Uma nova pesca milagrosa

O terceiro texto sobre Nossa Senhora Aparecida compara a pesca milagrosa do Evangelho, com a dos três pescadores que encontraram a imagem da Virgem.

Logo após o encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, nas águas do Rio Paraíba do Sul, os três pescadores que a encontraram lançaram novamente as redes e pegaram uma enorme quantidade de peixes, a tal ponto que tiveram receio de naufragar. Tratou-se de uma verdadeira pesca milagrosa, realizada pela intercessão de Nossa Senhora, cuja imagem se encontrava com eles na barca.

Poderíamos perguntar-nos: qual a mensagem de Maria através do sinal desta pesca milagrosa?

Para descobrirmos o seu significado, devemos recorrer ao Evangelho, que narra as duas pescas milagrosas realizadas por Cristo (cfr. Lc 5,1-11 e Jo, 21,1-13) e também observar o significado espiritual dada à pesca por Jesus. É de supor que Maria queira se utilizar desses mesmos sinais e da interpretação de seu Filho para nos falar.

Comecemos reparando nas semelhanças entre as pescas no Mar de Tiberíades e a realizada no Rio Paraíba do Sul.

Nas de Cristo, Pedro e seus companheiros tinham passado toda a noite pescando, mas sem êxito algum[1], assim como na do Rio Paraíba, depois de horas lançando as redes, também os pescadores nada tinham apanhado.

Seguindo a ordem de Jesus de lançar a rede novamente[2] os apóstolos apanharam grande quantidade de peixes[3] a ponto de, na primeira pesca milagrosa realizada por Cristo, terem medo de que a barca se afundasse[4] e, em ambas, encheram-se de espanto pelo milagre ocorrido[5].

Esses mesmos fatos ocorreram em Aparecida do Norte, com a diferença de que Maria não ordenou que lançassem a rede, mas a presença da Imagem de Nossa Senhora da Conceição, no barco, animou os pescadores a lançarem as redes novamente.

Não podemos esquecer que, depois da primeira pesca milagrosa, Jesus utilizou esta imagem para falar da missão apostólica de Pedro: “Não tenhas medo, de hoje em diante serás pescador de homens”[6]. Pedro deixou a pescaria no Mar de Tiberíades, as suas redes, o seu ofício de pescador, para seguir a Cristo a acompanhá-lo na sua missão salvífica. Passou a dedicar toda a vida à missão apostólica de conquistar almas para Deus, colocando-as aos pés de Cristo.

Os Santos Padres detêm-se com frequência nos episódios da pesca milagrosa e assim os interpretam: a barca representa a Igreja, simbolizada na sua unidade pela rede que não se rompe; o mar é o mundo; Pedro, na barca, simboliza a suprema autoridade da Igreja; o número de peixes é uma referência aos que são chamados a serem cristãos[7].

Como Pedro e os demais apóstolos, nós, cristãos no mar do mundo, somos pescadores que devem levar as pessoas a Cristo, porque as almas continuam a ser de Deus e para Deus [8].

São Josemaria Escrivá traça importantes considerações a respeito:

“É tarefa dos filhos de Deus conseguir que todos os homens entrem - com liberdade - dentro da rede divina, para que se amem. Se somos cristãos, temos de converter-nos nesses pescadores de que fala o profeta Jeremias, servindo-se de uma metáfora que o próprio Cristo utilizou repetidamente:Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens, diz Ele a Pedro e a André”[9].

“Vamos acompanhar Cristo nesta pesca divina. Jesus está junto do lago de Genesaré e as multidões comprimem-se à sua volta, ansiosas por ouvir a palavra de Deus. Tal como hoje! Não estais vendo? Andam desejosas de ouvir a palavra de Deus, embora o dissimulem exteriormente. Talvez este ou aquele se tenha esquecido da doutrina de Cristo; outros - sem culpa própria - nunca a aprenderam, e veem a religião como algo estranho. Mas convencei-vos de uma realidade sempre atual: chega sempre um momento em que a alma não pode mais, em que não lhe bastam as explicações habituais, em que não a satisfazem as mentiras dos falsos profetas. E, mesmo que nem então o admitam, essas pessoas sentem fome de saciar a sua inquietação nos ensinamentos do Senhor (...)

É Cristo o dono da barca. É Ele quem prepara a faina. Foi para isso - para cuidar de que os seus irmãos descobrissem o caminho da glória e do amor ao Pai – que Ele veio ao mundo. Não fomos nós, portanto, que inventamos o apostolado cristão. Nós, os homens, quando muito, o dificultamos, com os nossos modos desastrados, com a nossa falta de fé”. [10]

Se algo fica evidente na ação dos Apóstolos foi uma paciência a toda prova. Depois de ter trabalhado toda a noite, lançaram novamente as redes apoiados naspalavras de Cristo. A eficácia da pesca vem da obediência a Cristo dos apóstolos, que não perderam a paciência. Nós também devemos ser constantes no nosso apostolado pessoal.

Da nossa insistência Cristo se serve para, com a sua graça, conceder frutos abundantes ao nosso trabalho apostólico. Temos que procurar ser, apenas, bons canais da graça. Normalmente as pessoas se aproximarão pouco a pouco do bem, da verdade e da graça. E alguns oferecerão maior ou menor resistência. Da nossa parte está o esforço de facilitar o trabalho da graça com o nosso sorriso, com o nosso carinho, com o nosso exemplo, com a nossa oração e com o nosso sacrifício.

Peçamos a Santa Maria que nos ajude a imitar Jesus, de tal modo que, no nosso relacionamento, sigamos aquele conselho: “Não podes ser apenas um elemento passivo. Tens de converter-te em verdadeiro amigo dos teus amigos: «ajudá-los». Primeiro com o exemplo da tua conduta. E depois, com o teu conselho e com o ascendente que a intimidade confere”[11].

A pesca milagrosa no Rio Paraíba do Sul nos ensina que devemos contar com a poderosa intercessão da nossa Padroeira, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, para realizarmos um apostolado superabundante em terras brasileiras.

Recorramos com confiança à onipotência suplicante de Maria, que nos alcançará de Deus a graça de verdadeiras pescas milagrosas, em que muitos de nossos conhecidos, parentes e amigos sejam resgatados pelas redes salvadoras de Cristo.


[1] Cfr. Lc. 5,5; Jo 21,3.

[2] Cfr. Lc 5,4; Jo 21,6.

[3] Cfr Lc 5,6; Jo 21,6.

[4] Cfr. Lc 5, 7.

[5] Cfr. Lc 5,9; Jo 21,9.

[6] Lc 5,10.

[7] cfr. Santo Agostinho, Comentários sobre São João.

[8] cfr. Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 267.

[9] Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 259.

[10] Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 260.

[11] Josemaría Escrivá, Sulco, n. 731.

Flávio Sampaio