- Maria abraça a vontade divina
- A liberdade e a entrega não se contradizem
- Deus fala-nos através de outras pessoas
JESUS encontrava-se rodeado pela multidão quando, de repente, alguém se aproximou d’Ele e disse: “Olha! Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar contigo”. Então o Senhor respondeu: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?”. E apontando para as pessoas que o procuravam, acrescentou: “Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 46-50).
Num primeiro momento, a reação de Cristo pode parecer fria. Dá a impressão de que não dá muita atenção à sua mãe. Porém, depois dirige-lhe o maior elogio porque Maria cumpriu a vontade de Deus como ninguém. Santo Agostinho diz que ela concebeu Jesus primeiro pela fé, e que é bem-aventurada porque guardou a verdade na sua mente antes que no seu seio[1]. A afirmação é atrevida: Maria é mais mãe de Cristo pela fé que pela natureza. Maria cumpriu a vontade de Deus quando aceitou a proposta do anjo para ser mãe do Messias. Mas não só. Mais tarde apareceram outras ocasiões para voltar a acolher os planos divinos.
“A Virgem não só disse fiat”, comentava São Josemaria, “mas também cumpriu essa decisão firme e irrevogável a todo o momento. Assim, também nós, quando o amor de Deus nos ferir e soubermos o que Ele quer, devemos comprometer-nos a ser fiéis, leais, mas a sê-lo efetivamente”[2]. Ao longo da nossa vida temos muitas oportunidades para abraçar a vontade de Deus, em coisas grandes e em coisas pequenas. A atitude de Maria mostra-nos que não há nada que nos faça mais felizes do que seguir com amor e liberdade os planos que o Senhor pensou para nós. “Aceita sem medo a Vontade de Deus; formula sem vacilações o propósito de edificar toda a tua vida com o que nos ensina e exige a nossa fé. Desta maneira podes ter a certeza que, mesmo com penas e inclusivamente com calúnias, serás feliz, com uma felicidade que te levará a amar os outros e a fazê-los participar da tua alegria sobrenatural”[3].
MARIA, com a sua obediência à vontade divina, desatou os nós que a desobediência de Eva tinha provocado[4]. O desejo da primeira mulher de ser como Deus tinha ferido profundamente a natureza humana. Maria, ao se declarar escrava do Senhor, permitiu que Deus se tornasse homem para nos libertar da escravidão do pecado. O sim de Nossa Senhora contribuiu, portanto, para nos dar uma liberdade nova.
Às vezes podemos pensar que a obediência e a liberdade são duas realidades contrapostas. Parece, então, que optar por uma irá sempre em detrimento da outra. Este modo de ver seria certo numa relação marcada pelo pecado. Nesse caso, obedecer aos ditames do mal contribui efetivamente para reduzir a liberdade pessoal. Pouco a pouco, a pessoa perde a autonomia para escolher o bem e se sente incapaz de agir por amor. Não se age tanto por causa de um ideal que inspira a própria existência e traz uma grande alegria, mas pela força irresistível com que o pecado se manifesta.
Maria, pelo contrário, ensina que é possível obedecer a Deus e ser autenticamente livre. “A liberdade e a entrega não se contradizem; apoiam-se mutuamente. A liberdade só se pode entregar por amor; não concebo outra espécie de desprendimento. Não é um jogo de palavras mais ou menos acertado. Na entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a liberdade renova o amor e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz de grandes ideais e de grandes sacrifícios”[5]. Por este motivo, como recorda o prelado do Opus Dei, a obediência a Deus, quando se realiza por amor, “não é apenas um ato livre, mas também um ato libertador”[6]: ela nos liberta das amarras do pecado e nos permite descobrir o bem que o cumprimento da vontade de Deus traz para a nossa vida. Essa é a felicidade sobre a qual o salmista canta: “Os preceitos do Senhor são precisos, alegria ao coração. O mandamento do Senhor é brilhante, para os olhos é uma luz” (Sl 19, 9).
AO LONGO da história da salvação, o Senhor comunicou a sua vontade através de pessoas concretas. Alguns profetas, por exemplo, exortaram os seus contemporâneos judeus a abandonar os cultos estrangeiros para adorar somente o Deus de Israel. Davi foi eleito para ser rei de Israel através de Samuel, que recebeu do Senhor a indicação de o ungir. Também hoje Deus “pode nos fazer ver sua vontade por meio das pessoas ao nosso redor, investidas de maior ou menor autoridade, dependendo do caso e do contexto. Saber que Deus pode nos falar por meio de outras pessoas ou de acontecimentos mais ou menos comuns, a convicção de que podemos escutá-lo ali, gera em nós uma atitude dócil diante de seus desígnios, ocultos também nas palavras de quem nos acompanha em nosso caminho”[7].
Certamente, isto não quer dizer que todos os conselhos que recebemos sejam infalíveis. “Deus não nos impõe uma obediência cega, mas uma obediência inteligente”[8]. E isto significa confrontar o que nos dizem com o que pensamos, num diálogo aberto com a outra pessoa, a quem manifestamos com humildade e confiança o nosso ponto de vista. Neste sentido, o prelado do Opus Dei recorda que “aqueles que têm autoridade devem ser extremamente cuidadosos para não impor seus critérios desnecessariamente e para evitar que suas indicações ou conselhos sejam interpretados em si mesmos como uma expressão clara da vontade de Deus”[9].
Haverá ocasiões em que uma pessoa pode nos transmitir a vontade divina porque nos recorda um preceito dos ensinamentos da fé católica quando, por exemplo, temos de decidir entre um ato pecaminoso e outro que não é pecado. Mas na maior parte das vezes será mais difícil discernir, pois várias opções podem ser boas e não sabemos qual é preferível nesse caso concreto: aceitar ou recusar um emprego, comprar algo ou prescindir deste gasto, realizar ou não um determinado plano… O conselho de uma pessoa que nos quer bem, e que tem a graça do Senhor para nos ajudar, pode nos dar um pouco de luz, porque percebemos nossa própria inadequação e percebemos que nossos sentimentos podem prejudicar a objetividade do nosso julgamento. No entanto, esses conselhos são uma ajuda para que cada um tome com total liberdade uma decisão prudente. A Virgem Maria pode nos ajudar a cumprir e amar a vontade divina em todos os momentos, sabendo que o Senhor é o mais interessado na nossa felicidade e é Ele que torna a nossa liberdade pessoal cada vez mais ampla e valiosa.
[1] cf. Santo Agostinho, Sermão 72 A, 3. 7-8.
[2] São Josemaria, ÉCristo que passa, n. 173.
[3] Ibid.,Forja, n. 814.
[4] cf. Santo Ireneu, Adversus hæreses, III, 22, 4 (PG 7-I, 959-960).
[5] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 31.
[6] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 09/01/2018, n. 7.
[7] Ibid., Carta pastoral, 10/02/2024, n. 6.
[8] São Josemaria, ÉCristo que passa, n. 17.
[9] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 10/02/2024, n. 7.