- Jesus revoluciona os lugares por onde passa
- Descobrir a alegria mais profunda
- Uma fé fundamentada no amor de Deus
A CHEGADA DE uma personalidade importante costuma produzir uma pequena revolução nos lugares que visita, principalmente se forem lugares que não estão acostumados a vivenciar grandes eventos. O que geralmente impera nas pequenas cidades é a normalidade da rotina, a cadência repetitiva de uma vida marcada pelo cotidiano de fazer sempre a mesma coisa, ver continuamente as mesmas pessoas. Portanto, a chegada de Jesus a Genesaré foi precisamente isso: uma revolução. Desde que O reconheceram, a notícia espalhou-se de boca em boca com a velocidade de quem não quer perder a oportunidade da sua vida. As praças daquelas terras ficaram cheias de doentes. Assim, o ruído das macas tocando no chão tornou-se o som por excelência naquela área da Galileia.
“O Filho de Deus, na Sua encarnação, convidou-nos à revolução da ternura”[1]. E é fácil imaginar que seria precisamente isso, ternura, que o olhar de Jesus emanaria ao curar cada doente, enquanto, como fez em outras circunstâncias semelhantes, produzia neles a verdadeira revolução: a de perdoar os seus pecados. Mas essa revolução exige um passo prévio: ao descer do barco, “as pessoas imediatamente reconheceram Jesus”, diz-nos o Evangelho. Só pode ser curado por Cristo quem é capaz de reconhecê-l'O. Talvez, como os santos sabiam fazer, possamos começar por reconhecer Jesus na carne dos nossos irmãos doentes, sabendo olhar com ternura todas as feridas da sua alma e do seu corpo. Sabemos que todos os detalhes de serviço que prestamos aos nossos amigos ou parentes, estamos fazendo-os realmente a Jesus Cristo (cf. Mt 25, 40). São Josemaria afirmava que “Se nós, os cristãos, vivêssemos verdadeiramente de acordo com a nossa fé, produzir-se-ia a maior revolução de todos os tempos... ”[2].
SE OLHARMOS OS ACONTECIMENTOS de longe, vemos o Senhor cercado de agitação, barulho, gritos; um grande número de pessoas empurram-se para tentar alcançá-l'O. No entanto, queremos descobrir o que acontece mais perto, no coração de Jesus. Além da ternura no Seu olhar, não há dúvida de que a alegria experimentada pelas pessoas curadas também comoveria o Senhor, que sabia alegrar-Se com o que era causa de felicidade para os outros. São Paulo convida os romanos a alegrar-se com os que se alegram (cf. Rm 12, 15) porque sabe que esta é a atitude própria de quem tem os sentimentos de Cristo (cf. Fl 2, 5).
No entanto, sabemos que Jesus não veio para trazer a alegria temporária de uma cura física. Algum tempo depois, quando está a caminho do Calvário, “o Senhor vê essa multidão que anda como rebanho sem pastor. Poderia chamá-los um por um, pelos seus nomes, pelos nossos nomes. Ali estão os que (...) foram curados de suas doenças”[3]. De fato, Jesus sabia que, pouco tempo depois, alguns teriam apagado aquele dia da sua memória, deixando no esquecimento as maravilhas que o Messias operara em suas vidas.
As pessoas de Genesaré que recuperaram a saúde certamente o fizeram porque acreditavam que Jesus podia fazer o milagre, acreditavam na Sua capacidade de vencer a doença. No entanto, talvez o seu coração ficasse na metade do caminho; só buscavam o Senhor na medida em que tinha algo imediato para lhes oferecer, não descobriram a profunda alegria de viver com Jesus. Pelo contrário, “alegria cristã brota desta certeza: Deus está próximo, está comigo, está conosco, na alegria e no sofrimento, na saúde e na doença (...). E esta alegria persiste também nas provações, no próprio sofrimento, e não permanece na superfície, mas no profundo da pessoa que se recomenda a Deus e n'Ele confia”[4].
COMPARAR o que aconteceu em Genesaré, quando todos se precipitavam à procura da cura, com o que aconteceu no Calvário, quando a multidão clamou pela crucificação, pode ajudar-nos a considerar devagar e honestamente o que buscamos exatamente quando procuramos Jesus. São João, que conhecia tão bem o que estava no coração de Cristo, dá-nos uma pista para purificar a nossa fé: “Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem” (1 Jo 4, 16). É algo que às vezes, sem querer, podemos esquecer nos momentos de dificuldade, quando nos parece que o Senhor está dormindo ou que não quer usar o Seu poder.
Porque, sem dúvida, esse é um dos grandes desafios da fé: abraçar o mistério da vontade de Deus quando o Senhor não usa o Seu poder quando nós pensamos que deveria fazê-lo. Acreditar em Jesus quando testemunhamos um milagre é fácil; o difícil é assistir a circunstâncias em que nos parece, erroneamente, que Deus não intervém. Às vezes, sem percebermos, podemos comportar-nos como aqueles que gritavam no Calvário: “Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo! Se é o rei de Israel, desça da cruz, e acreditaremos n'Ele” (Mt 27, 42).
Muitas vezes vemos injustiças, abusos e dores que nos podem fazer duvidar da presença de Deus. São João viveu o mesmo: tempestades, perseguições, o martírio de João Batista e dos outros onze apóstolos. E mais: São João viveu o Calvário e, paradoxalmente, é isso que lhe permite afirmar que “conheceu e acreditou” no amor de Deus. É precisamente isso, que o Senhor não desça da cruz, que nos ensinou que a revolução da ternura não é um cúmulo de belos acontecimentos, mas a presença de um amor que se entrega até às últimas consequências. “A experiência da ternura consiste em ver o poder de Deus passar precisamente por aquilo que nos torna mais frágeis”[5]. Maria, nossa mãe, é quem melhor compreende o amor de Deus: ela nos ajudará a conhecê-l’O melhor e a crer n’Ele com mais firmeza.
[1] cf. Francisco, Evangelii Gaudium, n. 88.
[2] São Josemaria, Sulco, n. 945.
[3] São Josemaria, Via Sacra, III estação.
[4] Bento XVI, Ângelus, 16/12/2007.
[5] Francisco, Audiência, 19/01/2022.