- O matrimônio, imagem do amor divino
- O celibato, chamada a transmitir vida sobrenatural
- Amar sem desejo de possuir
ALGUNS fariseus, querendo pôr à prova Jesus, aproximaram-se e perguntaram-Lhe: “É permitido ao homem despedir sua esposa por qualquer motivo?” (Mt 19, 3). Após essa pergunta, Cristo recordou que o próprio Deus é o autor do matrimônio e afirmou a sua indissolubilidade: “Nunca lestes que o Criador, desde o início os fez homem e mulher? E disse: ‘Por isso, o homem deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne’? De modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe” (Mt 19, 4-6).
O matrimônio não é simplesmente um acontecimento social ou uma formalidade. O amor mútuo entre o homem e a mulher é imagem do amor absoluto com que Deus nos ama. “E esse amor abençoado por Deus é destinado a ser fecundo e a realizar-se na obra comum de preservação da criação”[1]. Por isso o matrimônio é um bem “de extraordinário valor para todos: para os próprios cônjuges, para os seus filhos, para todas as famílias com as quais entram em relação, para toda a Igreja, para toda a humanidade. É um bem que é difusivo, que atrai os jovens a responder com alegria à vocação matrimonial, que conforta e reaviva continuamente os cônjuges, que dá muitos e diversos frutos na comunhão eclesial e na sociedade civil”[2]. Um desses frutos é precisamente a formação da Igreja doméstica: o lar é a primeira escola da vida cristã, onde “se aprende a resistência à fadiga e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e mesmo reiterado e, sobretudo, o culto divino pela oração e oferenda de sua vida”[3].
O homem e a mulher encontram no matrimônio, com a graça divina, tudo o que necessitam para ser santos, para se identificar com Cristo e aproximar de Deus as pessoas que os rodeiam. Portanto, trata-se de um caminho que, se for percorrido com fidelidade, permite antecipar a glória do céu e encontrar já a felicidade que o Senhor concede nesta terra. Uma alegria compatível com momentos de sacrifício que podem fortalecer o amor entre os cônjuges, e que normalmente é saboreada nas coisas pequenas de cada dia. Como afirmava São Josemaria: “O segredo da felicidade conjugal está no quotidiano, não em sonhos. Está em encontrar a alegria íntima que dá a chegada ao lar; está no convívio carinhoso com os filhos; no trabalho de todos os dias, em que colabora toda a família; no bom humor perante as dificuldades, que é preciso encarar com desportivismo”[4]. Neste tempo de oração podemos pedir pela fidelidade de todos os casais e dar graças a Deus pelos dons que nos deu através do amor dos nossos pais.
DEPOIS DE TER destacado a grandeza do matrimônio, Jesus afirma o valor do celibato. O exemplo fascinante da própria vida do Senhor mostra que não se trata de uma atitude cética ou cômoda, como talvez tinham insinuado alguns dos que o ouviam (cf. Mt 19, 10), mas de um dom divino (cf. Mt 19, 11): uma chamada a receber e a transmitir aos outros a vida sobrenatural sem mediar um amor terreno. Quem recebe esta vocação se assemelha a Cristo que, sem dúvida, não renunciou ao amor. O celibatário recebe uma graça específica que transforma gradualmente a sua sensibilidade, para colocar tudo o que constitui uma vida de amor – afetos, desejos, sonhos, criatividade, paixão – ao serviço de Deus e das pessoas que o rodeiam. Acolher este dom “não pode significar permanecer privados de amor, mas deve significar deixar-se arrebatar pela paixão por Deus, e aprender depois, graças a um estar com Ele mais íntimo, a servir também os homens. O celibato deve ser um testemunho de fé: a fé em Deus torna-se concreta naquela forma de vida que só tem sentido a partir de Deus. Apoiar a vida n’Ele, renunciando ao casamento e à família, significa que acolho e experimento Deus como realidade e por isso posso levá-lo aos homens”[5].
Uma das características da vocação ao celibato é a disponibilidade de coração para viver inteiramente para Deus e, por ele, para os outros. A pessoa célibe experimenta assim aquela grandeza do coração que afirmava São Josemaria: “Por muito que ames, nunca amarás bastante. O coração humano tem um coeficiente de dilatação enorme. Quando ama, dilata-se num crescendo de carinho que supera todas as barreiras. Se amas o Senhor, não haverá criatura que não encontre lugar no teu coração”[6]. Deste modo, pode amar alguém inclusive quando o outro não lhe corresponde: para ele, é suficiente ver uma pessoa crescer espiritualmente para se entusiasmar a continuar ajudando os outros. Dessa forma, ele imita o modo de amar de Jesus. Durante a sua passagem pela terra, não colocou nenhuma barreira ao seu carinho, mas oferecia a sua proximidade a todos, em particular aos que eram rejeitados pela sociedade. Por isso, quem recebe o dom do celibato também está chamado a amar e a servir todas as pessoas, as mais necessitadas em seu ambiente. Certamente, isto não significa que não seja difícil, às vezes, para a pessoa que vive o celibato, a renúncia a formar uma família ou a receber um retorno afetivo pela sua dedicação; no entanto, pode encontrar nessa experiência de vazio, aceita com serenidade e realismo, uma oportunidade e uma chamada a continuar a alimentar o Amor que dá sentido à sua entrega. Em última instância, nessa solidão também se pode aprender a captar a proximidade de Deus.
TODOS os homens estão chamados a viver a castidade. Esta virtude assume diferentes formas, dependendo da vocação que cada um tenha recebido. Em qualquer caso, quer se trate de uma pessoa casada, solteira, celibatária ou viúva, a castidade não “é um ‘não’ aos prazeres e à alegria da vida, mas o grande ‘sim’ ao amor como profunda comunicação entre as pessoas, que exige o tempo e o respeito, como um caminho conjunto rumo à plenitude e como amor que se torna capaz de gerar a vida e de acolher generosamente a vida nova que nasce”[7]. Essa nova vida, para quem tem vocação ao matrimônio, são os filhos que são fruto do amor dos esposos; para o célibe, são as pessoas a quem ajuda a crescer na sua relação com Deus e com quem exerce uma paternidade ou maternidade espiritual.
A castidade permite amar sem desejo de dominar. De fato, diz-se que o contrário de amar não é tanto odiar, mas possuir: pretender usar a outra pessoa para satisfazer uma necessidade e preencher o próprio vazio. Isto é o que pretende a luxúria, o vício que “considera tedioso qualquer namoro, não procura a síntese entre razão, impulso e sentimento, que nos ajudaria a conduzir a existência com sabedoria. O luxurioso só procura atalhos: não compreende que o caminho para o amor deve ser percorrido com lentidão, e esta paciência, longe de ser sinônimo de aborrecimento, permite tornar felizes as nossas relações amorosas”[8].
O amor que o Senhor nos dirige é livre: ele nos dá a possibilidade até mesmo de errar e de o rejeitar, pois não quer escravos, mas filhos que acolhem o seu amor porque querem. A castidade permite-nos conhecer verdadeiramente os outros, respeitá-los e procurar a sua felicidade; numa palavra, gera uma relação de comunhão na qual se desfruta procurando o bem da outra pessoa. E embora amar desta maneira às vezes poder ser difícil, quem se esforça por viver esta virtude “apercebe-se de que o sacrifício é só aparente: porque ao viver assim – com sacrifício – livra-se de muitas escravidões e consegue, no íntimo do seu coração, saborear todo o amor de Deus”[9]. Podemos recorrer à Virgem Maria, como recomendava o fundador do Opus Dei, quando notarmos o peso da tentação: “Mãe! – Chama-a bem alto –. Ela, a tua Mãe Santa Maria, escuta-te, vê-te em perigo talvez, e oferece-te, com a graça do seu Filho, o consolo do seu regaço, a ternura das suas carícias. E encontrar-te-ás reconfortado para a nova luta”[10].
[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 1604.
[2] Francisco, Discurso, 27/01/2023.
[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 1657.
[4] São Josemaria, Entrevistas a São Josemaria, n. 91.
[5] Bento XVI, Discurso, 22/12/2006.
[6] São Josemaria, Via Sacra, VIII estação, n. 5.
[7] Bento XVI, Discurso, 13/05/2011.
[8] Francisco, Audiência, 17/01/2024.
[9] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 84.
[10] São Josemaria, Caminho, n. 516.