UM CENTURIÃO tinha um servo que estava doente, prestes a morrer. Quando soube que Jesus tinha chegado a Cafarnaum, “enviou alguns anciãos dos judeus, para pedirem que Jesus viesse salvar seu empregado” (Lc 7, 3). “Chegando onde Jesus estava, pediram-lhe com insistência: ‘O oficial merece que lhe faças este favor, porque ele estima o nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga’” (Lc 7, 4). Jesus provavelmente ficou agradavelmente surpreendido ao ouvir essas palavras. Não era raro que, ao chegar a uma cidade, percebesse um clima de tensão e desconfiança entre o povo judeu e os soldados romanos. Porém, desta vez nota uma atmosfera muito diferente. Esse centurião, em vez de impor a sua autoridade pela força, expressou o seu apreço pelo povo e pelas tradições judaicas. E, ao mesmo tempo, os judeus souberam reconhecer esse afeto; por isso não hesitam em ir ter com Jesus em nome daquele funcionário para pedir a cura do seu servo. As diferenças entre o povo romano e o povo judeu não impediram a criação de um ambiente de respeito mútuo.
“Cada homem e cada mulher é como uma peça num imenso mosaico, que já é belo em si mesmo, mas só compõe uma imagem juntamente com os outros azulejos, na convivialidade das diferenças. Ser convivial com alguém significa também imaginar e construir um futuro feliz com o outro. Aconvivialidade, de fato, ecoa o desejo de comunhão que habita no coração de cada ser humano, graças ao qual todos podem falar uns com os outros, podem ser trocados projetos e delinear um futuro em conjunto”[1]. O desejo de amizade sincera e de servir os outros é uma característica da relação do cristão com todos os homens, mesmo com aqueles com quem não partilha o modo de pensar ou de viver. E assim, “através de uma amizade leal e autêntica, se desperta nos outros a fome de Deus e se ajuda cada um a descobrir novos horizontes - com naturalidade, com simplicidade, como disse, com o exemplo de uma fé bem vivida, com a palavra amável, mas cheia da força da verdade divina”[2].
PERANTE o apelo dos anciãos, Jesus tomou uma decisão insólita aos olhos de alguns dos presentes: ir à casa do centurião. Os judeus estavam proibidos de entrar na casa dos gentios e, se o fizessem, teriam que se purificar depois. Neste caso, foi o próprio Jesus quem trouxe vida nova e, além disso, ensinou a colocar em primeiro lugar o bem e a salvação daquela pessoa.
São Josemaria fez questão de que nenhuma das pessoas que atendia morresse sem receber os sacramentos, apesar das dificuldades que pudessem encontrar. Certa ocasião, soube que um jovem, que morava num lugar onde Deus era ofendido, tinha apenas alguns dias de vida. Depois de expor o problema ao Vigário Geral da diocese, obteve permissão para ir até lá propor ao doente que se confessasse para administrar-lhe a Extrema Unção e o Viático. Acompanhado por um amigo, dirigiu-se àquele local e, depois de prepará-lo, deu-lhe os últimos sacramentos.
“Sigamos o exemplo de Jesus Cristo – escreveu o fundador do Opus Dei –, não rejeitemos ninguém: para salvar uma alma é preciso ir até às portas do inferno. Não mais do que isso, porque lá não se pode amar a Deus”[3]. O Senhor não anunciou o Evangelho apenas ao povo judeu, mas ofereceu-o ao mundo inteiro. “A universalidade da missão da Igreja significa que ninguém fica fora do seu horizonte apostólico”[4]. Podemos pedir a Jesus que acenda em nós o desejo, traduzido em obras, de que todos os homens possam abraçar a salvação que o Senhor oferece. “Não há nada mais belo do que ser alcançados, surpreendidos pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que conhecê-lo e comunicar com os outros a Sua amizade”[5].
O CENTURIÃO não quis incomodar Jesus, possivelmente porque sabia que se entrasse na sua casa, ou se aproximasse dele, teria que purificar-se depois. Portanto, assim que soube que estava perto da sua casa, mandou alguns amigos dizerem: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa. Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente ao teu encontro. Mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado ficará curado” (Lc 7, 6-7). Ao ouvir estas palavras, o evangelista nota que “Jesus ficou admirado. Virou-se para a multidão que o seguia, e disse: ‘Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé’” (Lc 7, 9).
A declaração de Jesus é reconfortante. Mostra-nos até que ponto o Senhor vê o bem que há nos nossos corações. Nesta ocasião, elogia a fé de uma pessoa que, aos olhos do povo judeu, não tinha fé. Desta forma, ensinou aos presentes que também podem aprender com as pessoas que, aparentemente, podem estar longe de Deus. Afinal, Ele manifesta-Se em todas as culturas, “nos povos que percorreram um caminho da história de maneira diferente, em povos que caminharam de maneira diversa, mas é o mesmo Deus. E Aquele que é o Pai de todos nos leva ao diálogo”[6].
O cristão sabe que tudo o que recebeu do Senhor não foi fruto do seu esforço ou do seu engenho, “mas sim da palavra de Deus que chegou até nós: não porque fôssemos melhores que os outros ou porque estivéssemos mais preparados, mas porque o Senhor quis usar-nos como seus instrumentos”[7]. Por isso, não é dono da verdade, mas seu colaborador (cf. 3 Jo 1, 8). A Virgem Maria pode ajudar-nos a ter uma visão esperançosa do mundo e um coração no qual possam caber todos os nossos irmãos, os homens.
[1] Francisco, Discurso, 06/06/2022.
[2] São Josemaria, ÉCristo que passa, n. 149.
[3] São Josemaria, Carta 4, n. 24.
[4] Fernando Ocáriz, “La Prelatura del Opus Dei: apostolado ad fidem y ecumenismo”, p. 3.
[5] Bento XVI, Homilia, 24/04/2005.
[6] Francisco, Discurso, 05/05/2023.
[7] São Josemaria, Carta 37, n. 25.