O estudo

Nos primeiros anos do Opus Dei, São Josemaria se dirigia a jovens universitários e ensinava que para eles estudar era “uma obrigação grave” e que um tempo de estudo era também de oração. Na época, era uma grande novidade...

  1. Importância do estudo para o crescimento intelectual
  2. Estudo e vida interior
  3. O estudo ordenado à formação profissional e cultural
  4. Estudo e desenvolvimento da personalidade

“Se tens de servir a Deus com a tua inteligência, para ti estudar é uma obrigação grave”[1]. Pedro Rodríguez, em seu comentário a este ponto de Caminho, sublinha o “caráter central do estudo (para a atividade científica) e do trabalho em geral”, por uma motivação “teológica, espiritual e apostólica”, tanto com relação às profissões qualificadas, como para os universitários, para os intelectuais, para toda atividade profissional[2]. O estudo é, com efeito, um elemento fundamental para adquirir a devida competência profissional, para melhorar a própria capacitação nas tarefas que cada um realiza.

A importância do estudo cresce se se leva em conta o amor e o serviço à verdade: “Mediante o estudo, serás capaz de expor os motivos da tua certeza: de que não há contradição – não pode havê-la – entre Verdade e ciência, entre Verdade e vida”[3]. A busca e a contemplação da verdade é, com efeito, o que faz do estudo um instrumento imprescindível para o crescimento intelectual, para o aperfeiçoamento da vida espiritual, para alcançar o prestígio no trabalho profissional e, finalmente, para o desenvolvimento da própria personalidade. Daí que se tenha podido escrever, comentando o valor do estudo para São Josemaria: “O estudioso possui um rico panorama mental... que não o satisfaz, e levanta o espírito, procura as dimensões do mundo e se convence de que são pequenas. O estudo é caminho para Deus”[4]. Sendo assim, compreende-se que já no terceiro ponto do capítulo de Caminho dedicado ao estudo lê-se: “O estudo, a formação profissional seja qual for, é obrigação grave entre nós”[5].

1. Importância do estudo para o crescimento intelectual

Nos vinte e oito textos do capítulo “Estudo” de Caminho, “entre considerações doutrinais e aplicações práticas, Josemaria Escrivá desenvolve uma teologia e uma moral do estudo que constitui um verdadeiro vade-mécum para guiar a conduta dos professores, dos pesquisadores e dos alunos universitários”[6]. Tal teologia e moral do estudo insere-se essencialmente num conceito chave dentro da doutrina de São Josemaria, e sem o qual não é possível a compreensão da sua mensagem: a “unidade de vida”, categoria central em seu pensamento. O estudo supõe, com efeito, um compromisso com a verdade, que requer, por sua vez, uma atitude vital fundamental, que se pode resumir sustentando que o esforço por alcançar a verdade comporta “a luta para adequar a ela a própria vida”[7].

O estudo, enquadrado dentro da doutrina sobre a unidade de vida, leva ao aperfeiçoamento intelectual do ser humano que trabalha com empenho na busca de um saber, que deve chegar a descobrir o significado mais profundo da realidade, redundando isso então no próprio crescimento. Por isso – sublinhava São Josemaria – “no momento em que aprendemos alguma coisa, descobrimos outras que ignorávamos e que constituem um estímulo para continuarmos este trabalho sem nunca dizer que basta”[8]: produz-se deste modo um crescimento que é ao mesmo tempo intelectual e pessoal.

Tudo isso exige que a pessoa que estuda cresça em sua dimensão não só especulativa, mas também moral e espiritual: sem isso, o estudo corre o risco de desembocar em mera erudição. Para um cristão, implica também em aprofundar racionalmente na doutrina da fé, que leva desentranhar o significado da mais profunda e intima verdade sobre a pessoa humana e a sua relação com Deus[9]. Deste modo, o estudo, o amor à verdade e a unidade de vida entrelaçam-se na consciência da filiação divina que anima a espiritualidade da doutrina de São Josemaria.

A pessoa cresce ao dignificar as ideias aprendidas a partir da perspectiva mencionada, e a inteligência se torna “capaz de entender e adorar a Deus”[10]. Descobre-se assim, no fundo desta mensagem a mentalidade católica e universal que alenta a mensagem sobre o estudo; sobretudo quando ele mesmo transcreve algumas características desta mentalidade: “Amplidão de horizontes e um aprofundamento enérgico no que é permanentemente vivo na ortodoxia católica; Empenho reto e sadio – nunca frivolidade – em renovar as doutrinas típicas do pensamento tradicional, na filosofia e na interpretação da história...; uma cuidadosa atenção às orientações da ciência e do pensamento contemporâneo”[11].

À luz, então, do próprio desígnio divino sobre toda a criação, a razão humana – aberta para além dos limites de sua subjetividade – pode reconhecer que todas as coisas são criadas e, portanto, trazem em si a referência a Deus: o homem “descobre a palavra divina que jaz inconsciente nelas, a palavra criadora”[12]. Tendo a inteligência iluminada por esta verdade, a ação do ser humano neste mundo é vista através de um novo prisma, a partir do qual se compreende que é caminho para seu fim eterno e transcendente: “A fé cristã, (...) leva-nos a ver o mundo como criação do Senhor, a apreciar, portanto, tudo o que é nobre e belo, a reconhecer a dignidade de cada pessoa, feita à imagem de Deus”[13].

2. Estudo e vida interior

“Está certo que ponhas esse empenho no estudo, sempre que ponhas o mesmo empenho em adquirir a vida interior”[14]. Em estreita continuidade com o crescimento intelectual o estudo se enlaça com a própria vida interior do homem que busca a verdade. Daí que São Josemaria tivesse indicado a necessidade de uma “preocupação geral da alma fiel por descobrir o significado mais profundo deste mundo, que é obra do Criador. (...) Se o mundo saiu das mãos de Deus, se Ele criou o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1, 26) e lhe deu uma chispa da sua luz, o trabalho da inteligência – mesmo que seja um trabalho duro – deve desentranhar o sentido divino que já naturalmente têm todas as coisas; e à luz da fé, percebemos também seu sentido sobrenatural, que procede da nossa elevação à ordem da graça”[15].

A partir dessa perspectiva de compreensão racional da fé, o estudo é entendido, na mensagem de Escrivá, como realidade que incide na própria vida interior do cristão. Efetivamente, “ele dizia aos universitários que para eles, estudar era uma obrigação grave e que uma hora de estudo, para um estudante cristão, tinha o valor espiritual de uma hora de oração”[16]. Assim se lê no ponto 335 de Caminho: “Para um apóstolo moderno, uma hora de estudo é uma hora de oração”. Em coerência com a categoria já mencionada, da unidade de vida, fundamentada no reconhecimento da própria condição de criadas que têm todas as coisas, e da filiação divina, toda atividade comum, mas o estudo de um modo especial, contribui para a edificação da vida espiritual, que se expande em forma de apostolado no meio do mundo. É esse, ao nosso ver, o contexto das seguintes reflexões do autor: “Põe um motivo sobrenatural na tua atividade profissional de cada dia, e terás santificado o trabalho”[17] : “Estudo, trabalho, deveres iniludíveis para todo o cristão (...) São arma fundamentalíssima para quem queira ser apóstolo no meio do mundo”[18] ; “É preciso estudar..., para ganhar o mundo e conquistá-lo para Deus”[19].

O estudo, que está em estreita conexão com o próprio trabalho profissional, o está também com o cumprimento da missão cristã e com o encontro pessoal com Deus, sempre que se realizar em um clima de abertura à verdade e a Deus, fonte de toda verdade: “Então elevaremos o nível do nosso esforço, procurando que o trabalho realizado se converta em encontro com o Senhor, e sirva de base aos outros, aos que seguirão o nosso caminho... – Deste modo, o estudo será oração”[20]. E em outro lugar: “Estudante: aplica-te com espírito de apóstolo aos teus livros, com a convicção intima de que essas horas e horas são já – agora! – um sacrifício espiritual oferecido a Deus, proveitoso para a humanidade, para o teu país, para a tua alma”[21]. Vivido assim, ficará manifesto que “entre a oração e o trabalho não deve haver solução de continuidade”[22].

3. O estudo ordenado à formação profissional e cultural

Na direção indicada, enquadra-se o convite que informa a doutrina de Escrivá ao “apostolado profissional”: “Só te preocupas de edificar a tua cultura. E é preciso edificar a tua alma. Assim trabalharás como deves, por Cristo. Para que Ele reine no mundo, é necessário que haja gente que, com olhar posto no Céu, se dedique prestigiosamente a todas as atividades humanas e, dentro delas, realize silenciosamente – e eficazmente – um apostolado de caráter profissional”[23]. Daí que, no contexto da unidade de vida, estejam entrelaçados o estudo, a formação profissional e cultural e o fim último do ser humano que não é outro senão a santidade.

Como citado anteriormente, o ponto 334 de Caminho termina com a seguinte indicação: “O estudo, a formação profissional, seja qual for, é obrigação grave entre nós”. Essa “obrigação grave”, referida agora à “formação profissional seja qual for” acha-se entrelaçada no conjunto da mensagem de São Josemaria, porque “o esforço por aprender e capacitar-se é uma peça chave no edifício da santidade”[24]. Para essa capacitação profissional, relacionada ao estudo, se requer um profundo amor à verdade, como se escreveu ao falar de sua visão da universidade como serviço a Deus e às almas: “Amor à verdade: inteligência a serviço deste amor; amplidão de vistas; universalidade de horizontes; intensidade nos estudos; anseio por comunicar o que se adquiriu”[25].

O estudo integra-se então dentro da preparação cultural necessária para viver como católico no mundo contemporâneo; dirige, além disso, a formação profissional rumo a esse anseio sempre renovado de um prestígio profissional “para quem queira ser apóstolo no meio do mundo”[26]. Seus ensinamentos aparecem assim de acordo com as indicações do Concílio Vaticano II, que animava os leigos a ordenar os assuntos terrenos e temporais, conforme a ordem divina[27]. Tal ordenação, no conjunto de sua mensagem e de sua obra, não seria possível sem a adequada e contínua formação profissional e cultural proporcionada pelo estudo de qualquer tema que apareça como tarefa na vida diária de quem vive no meio do mundo. Animava assim a fazer a seguinte reflexão: “O estudo, o trabalho, é parte essencial do meu caminho. O descrédito profissional – consequência da preguiça – anularia ou tornaria impossíveis as minhas tarefas de cristão. Necessito – assim Deus o quer – do ascendente do prestígio profissional, para atrair e ajudar os outros”[28].

4. Estudo e desenvolvimento da personalidade

“Estudar é servir”[29]. E outro autor: “O estudo tem a mesma força santificadora de toda atividade humana e uma característica própria: que seu objeto imediato é a verdade. E tanto uma coisa como a outra têm uma influência direta na pessoa que se dedica ao estudo, na sociedade e na Igreja”[30]. No marco da doutrina do fundador do Opus Dei, o estudo abarca não só a dedicação à própria competência profissional, mas também à formação cultural, com o objetivo de ungir a vida social com a verdade, e com a finalidade do aperfeiçoamento da própria personalidade, que se alcança mediante o desenvolvimento da inteligência especialmente quando se refere a um encontro com Deus, quando se descobre o sentido divino das coisas criadas e de todos os saberes. E o próprio homem, no desenvolvimento da sua personalidade, redescobre diante de si a marca do amor divino em sua condição de imagem e na liberdade da sua atuação. “Aquele que de verdade tem o espírito de aprender, percebe a profunda unidade de todos os aspectos do real, das conexões, vê ‘tudo em tudo’ e a Deus em tudo. Por sua vez, quando olha para Deus, capta uma luz que lhe serve para compreender melhor todas as coisas e todas as dimensões da realidade”[31].

Tudo com claro sentido apostólico e de serviço: “Urge difundir a luz da doutrina de Cristo. Entesoura formação, enche-te de clareza de ideias, de plenitude de mensagem cristã para poder depois transmiti-la aos outros. Não esperes umas iluminações de Deus, que não tem porque dá-las, já que dispões de meios humanos concretos: o estudo, o trabalho”[32]. Se se vive assim, realizar-se-á o que era um dos grandes sonhos de São Josemaria, que haja muitas pessoas com boa formação espiritual e com competência em sua própria tarefa: “Um segredo. - Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. – Deus quer um punhado de homens ‘seus’ em cada atividade humana. – Depois... ‘pax Christi in regno Christi’ – a paz de Cristo no reino de Cristo”[33].


Bibliografia básica: Caminho, 332-359.

[1] Caminho 336.

[2] Cfr. CECH, pp. 504-505.

[3] Sulco, 572.

[4] Albareda, 1966, p. 431.

[5] Caminho, 334.

[6] Fontán, 2002, p. 19.

[7] Castillo, 2002, p. 174.

[8] Amigos de Deus, 232.

[9] cfr. Amigos de Deus, 26.

[10] Caminho, 367.

[11] Sulco, 428.

[12] Aranda, 1990, p. 104.

[13] É Cristo que passa, 99.

[14] Caminho, 341.

[15] ECP, 10.

[16] Fontán, 2002, p. 18.

[17] Caminho, 359.

[18] Sulco, 483.

[19] Sulco, 526.

[20] Sulco, 526.

[21] Sulco, 522.

[22] Sulco, 471.

[23] Caminho, 347.

[24] Ruibal, 2002, p. 65.

[25] Castillo, 2002, p. 157.

[26] Sulco, 483.

[27] cfr. LG, 31.

[28] Sulco, 781.

[29] Nieto, 1979, p. 54.

[30] Ruibal, 2002 p. 67.

[31] Alvira, 2002, pp. 603-604.

[32] Forja, 841.

[33] Caminho, 301.

Mª Jesús SOTO BRUNA

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