Muito humanos, muito divinos (17): A delicada força da confiança

A confiança descobre as potencialidades escondidas no interior de cada um. Faz-nos crescer de forma natural, com harmonia. Torna-nos capazes de mais.

“Nenhuma pessoa é um verso solto: fazemos todos parte de um mesmo poema divino”. Os relatos individuais que tecem a história dos homens estão entrelaçados por relações de filiação, fraternidade, amizade. Nosso coração começa a bater graças à vida de outros, e será depois continuamente animado, consolado, fortalecido – ferido também – pelas pessoas que compartilham conosco o caminho da vida. O fato de depender delas, e elas de nós, não é um efeito colateral do pecado original, ao qual deveríamos resignar-nos, mas algo constitutivo do nosso ser imagem de Deus.

Embora nossa vida em sociedade pareça às vezes uma correnteza frenética que tende a nos tornar individualistas, sabemos que só somos nós mesmos apenas na relação, na interdependência: só nos encontramos quando estamos dispostos a sair de nós mesmos. Quem descobre plenamente esta realidade deixa de ver em seus próprios limites obstáculos que o impedem de ser feliz. Então os relacionamentos aparecem como pontes que ampliam o próprio mundo. Nem todos, porém, fazem esta descoberta, ou não na mesma medida e por isso em igualdade de condições, de posição social, de educação, de caráter, diferentes pessoas podem viver de modos radicalmente diversos, em função da qualidade dos seus relacionamentos: alguns, perdidos numa multidão solitária; outros, sempre acompanhados e sempre acompanhantes.

Um olhar transformador

No final da sua vida na terra, Jesus diz a seus apóstolos: “chamei-vos amigos” (Jo 15, 15). Aquele que é perfeito Deus e perfeito Homem, o modelo que contemplamos para aprender a ser homens, percorre o caminho da vida de mãos dadas com os outros. Trata-se de algo que já percebemos desde o seu primeiro encontro com os doze: Jesus cria com cada um deles uma relação que progride em um crescendo de conhecimento, de amizade, de amor, até entregar-lhes seu coração aberto de par em par. O leitor do Evangelho conhece as limitações, os defeitos daqueles que seriam depois colunas da Igreja. Por acaso, Ele não via isso? É óbvio que sim, mas a palavra do Verbo é criadora; seu olhar de amor os fortalece, porque é um olhar cheio de confiança. Esses homens toscos, sabem-se amados, escolhidos e crescem mais do que ninguém se atreveria a esperar, porque percebem a confiança do Senhor neles. O mesmo acontece também em nossa vida, quando percebemos o amor que Deus nos tem. Embora falemos frequentemente da importância de crer em Jesus, não devemos esquecer que o que mais nos transforma é o fato de que Ele confia em nós. Sim, sinal seguro de que a nossa fé está amadurecendo é que nos apoiamos cada vez mais na confiança que Deus tem em nós.

Observemos o discípulo que se manteve fiel junto de Jesus ao pé da cruz. Qual é o segredo da sua fortaleza? Talvez precisamente o título com que se refere a si mesmo: “o discípulo amado”. João descobre sua identidade no fato de ser amado por Jesus, o que dilata as suas forças, o seu coração e o torna capaz de uma fidelidade admirável. O relato que faz da última ceia reflete até que ponto ele tinha entrado, pela confiança, no coração de Jesus. E é assim: a confiança nos dá acesso a um conhecimento muito mais profundo do que é possível apenas com a razão.

Da mesma forma que Ele entrou na vida dos Apóstolos, seus amigos, Deus quer entrar na nossa. Então a nossa relação de amizade com Ele também pode seguir essa linha ascendente, de modo que a nossa capacidade de amar se dilate cada vez mais. Com um profundo respeito à nossa liberdade, Jesus nos oferece a sua amizade que manifesta uma confiança que revela quem somos para Ele. Para crescer e exercitar com leveza a nossa liberdade, precisamos ter certa segurança em nós mesmos; uma segurança fundamentada, sobretudo, em saber que alguém como Ele (e quem como Deus?) aposta em nós... Tal convicção torna possível o crescimento, porque quando uma coisa boa for difícil para nós, quando nos sentirmos incapazes de nos superarmos, a confiança de Deus em nós fortalece a nossa. A confiança sincera revela as potencialidades ocultas no interior de cada um, frequentemente escondidas por uma baixa autoestima ou pelo medo do fracasso, e impulsiona a desenvolvê-las a serviço dos outros: faz-nos crescer de forma natural, harmoniosa; torna-nos capazes de mais.

É assim que Jesus ama aos seus: sabe quem escolheu, conhece-os melhor que ninguém – melhor que eles mesmos – e aposta neles. Sabe até onde podem chegar e, contando com o tempo e com a sua correspondência, vai conduzindo-os pouco a pouco, não tem pressa de formá-los, porque sabe que esta é uma arte que requer paciência. Ele é um bom mestre e sabe “perder” tempo com eles, como os amigos. Ganha a confiança dos seus com o carinho e proporciona o conhecimento mútuo com a sua disponibilidade paciente, com a sua compreensão. Este modo de amar, tão divino e tão humano, forja uma verdadeira amizade entre o mestre e os discípulos que os envolve e faz sobressair o que há de melhor neles.

Deixando Deus entrar até o fundo

Ao Senhor, “interessam-lhe as tuas alegrias, os teus êxitos, o teu amor e também os teus apertos, a tua dor, os teus fracassos”. É necessário, por isso, falar com Ele com confiança, abrir o coração de par em par, compartilhar com Ele tudo que é nosso. Quando confiamos de verdade em alguém, tiramos as máscaras com as quais nos protegemos em outras circunstâncias: parecem-nos então inúteis; sentimos que podemos ser nós mesmos sem medo. Esta confiança revela a verdade de nosso ser e proporciona uma grande liberdade interior. Sabendo que não há amizade mais sincera que a dele, podemos deixá-lo entrar até o fundo da casa da nossa alma. Vamos deixá-lo, por acaso, na sala de estar, onde recebemos os convidados?

À medida que cresce a amizade, será natural querer mostrar-lhe cada canto da nossa vida: o escritório, para que ele nos veja realizar nosso trabalho oculto; o quarto de brinquedos onde estão as coisas que nos entusiasmam, os sonhos que nos movem; mostraremos também o quarto de despejo, cheio de coisas, umas mais úteis que outras, e dos pedaços que foram quebrando pelo caminho. Se nos dermos a conhecer, se acendermos as luzes... Ele iluminará os cantos que parecem escuros e nos fará ver os espaços que devemos pôr em ordem. E fará isso com clareza, mas sobretudo infundindo esperança, pois o seu olhar não julga, não intimida; é um olhar de amor que fortalece e eleva: é um olhar criador e redentor.

A confiança leva à confiança

O amor humano, em suas melhores expressões, fala-nos do amor de Deus. Experimentar o impulso da confiança em uma amizade, descobrir que alguém acredita em nós, leva-nos a dar o melhor de nós mesmos: percebemos que assim deve ser o olhar de Deus. Por isso, nós também devemos procurar olhar os outros como Jesus; aprender dele a ser luz para os que estão ao nosso redor. À medida que experimentamos o valor transformador da confiança de Deus e da confiança em Deus, percebemos a necessidade de oferecê-la aos outros.

“Deus muitas vezes se serve de uma amizade autêntica para realizar a sua obra salvadora”. A confiança que os bons amigos têm uns nos outros é, com frequência, o meio que Deus nos oferece para nos fazer ver o que talvez não nos atrevamos a enfrentar sozinhos. Se temos a sorte de ter verdadeiros amigos, pessoas que nos amam, que querem que sejamos melhores, felizes, e, se já nos atrevemos a abrir-lhes esses espaços de intimidade, teremos percebido muitas vezes que o nosso mundo interior se enriquece quando o compartilhamos.

Quando existe um clima de confiança, não temos medo de que os outros vejam nossas fraquezas e lutas, nem de compartilhar projetos e sonhos. Sabemos que quem nos ama nos ajudará precisamente a superar os nossos limites e a evitar que se transformem em barreiras. Na dinâmica humana de dar e receber, dar-nos implica compartilhar a nossa singularidade, mostrar-nos com autenticidade. Chegar a este ponto dá-nos uma liberdade muito grande, mas requer o esforço de sair de nós mesmos: a disposição de expor-nos apesar de saber que isso nos torna vulneráveis. A confiança leva à confiança, e o risco de ser ferido não se compara com o ganho que representa amar e ser amado.

Palavra que fortalece, que cura, que anima

A confiança é base para que qualquer relação funcione; para que as pessoas cresçam pessoal e profissionalmente; para qualquer trabalho de formação. Por isso, quando queremos ajudar outras pessoas, destacamos imediatamente a importância da escuta, a compreensão ou a paciência, etc., mas na verdade necessitamos de muito mais: confiar nas pessoas leva-nos a olhar para elas com otimismo, a acreditar nelas, a projetar as suas potencialidades, a ter esperança no que podem chegar a ser, de modo que nos entusiasmemos também com suas lutas.

“Seguindo o exemplo do Senhor – escreve São Josemaria – compreendei vossos irmãos com um coração muito grande, que não se assuste com nada, e amai-os verdadeiramente (...). Sendo muito humanos, sabereis passar por cima de pequenos defeitos e ver sempre, com compreensão maternal, o lado bom das coisas”.

Agir assim não implica afastar-nos da realidade, deixar de ver as limitações ou defeitos dos outros. Se tivermos carinho por eles, vamos querer que sejam melhores: conhecendo-os e amando-os, a partir da amizade e da fraternidade que nos une, poderemos adverti-los sobre os possíveis perigos que não veem, ou poderemos sugerir-lhes algo que não entendem à primeira vista e descobriremos com eles o bem que se esconde atrás dessa nova perspectiva. O carinho sincero para com o outro torna possível um clima de liberdade, de confiança, que se manifesta na clareza com que expomos a razão pela qual lhe convém esforçar-se num determinado ponto de luta, de modo que se sinta acompanhado por nós no caminho e não empurrado a atuar de modo irracional. “A função do diretor espiritual é ajudar a que a alma queira – que queira mesmo – cumprir a vontade de Deus”.

Pode suceder, às vezes, que querendo ajudar alguém que parece não ouvir, deixamo-nos levar pelo preconceito de que, na verdade, a pessoa não quer, não aceita. Não podemos esquecer que somos frágeis, e que o caminho, além de proporcionar aprendizagem, deixa às vezes feridas que tardam a cicatrizar. Não raramente a dor provocada por esses golpes leva a construir barreiras que isolam, que protegem de possíveis sofrimentos, mas que também tornam difícil recuperar a confiança necessária para continuar crescendo.

A palavra que fortalece, que cura, que anima, é a palavra mais puramente humana. Só se houver confiança, carinho sincero, gratuito, conectaremos com o outro, e nossa palavra participará, com a graça de Deus, do seu poder criador: será então manifestação do seu amor, e ajudará a cicatrizar essas feridas “Deus conhece cada um profundamente, incluindo as jornadas de sofrimento, e olha para todos nós com ternura. Aprendamos do Senhor a olhar deste modo, a compreender a todos (...) a nos colocarmos no lugar do outro”. Temos que ser pacientes e ir semeando confiança com carinho, com detalhes que manifestam o nosso interesse sincero. Deus quis que precisássemos uns dos outros, e atua na história humana através dos homens e das mulheres, contando com cada um para que nos ajudemos mutuamente.

Quem tem uma responsabilidade sobre outros deve ficar atento ao risco de querer dar sempre soluções ou respostas. Podemos pensar, às vezes, quase inconscientemente, que ajudamos o outro quando conseguimos que ele assuma o nosso modo pessoal de obter os melhores resultados. A tarefa de formação, no entanto, não consiste em conseguir que o outro caminhe como nós queremos. Pretender que os outros se ajustem a certos moldes predeterminados não abre horizontes; ao contrário, poderia leva-los à frustração de quem não consegue realizar certas expectativas.

Uma boa formação é, na realidade, aquela que consegue que cada um seja, com a ajuda de Deus, o autêntico protagonista de sua vida. Quem deseja colaborar nessa tarefa, deve acompanhar, facilitar o conhecimento próprio, fazendo boas perguntas que ajudem a refletir, dando mais pistas do que respostas, embora isso exija mais esforço. Quando é a própria pessoa que descobre um horizonte e se propõe uma meta, o esforço por alcançá-la é muito mais eficaz, porque nasce de um motor interior. Embora seja preciso mais tempo conseguir os ‘resultados’ que poderíamos esperar, o próprio esforço irá configurando a pessoa de um modo bom, estável, virtuoso. Ter vivido esta experiência em primeira pessoa nos levará a dar uma grande importância à iniciativa pessoal e a estimular o protagonismo de cada um.

A confiança surge onde se percebe o amor de Deus, que é paciente, não se irrita, não guarda na memória o mal, mas tudo desculpa e tudo crê (cfr. 1 Cor 13, 4-7). Quem ama assim converte-se em mestre, em referência firme, em força delicada que leva os outros muito mais longe do que pareceria possível. Quantas surpresas temos quando respeitamos essa terra sagrada que são os outros! O Espírito Santo pode então ajudá-los a ser a melhor versão de si mesmos. Se tivermos esperança no que podem chegar a ser, se confiarmos na graça e em tudo de bom que Deus realiza neles, daremos a eles asas para voar.


[1] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 111.

[2] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 1937.

[3] Cfr. Sal 8,5-7: "O que é o homem, para que você se lembre dele, e do filho de Adão, para que você possa cuidar dele? Você o fez pouco menos do que os anjos, você o coroou com glória e honra. Você lhe dá o comando sobre as obras de suas mãos."

[4] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 218.

[5] F. Ocáriz, Carta pastoral, 1-XI-2019, n. 5.

[6] São Josemaria, Carta 27, n. 35.

[7] F. Ocáriz, Carta pastoral, 16-II-2023, n. 3-6.

[8] São Josemaria, Carta 26, n. 38.

[9] F. Ocáriz, Carta pastoral, 16-II-2023, n. 15.

Carmen Córcoles