e escrita para ser uma espécie de guia a fim de se viver com alegria o Evangelho da família. Que Maria nossa Mãe, Rainha da família e da paz, sustente a todos vós no percurso da vida, do amor e da felicidade!

E agora, no final do nosso serão, rezaremos a oração deste Encontro das Famílias. Todos juntos rezaremos a oração oficial do Encontro das Famílias: [grande aplauso]

[Oração e Bênção]

Boa noite. Dormi bem; E até amanhã.


Santuário de Knock. Angelus na esplanada do Santuário

Amados irmãos e irmãs!

Estou feliz por estar aqui convosco. Estou feliz por estar convosco na casa de Nossa Senhora. E dou graças a Deus pela oportunidade de visitar, no contexto do Encontro Mundial das Famílias, este Santuário tão querido ao povo irlandês. Agradeço ao Arcebispo Neary e ao Reitor, Padre Gibbons, as suas cordiais boas-vindas.

Na Capela da Aparição, confiei à amorosa intercessão de Nossa Senhora todas as famílias do mundo e, de modo especial, as vossas famílias, as famílias irlandesas. Maria, nossa Mãe, conhece as alegrias e as canseiras que se vivem em cada lar. Conservando-as no seu Imaculado Coração, apresenta-as amorosamente no trono de seu Filho.

Como recordação da minha visita, trouxe o dom dum terço. Sei como é importante, neste país, a tradição do terço em família. Peço-vos: continuai com esta tradição! Quantos corações de pais, mães e filhos, no decorrer dos anos, tiraram consolação e força da meditação sobre a participação de Nossa Senhora nos mistérios gozosos, luminosos, dolorosos e gloriosos da vida de Cristo!

Maria é Mãe. Maria é nossa Mãe, é também Mãe da Igreja, e é a Ela que entregamos hoje o caminho do povo fiel de Deus nesta «Ilha de Esmeralda». Pedimos que as famílias sejam sustentadas no seu compromisso de espalhar o Reino de Cristo e cuidar dos últimos dentre os nossos irmãos e irmãs. Que as famílias sejam, no meio dos ventos e tempestades que enfuriam nos nossos tempos, baluartes de fé e bondade que, segundo as melhores tradições da nação, resistem a tudo o que pretenda diminuir a dignidade do homem e da mulher, criados à imagem de Deus e chamados ao destino sublime da vida eterna.

Que Nossa Senhora olhe com misericórdia para todos os membros atribulados na família do seu Filho. Ao rezar diante da sua imagem, apresentei-Lhe de modo particular todos os sobreviventes vítimas de abusos por membros da Igreja na Irlanda. Nenhum de nós pode deixar de se comover perante as histórias de menores que sofreram abusos, foram despojados da sua inocência ou que foram afastados das mães, e abandonados à deformação de dolorosas recordações. Esta chaga aberta nos desafia a sermos firmes e decididos na busca da verdade e da justiça. Imploro o perdão do Senhor para estes pecados, para o escândalo e a traição sentidos por muitos na família de Deus. Peço à nossa Bem-aventurada Mãe que interceda por todas as pessoas sobreviventes de abusos de qualquer tipo e confirme cada membro da família cristã no decidido propósito de nunca mais permitir que se verifiquem tais situações, bem como que interceda por todos nós, para que possamos sempre proceder com justiça e reparar, em quanto dependa de nós, tanta violência.

A minha peregrinação a Knock permite-me também dirigir uma cordial saudação à amada população da Irlanda do Norte: Embora a minha viagem para o Encontro Mundial das Famílias não inclua uma visita ao Norte, asseguro-vos a minha estima e a minha proximidade na oração. Peço a Nossa Senhora que sustente todos os membros da família irlandesa para que perseverem, como irmãos e irmãs, na obra de reconciliação. Com gratidão pelos progressos ecuménicos e pelo significativo crescimento de amizade e colaboração entre as comunidades cristãs, rezo para que todos os discípulos de Cristo continuem com perseverança os esforços por fazer avançar o processo de paz e construir uma sociedade harmoniosa e justa para os filhos de hoje, sejam cristãos, sejam muçulmanos, sejam judeus, sejam de qualquer fé: filhos da Irlanda.

E agora, com estas intenções e todas aquelas que trazemos no coração, dirijamo-nos à Bem-aventurada Virgem Maria com a oração do Angelus.

Quero dirigir uma saudação especial aos homens e mulheres reclusos neste país e, de modo particular, agradecer a quantos me escreveram ao saber da minha vinda à Irlanda. Quero vos dizer: estou muito próximo de vós, muito próximo. A vós e aos vossos familiares, asseguro a minha proximidade e a minha oração. Que Maria, Mãe de Misericórdia, vele por vós e vos fortaleça na fé e na esperança. Obrigado!


Santa Missa no Parque Fénix

Ontem estive reunido com oito sobreviventes de abuso de poder, de consciência e sexual. Tomando o que eles me disseram, gostaria de colocar diante da misericórdia do Senhor estes crimes e pedir perdão por eles.

Pedimos perdão pelos abusos na Irlanda, abusos de poder e de consciência, abusos sexuais realizados por membros qualificados da Igreja. Em particular, pedimos perdão por todos os abusos cometidos em diversos tipos de instituições dirigidas por religiosos e religiosas e outros membros da Igreja. E pedimos perdão pelos casos de exploração do trabalho a que tantos menores foram submetidos.

Pedimos perdão pelas vezes que, como Igreja, não oferecemos aos sobreviventes de qualquer tipo de abuso, com ações concretas, a compaixão, e a busca de justiça e verdade. Pedimos perdão.

Pedimos perdão por alguns membros da hierarquia que não cuidaram dessas situações dolorosas e guardaram o silêncio. Pedimos perdão.

Pedimos perdão pelas crianças que foram separadas de suas mães e por todas aquelas vezes em que se dizia a muitas mães solteiras que tentavam encontrar seus filhos que lhes foram separados, ou aos filhos que procuravam suas mães, que se tratava de “pecado mortal”. Isso não é pecado mortal, mas sim o quarto Mandamento! Pedimos perdão.

Que o Senhor mantenha e aumente este estado de vergonha e compunção, e nos dê a força para comprometer-nos a trabalhar para que nunca mais isso aconteça e para que se faça justiça. Amém

Homilia do Papa Francisco

«Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68).

No termo deste Encontro Mundial das Famílias, reunimo-nos como família ao redor da mesa do Senhor. Agradecemos ao Senhor pelas inúmeras bênçãos recebidas nas nossas famílias. Queremos empenhar-nos a viver plenamente a nossa vocação, para sermos, segundo as comoventes palavras de Santa Teresa do Menino Jesus, «o amor no coração da Igreja».

Neste momento precioso de comunhão de uns com os outros e com o Senhor, é bom fazer uma pausa e considerar a fonte de todas as coisas boas que recebemos. Jesus revela a origem destas bênçãos no Evangelho de hoje, quando fala aos seus discípulos. Muitos deles estavam perplexos, confusos e até irados, hesitando se aceitar ou não as suas «palavras duras», tão contrárias à sabedoria deste mundo. Em resposta, o Senhor diz-lhes diretamente: «As palavras que vos disse são espírito e são vida» (Jo 6, 63).

Com a sua promessa do dom do Espírito Santo, estas palavras aparecem transbordantes de vida para nós que as acolhemos na fé. Indicam a fonte última de todo o bem que experimentamos e celebramos aqui nestes dias: o Espírito de Deus, que sopra constantemente nova vida sobre o mundo, nos corações, nas famílias, nos lares e nas paróquias. Cada dia novo na vida das nossas famílias e cada nova geração trazem consigo a promessa dum novo Pentecostes, um Pentecostes doméstico, uma nova efusão do Espírito, o Paráclito, que Jesus nos envia como nosso Advogado, nosso Consolador e Aquele que verdadeiramente nos dá coragem.

Quanta necessidade tem o mundo deste encorajamento que é dom e promessa de Deus! Que vós possais, como um dos frutos desta celebração da vida familiar, regressar às vossas casas e tornar-vos fonte de encorajamento para os outros, para partilhar com eles «as palavras de vida eterna» de Jesus. Na verdade, as vossas famílias são quer um lugar privilegiado quer um meio importante para difundir estas palavras como «boas notícias» para cada um, especialmente para quantos desejam deixar o deserto e a «casa da escravidão» (cf. Js 24, 17) a fim de irem para a terra prometida da esperança e da liberdade.

Na segunda Leitura de hoje, São Paulo diz-nos que o matrimónio é uma participação no mistério da fidelidade perene de Cristo à sua esposa, a Igreja (cf. Ef 5, 32). Mas esta doutrina, embora magnífica, pode aparecer a alguém como uma «palavra dura». Porque viver no amor, como Cristo nos amou (cf. Ef 5, 2), implica a imitação do próprio sacrifício de Si mesmo, implica morrer para nós mesmos a fim de renascer para um amor maior e mais duradouro: aquele amor, o único que pode salvar o mundo da escravidão do pecado, do egoísmo, da ganância e da indiferença às necessidades dos menos afortunados. Este é o amor que conhecemos em Jesus Cristo. Encarnou-Se no nosso mundo por meio duma família, e em cada geração, através do testemunho das famílias cristãs, tem o poder de romper todas as barreiras para reconciliar o mundo com Deus e fazer de nós aquilo que desde sempre estamos destinados a ser: uma única família humana que vive conjuntamente na justiça, na santidade, na paz.

A tarefa de dar testemunho desta Boa Nova não é fácil. Mas, de certo modo, os desafios que hoje enfrentam os cristãos não são mais difíceis do que aqueles que tiveram de enfrentar os primeiros missionários irlandeses. Penso em São Columbano, que, com o seu pequeno grupo de companheiros, levou a luz do Evangelho às terras da Europa numa época de obscuridade e decadência cultural. O seu extraordinário sucesso missionário não se baseara em métodos táticos ou planos estratégicos, não, mas numa humilde e libertadora docilidade às sugestões do Espírito Santo. Foi o seu testemunho diário de fidelidade a Cristo e entre eles que conquistou os corações que desejavam ardentemente uma palavra de graça e que contribuiu para fazer nascer a cultura europeia. Tal testemunho permanece uma fonte perene de renovação espiritual e missionária para o povo santo e fiel de Deus.

Naturalmente, haverá sempre pessoas que se oporão à Boa Nova, que «murmurarão» contra as suas «palavras duras». Todavia, como São Columbano e os seus companheiros que enfrentaram águas geladas e mares tempestuosos para seguir Jesus, não nos deixemos jamais influenciar ou desanimar pelo olhar gelado da indiferença ou pelos ventos borrascosos da hostilidade.

Contudo reconheçamos humildemente que, se formos honestos com nós mesmos, poderemos também nós achar duros os ensinamentos de Jesus. Como permanece difícil perdoar àqueles que nos magoam! Que grande desafio continua a ser o acolhimento do migrante e do estrangeiro! Como é doloroso suportar a desilusão, a rejeição, a traição! Como é incómodo proteger os direitos dos mais frágeis, dos nascituros ou dos mais idosos, que parecem estorvar o nosso sentido de liberdade!

Mas é precisamente em tais circunstâncias que o Senhor nos pergunta: «Também vós quereis ir embora?» (Jo 6,67). Com a força do Espírito que nos encoraja e com o Senhor sempre ao nosso lado, podemos responder: «Nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus» (v. 69). Com o povo de Israel, podemos repetir: «Também nós serviremos o Senhor, porque Ele é o nosso Deus» (Js 24,18).

Com os sacramentos do Batismo e da Confirmação, cada cristão é enviado para ser um missionário, um «discípulo missionário» (cf. Evangelii gaudium, 24). A Igreja, no seu conjunto, é chamada a «sair» para levar as palavras de vida eterna às periferias do mundo. Que esta nossa celebração de hoje confirme cada um de vós – pais e avós, crianças e jovens, homens e mulheres, frades e freiras, contemplativos e missionários, diáconos e sacerdotes e bispos – na partilha da alegria do Evangelho! Possais partilhar o Evangelho da família como alegria para o mundo.

Ao preparar-se cada um para retomar a própria estrada, renovemos a nossa fidelidade ao Senhor e à vocação a que chamou cada um de nós. Fazendo nossa a oração de São Patrício, repita cada um com alegria: «Cristo dentro de mim, Cristo atrás de mim, Cristo ao meu lado, Cristo debaixo de mim, Cristo acima de mim» [repete-o em gaélico]. Com a alegria e a força conferidas pelo Espírito Santo, digamos-Lhe confiadamente: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68).

Agradecimento ao concluir a Santa Missa

No termo da Celebração Eucarística que conclui este Encontro Mundial das Famílias, um dom maravilhoso de Deus para nós e toda a Igreja, desejo dizer «obrigado» de coração a todas as pessoas que colaboraram, de várias maneiras, para a sua realização. Agradeço ao arcebispo Martin e à arquidiocese de Dublin o trabalho de preparação e organização. Particular gratidão, exprimo pelo apoio e assistência assegurados pelo governo, as autoridades civis e tantos voluntários, da Irlanda e de vários outros países, que generosamente ofereceram o seu tempo e empenho. Um «obrigado» muito sentido, quero ainda expressar a todas as pessoas que rezaram por este Encontro: idosos, crianças, religiosos e religiosas, doentes, reclusos... Estou certo de que o sucesso da iniciativa se deve às orações, simples e perseverantes, de todos eles. Obrigado a todos. Que o Senhor vos recompense!


Encontro com os bispos no convento das Irmãs Dominicanas

Queridos Irmãos Bispos!

Com a minha visita à Irlanda prestes a terminar, dou graças por esta oportunidade de passar alguns momentos convosco. Agradeço ao Arcebispo Eamon Martin pelas suas amáveis palavras de apresentação e saúdo-vos a todos com afeto no Senhor.

O nosso encontro desta tarde retoma o fraterno debate que tivemos em Roma no ano passado, durante a vossa visita ad limina Apostolorum. Nestas breves ideias, gostaria de retomar o nosso colóquio anterior, no espírito do Encontro Mundial das Famílias que acabamos de celebrar. Todos nós, como Bispos, estamos cientes da nossa responsabilidade de ser pais para o santo povo fiel de Deus. Como bons pais, pretendemos encorajar e inspirar, reconciliar e unir, e sobretudo preservar todo o bem transmitido de geração em geração nesta grande família que é a Igreja na Irlanda. É verdade que a Igreja na Irlanda continua forte, é verdade.

Por isso, nesta tarde, a palavra que vos dirijo é de encorajamento – em continuidade com a homilia - nos vossos esforços, em momentos tão desafiadores, de perseverar no vosso ministério de arautos do Evangelho e pastores do rebanho de Cristo. De modo particular, agradeço a solicitude que demonstrais para com os pobres, os excluídos e os necessitados de ajuda, como testemunha a vossa recente carta pastoral sobre os sem-teto e sobre as dependências. Agradeço também pela ajuda que prestais aos vossos sacerdotes, cuja tristeza e desânimo por causa dos recentes escândalos são muitas vezes ignorados. Permanecei próximos aos sacerdotes! São o próximo mais próximo que tendes, como bispos.

Naturalmente um tema presente na minha visita foi o da necessidade que tem a Igreja de reconhecer e remediar, com honestidade evangélica e coragem, os erros do passado – pecados graves - relativos à proteção das crianças e adultos vulneráveis. Entre esses, as mulheres maltratadas. Nos últimos anos vós, como corpo episcopal, procedestes resolutamente não só empreendendo percursos de purificação e reconciliação com as vítimas, as vítimas e os sobreviventes dos abusos, mas também fixando, com a ajuda do National Board para a tutela das crianças na Igreja na Irlanda, um conjunto rigoroso de normas tendentes a garantir a segurança dos jovens. Nestes anos, todos nós tivemos de abrir os olhos - é doloroso - para a gravidade e a extensão do abuso de poder, de consciência e sexual em diferentes contextos sociais. Na Irlanda, como noutros lugares, a honestidade e a integridade com que a Igreja decide enfrentar este capítulo doloroso da sua história pode oferecer um exemplo e um apelo a toda a sociedade. Continuai assim. As humilhações são dolorosas, mas fomos salvos pela humilhação do Filho de Deus, e isso nos dá coragem. As chagas de Cristo nos dão coragem. Peço-vos, por favor, proximidade – esta é a palavra: proximidade – ao Senhor e ao povo de Deus. Proximidade. Não repitais posturas de distanciamento e clericalismo que algumas vezes, na vossa história, criaram a imagem real de uma Igreja autoritária, dura e autocrática.

Como mencionamos no nosso colóquio em Roma, a transmissão da fé na sua integridade e beleza representa um significativo desafio no contexto da rápida evolução da sociedade. O Encontro Mundial das Famílias deu-nos grande esperança e encorajamento sobre o facto de que as famílias se vão tornando cada vez mais conscientes do seu papel insubstituível na transmissão da fé. A transmissão da fé, fundamentalmente, se faz em família; a fé é transmitida “em dialeto”, no dialeto da família. Ao mesmo tempo, as escolas católicas e os programas de instrução religiosa continuam a desempenhar uma função indispensável para se criar uma cultura de fé e um sentido de discipulado missionário. Sei que isto representa motivo de cuidado pastoral para todos vós. A formação religiosa genuína requer professores fiéis e alegres, capazes de formar não só as mentes, mas também os corações para o amor de Cristo e a prática da oração. Às vezes pensamos que formar na fé signifique dar conceitos religiosos, e não pensamos na formação do coração, formar atitudes. Ontem, o presidente da Nação me dizia que tinha escrito um poema sobre Descartes e dizia mais ou menos assim: «A frieza no pensamento matou a música do coração». Formar a mente, sim, mas também o coração. E ensinar a rezar: ensinar as crianças a rezarem; desde o começo, a oração. A preparação de tais professores e a divulgação de programas da formação permanente são essenciais para o futuro da comunidade cristã, na qual um laicado comprometido se sinta cada vez mais chamado a levar a sabedoria e os valores da sua fé aos diversos setores do seu empenho na vida social, cultural e política do país.

Os transtornos dos últimos anos puseram à prova a fé tradicionalmente forte do povo irlandês. Mas proporcionaram também a oportunidade para uma renovação interior da Igreja neste país e indicaram novas formas de imaginar a sua vida e missão. «Deus é sempre novidade» e «impele-nos a partir sem cessar e a mover-nos para ir mais além do conhecido» (Exort. ap. Gaudete et exsultate, 135). Possais vós, com humildade e confiança na sua graça, discernir e empreender novos caminhos para estes tempos novos. Sede corajosos e criativos. Certamente, o forte sentido missionário enraizado na alma do vosso povo inspirar-vos-á as sendas criativas para testemunhar a verdade do Evangelho e fazer crescer a comunidade dos crentes no amor de Cristo e no zelo pelo crescimento do seu Reino.

Possais, nos vossos esforços diários por ser pais e pastores da família de Deus neste país – pais, por favor, não padrastos -, ser sempre sustentados pela esperança que se baseia na verdade das palavras de Cristo e na certeza das suas promessas. Em todo o tempo e lugar, esta verdade torna-nos livres (cf. Jo 8, 32); possui um poder intrínseco próprio para convencer as mentes e atrair a ela os corações. Sempre que, vós e o vosso povo, vos sentirdes um pequeno rebanho exposto à desafios e dificuldades, não desanimeis. Como São João da Cruz nos ensina, é na noite escura que a luz da fé brilha mais pura nos nossos corações. E essa luz mostrará o caminho para a renovação da vida cristã na Irlanda nos anos futuros.

Por fim, no espírito da comunhão eclesial, peço-vos que continueis a fomentar unidade e fraternidade entre vós, é muito importante; e também juntamente com os líderes doutras comunidades cristãs, a trabalhar e rezar fervorosamente pela reconciliação e a paz entre todos os membros da família irlandesa. Hoje no almoço, estava eu e [as autoridades] de Dublin e da Irlanda do Norte… unidos, todos. E uma coisa que digo sempre, mas deve-se repetir: qual é a primeira tarefa do bispo? Digo-o a todos: a oração. Quando os cristãos helenistas foram lamentar-se porque não se estava cuidando das suas viúvas [cf. Atos dos Apóstolos 6,1], Pedro e os apóstolos inventaram os diáconos. Depois, quando Pedro explica como se deverá proceder, conclui assim: «E a nós [apóstolos], corresponderá a oração e o anúncio da palavra». Eu lanço ali a pergunta, cada um responde na “própria casa”: quantas horas por dia cada um de vocês reza?

Com estes pensamentos, queridos irmãos, asseguro-vos as minhas orações pelas vossas intenções e peço que vos lembreis de mim nas vossas. A todos vós e aos fiéis confiados à vossa solicitude pastoral, concedo a minha Bênção, penhor de alegria e força no Senhor Jesus Cristo.

Estou próximo de vós: continuai avançando, coragem! O Senhor é muito bom. E Nossa Senhora nos protege. E quando as coisas estão um pouco difíceis, rezai Sub tuum praesidium, pois os místicos russos diziam que nos momentos de turbulência espiritual, devemos caminhar sob o manto da Santa Mãe de Deus, sub tuum praesidium. Muito obrigado! E agora vos darei a bênção.

Rezemos junto a Ave Maria.

May God bless you all, the Father, the Son and the Holy Spirit.

Thank you very much.

Libreria Editrice Vaticana / Rome Reports