“Nunca pensei que poderia chegar a ser pai”

Para Sebastian Díaz, o Dia dos pais é algo totalmente inesperado. Ele nasceu na Argentina e mudou-se para Paris ainda muito pequeno. Viveu na solidão o alcoolismo do seu pai, quis se suicidar, mas, em um momento de lucidez voltou à Argentina sem saber o que o esperava. Ainda não sabia que encontraria o sentido de sua vida.

Sebastian e Cande com dois de seus filhos.

Sebastian Díaz tem apenas 32 anos. Mas sua vida parece ser um compêndio de muitas vidas. “Meus pais se conheceram em Paris, mas meu pai quis que eu nascesse em Salta para que tivesse um vínculo com a identidade do lugar onde ele nasceu e do qual se sente muito apegado. É a primeira linha de uma história que, durante muitos anos, avançou por caminhos paralelos.

Seus pais se separaram antes de que ele cumprisse um ano. Ficou com seu pai e não voltou a ver sua mãe até os 15 anos. Viajou com o seu pai à Bolívia, onde viveu dois anos, e depois foi para a França. “Comecei a escola sem falar nenhuma palavra de francês, mas aprendi em poucos meses”. Na França terminou seus estudos.

Hoje vive em Salta, na Argentina, com sua esposa, Candelária (28) e seus três filhos: Calixto (3), Rufino (2) e Hilário (quase 1 ano). Repete várias vezes que a família que ele não tinha quando criança, hoje é tudo para ele. “Cande me fez entender que não era um sonho impossível para mim ter uma família, que juntos poderíamos construir aquela família que eu nunca tive e que a esperança não estava perdida”, explica. Mas antes, ele teve que passar por muitas noites escuras.

Uma criança adulta cuidando de um pai alcoólatra

“Morávamos nos subúrbios de Paris, uma cidade muito linda para o turismo, mas que também tem outra realidade”, lembra Sebastian e continua: “Sempre estivemos mal financeiramente, então fui para a escola pública. Nossa vida econômica era bastante precária e meu pai era alcoólatra, então sempre tive que lidar com isso”. A doença do seu pai o atingiu com força. Desde muito jovem foi exposto a cenas de violência e prostituição, “eu tinha que controlar meu pai, para ele não ficar muito bravo ou sair muito dos trilhos”, diz ele.

Às vezes, tinha uma vida normal: o pai levava um prato de comida para a mesa, comprava brinquedos para ele, trabalhava - quando tinha emprego ou arranjava um bico - e se preocupava com a sua escolarização. Mas havia outra vida paralela: aquela marcada pelo álcool.

“A noite mudava absolutamente tudo. Da minha infância tenho aquela sensação de estar sempre em alerta, com um medo dentro. Quando eu tinha 10 anos, comecei a ficar sozinho em casa e sempre ficava com medo quando ele voltava, porque talvez ele estivesse com raiva e me batesse ou descontasse sua frustração chorando comigo. Ou acendia todas as luzes, me acordava e não me deixava dormir. Eu estava sujeito a suas mudanças de humor quando ele estava bêbado. Fui absorvendo hábitos, costumes, formas de relacionamento que eram totalmente disfuncionais”, conta. Um dia, aos 15 anos, depois de uma briga feia com seu pai, que tinha arrumado um emprego no Sul da França, começou a morar sozinho.

Graças ao fato de seu pai ter sido professor de filosofia em uma escola francesa muito boa, Sebastian obteve uma bolsa que lhe permitiu alcançar um nível de estudos que não poderia ter de outra forma. “Como eu morava sozinho, todos os meus amigos acabavam no meu apartamento quando queriam fugir de casa, fazer uma festa ou estar com alguém. O consumo de álcool tornou-se normal: comecei a beber todos os dias e meus colegas tinham acesso às drogas, então também comecei a incorporá-las à minha vida”, conta.

Gostava de ler e intensificou esse hábito com leituras que agora define como “sinistras”. “Obviamente me tornei totalmente ateu, totalmente niilista. Minhas leituras me levaram a desprezar o homem, a vida, absolutamente tudo. E, obviamente, houve tentativas de suicídio: eu não queria continuar vivendo e queria acabar com a minha vida. Graças a Deus não consegui”.

De uma total destruição a uma luz no caminho

Sebastian fala daquela época como se fosse realmente outra vida. Mas aquela vida o deixou com marcas profundas que levaram anos para cicatrizar e ainda doem de vez em quando. “Chegou um ponto da minha vida em que eu estava totalmente perdido. Não tinha onde morar, ficava na casa dos meus amigos, fazia rolos, não tinha objetivos, muito menos um plano para a vida. Não contemplava a possibilidade de um futuro, não sabia para onde apontar, sentia-me muito só, cada vez mais. E não queria saber de companhia”.

Porém, uma série de experiências parece ter sido um coquetel necessário para abrir os olhos. “Tive experiências de apagões, consumo excessivo, relacionamentos tóxicos, violência - muita violência - e houve um pequeno despertar em que comecei a perceber que viver em um buraco não era a coisa certa a fazer”.

Decidiu voltar para a Argentina, apesar de na adolescência não ter conseguido se adaptar. Sem saber o que faria, sentiu que era uma oportunidade para começar um outro capítulo em sua vida. Foi para Córdoba e tornou-se amigo de um grupo de pessoas de Salta. “Tentei criar algo mais saudável e percebi que a primeira coisa que tinha que fazer era limpar os consumos. Abandonei as drogas, o que foi - entre aspas - a coisa mais fácil, porque eu não tinha como consegui-las. Parei de fumar cigarros. E larguei o álcool, que foi o que mais custou, porque tive um 'clique'. Percebi que estava fora de mim a maior parte do dia”, conta.

Foi um longo processo em que houve recaídas. Sem consumir tudo isso, começou a notar um vazio em sua vida que não queria mais preencher com drogas ou álcool. “Tive que encarar isso e preencher minha vida porque não havia nada dentro. Foi um processo muito solitário, doloroso, cansativo e exigente”, recorda e explica que, como é muito metódico e pensa muito, abordou a tarefa “como quem conserta uma bicicleta. Comecei a me consertar, a pensar mais profundamente sobre os diferentes aspectos da minha vida. Me olhei no espelho com minhas misérias e não fiquei parado. Comecei a mudar. Foi aí que eu acho que minha busca por significado começou. Eu precisava de sentido na minha vida. Algo maior que o sucesso econômico ou acadêmico".

Um encontro que eu não procurava nem esperava

Seus amigos de Salta participavam de grupos de vida e missão do Movimento de Schoenstatt. Através deles conheceu o Padre Penacho. “Era a primeira vez que falava com um padre na minha vida e meio que derrubei os preconceitos que tinha sobre catolicismo e religião. Eu estava em um processo reflexivo e sabia que algo devia mudar para refazer a trama da minha vida. E assim, fio a fio, percebi que Deus tinha que ser o centro da minha vida, que a única maneira de transcender era através de Deus Pai. Isso me levou a mudar. Comecei a me aproximar do catolicismo. Fui batizado, comecei a pensar que havia um caminho. Cheguei à conclusão de que queria ser uma boa pessoa, ter Jesus como exemplo e ser a melhor versão de mim mesmo para todos”.

Naquela época, Cande apareceu em sua vida. Ela é de Salta, a mais velha de 10 irmãos, e foi criada em uma família muito tradicional. “Todo o contrário de mim”, Sebastian nos conta: “Desde muito jovem ela tinha muito claro qual o significado de sua vida, para onde estava indo e quais eram seus pilares. Apaixonei-me à primeira vista e decidi me declarar para ela, apesar de seus amigos me avisarem que esse assunto não ia colar nem por acaso”.

A relação com Cande envolveu a superação de inúmeros obstáculos. “A primeira coisa que ela fez foi falar comigo sobre o namoro como preparação para o casamento e começou a falar sobre castidade. Eu tive que procurar no dicionário o que significava essa palavra. Eu não tinha ideia de que existia tal coisa nos namoros. A França é um país muito mais liberal e eu me relacionava de uma forma diferente. O aspecto sexual era prioridade antes de começar um relacionamento”, lembra. Mas Cande tinha convicções muito fortes e Sebastian estava num processo de mudança e ficou impressionado com “a sua determinação, formação e consciência do que era importante para sua vida”.

O desejo de construir algo firme se acendeu no coração de Sebastian. “Começamos a namorar, vivemos a castidade juntos, aprendi o que é o casamento, ter uma família. Ela me ensinava como queria construir sua família e criar seus filhos. Para mim foi um grande aprendizado. Namoramos por três anos. Depois de seis meses de namoro comprei o anel de noivado e um ano depois a pedi em casamento. Depois disso, tive que ir para a África trabalhar por um ano”, conta.

Dois para percorrer o mesmo caminho

“O casamento foi um marco na minha vida. O sacramento me deu uma paz, uma tranquilidade para começar a ser dois, para construir um projeto tão profundo e gigantesco quanto a família. Tirei um peso dos ombros que era a minha solidão constante”, comenta Sebastian.

"Cande me fez entender que não era um sonho impossível para mim ter uma família, que juntos poderíamos construir aquela família que eu nunca tive e que a esperança não estava perdida"

Ser a melhor versão de si mesmo e sê-lo com alguém foi revolucionário para Sebastian. Nunca imaginou que poderia formar uma família. Não sabia o que era isso enquanto crescia e passou a infância cuidando (e cuidando-se) de um pai alcoólatra. A ideia de ser pai jamais passou pela sua cabeça. No entanto, “com essa vontade de ser santo, de ser a melhor versão de mim mesmo”, ficou evidente o desejo “de ser pai, de ter uma família, de construir aquilo que sempre quis e nunca consegui ter. O sentido da minha vida hoje está na minha família”, exclama.

Cande o aproximou do Opus Dei e ali encontrou o acompanhamento para “viver a fé de forma constante e coerente, com maior profundidade e sem ter que me isolar do mundo, mas evitando aquele mundo em que vivia antes”.

Construir o lar todos os dias

Depois do casamento vieram os filhos. E essa foi outra mudança gigante na vida de Sebastian, que está no terceiro ano do curso de Aconselhamento Familiar na Universidade Austral. “Quando eu me tornei pai, aprendi a amar incondicionalmente. Aprendi a me superar e me exigir sem nenhum tipo de recompensa para dar o melhor de mim aos meus filhos”, reflete. E confessa que a vida “gira em torno da minha família e dos meus filhos” e é isso que o motiva a procurar ferramentas para ser “um pai melhor, um marido melhor, para poder também compreender o que é uma família e encontrar ferramentas para sustentar uma família”.

Ele espera, ao final deste período de formação, poder dar palestras e seminários, além de acompanhar outras famílias no processo de cura, fortalecimento e construção de vínculos.

“Sempre digo a Cande que o maior legado que podemos deixar aos nossos filhos não é material ou econômico, mas emocional, um legado de aprendizado. Vai ser algo totalmente abstrato que vai ser medido pelos costumes, hábitos, ensinamentos, exemplos e a solidez do núcleo familiar”, diz, bastante seguro da herança que quer deixar aos filhos.

Sebastião, Cande e seus filhos Rufino (2), Hilario (quase 1), Calixto (3)
Sebastião, Cande e seus filhos Rufino (2), Hilario (quase 1), Calixto (3)

Ele era uma criança assustada. E em um ponto de sua vida venceu. Alguém começou a encher sua vida de sentido. Uma pessoa rompeu sua concha, tocou uma fibra chave e deixou que seus desejos viessem à luz. “Hoje tenho tanto a perder, que tenho o dobro da força que tinha quando comecei este caminho. Jamais deixaria ninguém destruir este edifício que estou construindo com Cande para nossos filhos e para nós mesmos”, finaliza, pronto para comemorar o Dia dos Pais.

Este artigo é um resumo do original publicado em espanhol em: MDZ