-Amar a Deus é amar aos outros
“NÃO JULGUEIS, e não sereis julgados. Pois, vós sereis julgados com o mesmo julgamento com que julgardes” (Mt 7,1). Estas palavras de Jesus advertem-nos contra a tentação de nos constituirmos como deuses para os outros, com o poder de julgar a sua conduta, e até mesmo cair em murmurações. Se o Senhor veio para renovar os nossos corações, a forma como olhamos para os outros é um terreno privilegiado para a conversão. Jesus aconselha-nos a reorientar o nosso olhar a nós próprios, antes de fazer qualquer consideração sobre os outros.
São Tomás de Aquino explica que estes julgamentos surgem geralmente de um coração que desconfia imprudentemente dos outros. Ele identifica três razões pelas quais estes julgamentos podem ser feitos: porque o coração está inundado de coisas más e por isso facilmente pensa mal dos outros; porque não tem um afeto purificado por uma determinada pessoa, por isso tende a pensar mal ao menor sinal; ou porque algumas experiências negativas o tornaram excessivamente susceptível[1]. Nenhuma destas atitudes é generosa para com o próximo, e por isso não trazem a nossa felicidade, nem a dos outros.
Qualquer visão humana sobre os outros será sempre limitada: só Deus conhece os corações e pode avaliar as verdadeiras circunstâncias do que acontece. Ele sempre é compreensivo e sempre está disposto a perdoar. “Mas quem és tu, que julgas o teu próximo?” (Tg 4,12), escreve o apóstolo Tiago às primeiras comunidades cristãs. Quando nos deixamos levar por esta atitude, tornamo-nos acusadores em vez de defensores. Mas se procurarmos ter um coração em sintonia com o de Jesus, olharemos para as virtudes e imperfeições dos outros com o mesmo amor e misericórdia com que Ele ama as nossa.
“POR QUE OBSERVAS o cisco no olho do teu irmão, e não prestas atenção à trave que está no teu próprio olho?” A experiência dos nossos próprios erros, considerada na presença de Deus, deve levar-nos a ser compreensivos para com os dos outros. Não é simplesmente uma questão de ignorar as suas falhas. De fato, algumas vezes podemos oferecer a nossa ajuda para mudar ou melhorar através da correção fraterna. Mas, por um lado, não conseguimos esta mudança de um diapara o outro; e, por outro lado, muitas vezes pode se tratar de um modo de ser, que não é um obstáculo relevante no seu caminho para a santidade. Saber que nós também temos defeitos ou características pessoais que podem não agradar a todos leva-nos a olhar para as outras pessoas com compreensão. “Mais do que em ‘dar’, a caridade está em ‘compreender’. Por isso, procura uma desculpa para o teu próximo – sempre as há – se tens o dever de julgar”[2].
“Se não conseguirmos ver os nossos próprios defeitos, estaremos sempre prontos a aumentar os dos outros. Ao contrário, se reconhecermos os nossos erros e as nossas misérias, a porta da misericórdia se abrirá para nós”[3].
O olhar de Deus não se concentra apenas nos nossos erros, mas em tudo o que Ele pode tirar do nosso desejo de fazer o bem: Ele sempre salva a pessoa, ainda mais se formos seus filhos. E é na oração que podemos cultivar este olhar. “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6, 45). Se cultivarmos um coração puro, sem duplicidade ou murmuração, saberemos ver o bem nos outros e não daremos importância demais ao negativo. Em uma ocasião São Josemaria escrevia os seus propósitos: “1/ Antes de começar uma conversa ou de fazer uma visita, elevarei o coração a Deus. 2/ Não porfiarei, ainda que esteja carregado de razão. Direi a minha opinião somente se for para a glória de Deus, mas sem porfiar. 3/ Não farei crítica negativa: quando não puder louvar, calar-me-ei”[4].
A VIDA do cristão alimenta-se e encontra a sua realização na relação pessoal com Deus e com os outros. A substância deste relacionamento é a caridade: é aí que nascem a amizade, a vida familiar, as estruturas sociais e todas as relações. “Para a Igreja – instruída pelo Evangelho –, a caridade é tudo porque, como ensina São João (cf. 1 Jo 4, 8.16) da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança”[5].
Pouco antes da sua paixão, Jesus quis deixar um novo mandamento: “amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). E depois, para nos dar uma imagem deste caminho para a felicidade, Ele demonstrou este amor com obras, lavando os pés dos seus discípulos. “Sabemos bem que encontrar a Deus, amar a Deus, é inseparável de amar, de servir aos outros; que os dois preceitos da caridade são inseparáveis”[6].
Nós, cristãos, fomos precedidos por tantos santos que se entregaram à caridade, também na vida diária: vemos isso “nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir”[7]. As obras de misericórdia espirituais oferecem uma atitude que prevalece sobre a tendência a julgar: ensinar, aconselhar, corrigir, perdoar, consolar... Santa Maria é a primeira a tratar-nos assim e, como boa Mãe, pode ajudar-nos a amar da mesma forma as pessoas que estão mais perto de nós.
[1] Cfr. São Tomás de Aquino, Summa theologica, II-II, q. 60, a. 3.
[2] São Josemaria, Caminho, n. 463.
[3] Francisco, Ângelus, 27/02/2022.
[4] São Josemaria, Anotações íntimas, n. 399, 18-XI-1931.
[5] Benedicto XVI, Caritas in veritate, n.2
[6] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 19/03/2022, n.9
[7] Francisco, Gaudete et exsultate, n. 7.