Origem e desenvolvimento da Administração dos centros

No livro recentemente publicado "O fato inesperado: Mulheres no Opus Dei (1930-1950)" oferece uma explicação histórica do surgimento das Administrações dos centros do Opus Dei. Oferecemos a tradução de um trecho desta história.

Em 1935 Escrivá havia escrito que um centro “não é colégio, nem convento, nem quartel, nem asilo, nem pensão: é família”[1]. Quando ele escreveu estas palavras, a única casa que existia era uma residência universitária masculina, a Academia-Residência DYA, que havia aberto as portas em outubro de 1934[2]. Para Josemaria Escrivá, um ambiente de família constituía um contexto particularmente propício para o desenvolvimento da personalidade[3]. Se bem que na sociedade daqueles anos, como já vimos, a criação de um lar se apoiasse sobretudo na mulher, o fundador não pensou nas mulheres que já eram do Opus Dei como protagonistas desse ambiente, nem essa atividade aparece entre as ocupações e apostolados femininos que ele começou a esboçar em seus Apontamentos íntimos, a partir de 1930.

De fato, organizou a gestão doméstica da residência sem contar com as mulheres. Em pouco tempo percebeu que não bastava que as relações entre os membros do Opus Dei tivessem um caráter fraterno: o ambiente da casa – através da ordem, da limpeza, da decoração, da alimentação – também devia transmitir esse tom familiar. Na residência DYA havia organizado as tarefas da limpeza, cozinha ou lavanderia contratando pessoal masculino que trabalhava sob a direção de um dos membros da Obra, que tinha o cargo de Administrador geral. O número de funcionários variava, mas chegaram a ter três empregados, um moço de recados e uma cozinheira. A experiência, no entanto, não tinha sido positiva. Eram frequentes as advertências de Josemaria Escrivá sobre o ambiente da residência e a necessidade de cuidar os detalhes de ordem e limpeza para que aquilo fosse um lar[4].

O próprio Escrivá e alguns membros do Opus Dei não viam inconveniente em ocupar-se da limpeza, fazer as camas e arrumar a cozinha nas temporadas em que careciam de pessoal doméstico. Chegaram, de fato, a distribuir entre si algumas tarefas como a organização dos cardápios, o abastecimento e a preparação do café da manhã. Muitos deles nunca tinham realizado este tipo de trabalho, já que, como já vimos, na sociedade de então, não passava pela cabeça de ninguém a ideia de que os homens se envolvessem no cuidado da casa. Josemaria ensinou-lhes a valorizar os trabalhos domésticos e insistia com eles na importância de realizá-los com perfeição, de modo que se convertessem em meio de crescer em virtudes e constituíssem um trabalho para oferecer a Deus[5]. Foram lições que não esqueceriam nunca. Por exemplo, Julia Bustillo, que começou a trabalhar na casa da rua Correo, em Bilbao em 1945, ficou surpreendida com a ordem e a limpeza que encontrou. Morava lá um pequeno grupo de rapazes do Opus Dei que contrataram Julia para cozinhar e cuidar das demais tarefas da casa.“No começo – recordava ela – eu não tinha lugar para dormir lá e ia para a casa de minha família: saía quando ainda estavam jantando e na manhã seguinte encontrava a louça lavada e guardada. Ajudavam-me muitas vezes a pôr a mesa”[6].

No entanto, o fundador se dava conta de que não bastava que a ordem, a limpeza e as necessidades básicas fossem atendidas para que o ambiente de família se tornasse uma realidade. Desde 1937, durante o seu confinamento na Legação de Honduras, estava pensando como encontrar a solução mais adequada. Começou a entrever algo ao observar como a sua mãe e a sua irmã tratavam os rapazes que apareciam na casa delas na rua Caracas. Sua mãe os fazia sentir-se acolhidos e queridos[7]. Talvez fosse essa ideia que lhe rondava na cabeça, já em Burgos, quando escrevia a Amparo Rodríguez Casado: “Não se esqueça de pedir ao Senhor que, se for sua vontade, conserve a vida da Avó porque precisamos dela por uns anos para trabalhar por Ele”[8].

Uma vez terminada a guerra, Escrivá, de volta a Madri, instalou provisoriamente a sua família na casa reitoral do Patronato de Santa Isabel. É possível que o modo como Dolores Albás acolhia os que chegavam em licença militar ou as mulheres do Opus Dei que também iam lá – Dolores Fisac e Amparo Rodríguez Casado – acentuasse a sua ideia do papel das mulheres para fazer de uma casa, um lar, um ponto de referência ao qual voltar[9]. Percebeu o dom feminino para converter um imóvel onde um grupo de pessoas morava, em um lar, independentemente de quem se ocupasse dos trabalhos manuais ou domésticos. E assim foi surgindo a ideia de outorgar à mulher um papel de liderança na função de dar um ar de família aos centros do Opus Dei e que, ao mesmo tempo as pessoas que participassem das atividades apostólicas se beneficiassem desse ambiente.

Em 6 de julho de 1939 foi assinado o contrato de uma casa para residência universitária masculina na rua Jenner. O terceiro andar estava reservado para Dolores Albás e seus filhos, Carmen e Santiago[10]. Mãe e filha, aceitaram o desafio de criar um lar em uma residência com as limitações e carências próprias do pós-guerra espanhol[11]. Não deviam só coordenar os trabalhos que o atendimento doméstico do centro requeria, mas também capacitar as mulheres da Obra que, a partir de 1940, começaram a frequentar essa parte independente da casa. Além disso, contrataram uma cozinheira e algumas empregadas[12].

Essa tarefa específica de conseguir o ambiente de família constitui uma prioridade para o Opus Dei

Essa tarefa específica de conseguir o ambiente de família constituía uma prioridade para que o Opus Dei correspondesse ao que Escrivá considerava seu carisma fundacional. Representava, além disso, um trabalho com valor transcendente em si mesmo pelo papel de santificação das pessoas. Por isso, fez saber a essas primeiras mulheres que, com sua dedicação às tarefas domésticas, contribuíam para a criação de verdadeiros lares de família e, portanto, para o desenvolvimento da Obra.

Tratava-se de um trabalho profissional, um modo apostólico e meio de santificação ao qual logo foi dado um nome técnico: Administração. O que se entende no Opus Dei por este termo poderia então ser definido como um modo apostólico liderado por mulheres que, de modo profissional e economicamente sustentável, transmite ao fieis da Obra e àqueles que entram em contato com os seus apostolados, um espírito de família e de santificação das realidades cotidianas profundamente evangélico que torna dinâmico todo o trabalho que as pessoas da Obra realizam no meio do mundo. Em outras palavras, a atual Secretária Central do Opus Dei, explicava que,

“no caso do Opus Dei, tantos os homens como nós, as mulheres, somos chamados a cuidar das casas da Obra. Compete a todos a limpeza, a ordem, e as diferentes tarefas necessárias para garantir que esse espaço seja reconhecido como um lar. Deus, porém, quis comprometer-se para que nunca falte quem, com entrega de mãe e com competência profissional, promova e conserve o ambiente de família, fazendo com que ninguém seja um número anônimo, mas uma pessoa querida, tendo seus gostos conhecidos e suas necessidades atendidas. Esta é a missão especifica que Deus deixou nas mãos das mulheres que a escolhem como profissão”[13].

Esta proposta tão ambiciosa trazia consigo uma dedicação feminina prioritária à Administração, já que era importante colocar os fundamentos, e adiar por um tempo o desenvolvimento em outras áreas profissionais. Mas desde o primeiro momento, tanto o fundador como as mulheres do Opus Dei tinham consciência da importância dessa dedicação e que não seria permanentemente exclusiva.

Nisa González Guzmán recordava uma aula dada por Escrivá em 1943. Falava-lhes do futuro.

“O panorama de apostolados que realizaríamos era impressionante. [...] ‘Vocês realizarão, dizia-nos, os mesmos trabalhos apostólicos da outra Seção e mais’. Então era uma porcentagem muito pequena de mulheres que cursavam a universidade e o Padre [J. Escrivá] dizia: ‘haverá filhas minhas catedráticas, arquitetas, jornalistas, médicas’; outra coisa na qual não precisamos acreditar porque é uma realidade”[14].

Com o olhar no futuro, estas mulheres puseram-se a trabalhar para tornar realidade esse panorama. Apesar de terem encontrado muitas dificuldades – que veremos mais adiante – souberam enfrentá-las com entusiasmo e iniciativa. Um entusiasmo que, por sua vez contagiava as jovens que tinham interesse em conhecer a mensagem do Opus Dei.

Trecho do livro:

O fato inesperado: Mulheres no Opus Dei (1930-1950); Alva Rodríguez, Inmaculada; Montero Díaz, Mercedes (Spanish Edition) (p. 31). Ediciones Rialp. Edição do Kindle.


[1] Instrucción, 9-I-1935, n. 164, cit. em COVERDALE, La fundación del Opus Dei, pp. 304-305.

[2] Em 15 de janeiro de 1934 DYA havia começado como academia de revisão de matérias universitárias em um apartamento da rua Luchana em Madri. Em outubro desse ano a academia mudou para a rua Ferraz, 50 e tornou-se além disso residência universitária. Cfr. GONZÁLEZ GULLÓN, DYA, pp. 142-146 e 267-278.

[3] Cfr. ESCRIVÁ DE BALAGUER, Entrevistas, p. 87.

[4] Cfr. GONZÁLEZ GULLÓN, DYA, pp. 413-420.

[5] Cfr. Ibidem.

[6] Relato de Julia Bustillo, 19 de agosto de 1975, AGP, série A.5, 199-3-10. Julia Bustillo Hurtado de Saracho (1900-1985) nasceu em Baracaldo. Pediu admissão como numerária auxiliar em 1946 quando trabalhava na Administração da residência Abando em Bilbao. Em 1947 foi para Roma onde morou muitos anos (cfr. Romana 1 [1985], p. 125).

[7] Cfr. GONZÁLEZ GULLÓN, Escondidos, pp. 254-256.

[8] Carta de Josemaria Escrivá a Amparo Rodríguez Casado, Burgos, 21 de março de 1939, AGP390321-1.

[9] Cfr. DÍAZ HERNÁNDEZ, Posguerra, p. 104.

[10] Cfr. Ibidem, p. 114.

[11] . Cfr. VÁSQUEZ DE PRADA, II, El fundador, pp. 403-405.

[12] . Cfr. DÍAZ HERNÁNDEZ, Posguerra, p. 157.

[13] Álvaro SÁNCHEZ LEÓN, Na terra como no céu. Histórias com alma, coração e vida de Javier Echevarría, Madri, Rialp, 2017, p. 136.

[14] Relato de Narcisa González Guzmán, Madri, 5 de setembro de 1975, AGP, série A.5, 0216-03-01.