- "Toda a vida do Senhor me apaixona".
- Cristo eleva os nossos desejos.
- A humildade permite reconhecer a própria grandeza.
“NÃO É POSSÍVEL separar em Cristo o seu ser de Deus-Homem e a sua função de Redentor”[1]. Durante todo o tempo em que esteve na Terra, Jesus Cristo expressava a sua missão redentora em tudo o que fazia. Todas as atividades que realizava estavam alinhadas com seu desejo de nos libertar do pecado. Irradiava continuamente o desejo divino que tinha exposto, a partir de um texto de Isaías, no início da sua atividade pública: “ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4, 18-19).
Este desejo redentor ficava especialmente patente nos seus milagres e na sua pregação. Além disso, também se manifestava em ações mais cotidianas, como uma conversa ao redor de uma mesa ou uma caminhada com os seus discípulos. Por isso, São Josemaria dizia: “Toda a vida do Senhor me enamora”[2]. Ver Jesus como mais uma pessoa da realidade social da sua época pode nos ajudar a santificar essas circunstâncias: esses momentos também fazem parte da nossa identidade de cristãos.
São Lucas conta que num sábado Jesus foi “Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus” (Lc 14, 1). Podemos pressupor que Cristo aceitou o seu convite para poder anunciar a mensagem de salvação a essa pessoa num contexto mais tranquilo que a agitação da vida do dia a dia. Seja num banquete, diante de uma cena cotidiana ou ao contemplar uma dança infantil, Jesus não deixa de lado a sua missão, pelo contrário, esses acontecimentos são o lugar onde se concretiza. Dos relatos evangélicos, São Josemaria extraía o objetivo de qualquer apóstolo: “Esta é a tua tarefa de cidadão cristão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna: a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e a convivência social”[3].
NO MEIO desse banquete, Jesus observa a atitude de alguns que “escolhiam os primeiros lugares” (Lc 14, 7). Decide então contar uma parábola: “Quando fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar” (Lc 14, 8-9).
Jesus começa o seu ensinamento fazendo referência ao reconhecimento que as pessoas ao seu redor procuravam. Não menospreza o desejo natural de se distinguir. Cristo é quem sabe descobrir melhor a mão paterna de Deus nesses anseios humanos. Jesus, ao ler cada alma, apoia-se nas aspirações humanas e nobres que encontra para as elevar e sobrenaturalizar. São Josemaria também procurava sustentar os conselhos que dava às pessoas que se aproximavam dele nos desejos que Deus colocava em seus corações: “Deixa que a tua alma se consuma em desejos... Desejos de amor, de esquecimento, de santidade, de Céu... Não te detenhas a pensar se chegarás alguma vez a vê-los realizados (como te sugerirá algum conselheiro sisudo…): aviva-os cada vez mais, porque o Espírito Santo diz que lhe agradam os “varões de desejos”[4].
Jesus oferece um modo de elevar as pretensões de singularização social: “Mas, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados” (Lc 14, 10). Cristo anima a não ficar unicamente com os reconhecimentos humanos, sem dúvida legítimos e honrosos, mas a procurar o reconhecimento divino, que é o único realmente valioso. E apesar de em muitas ocasiões o nosso gesto poder passar despercebido para os outros, sabemos com certeza que Deus o viu. Este é o caminho que nos conduz para Ele e, ao mesmo tempo, nos leva “ao essencial da vida, ao seu verdadeiro significado, à razão mais confiável pela qual vale a pena viver a vida. Só a humildade nos abre à experiência da verdade, da alegria genuína, do conhecimento que conta”[5]. O importante não é ser grande de acordo com a lógica do mundo, mas tornar-se pequeno, simples, porque assim encontramos Cristo.
O NÚCLEO do ensinamento que Jesus está dando em torno deste banquete é a humildade: “Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado” (Lc 14, 11). Para entrar no Reino dos céus, um dos primeiros requisitos é conhecer bem qual é a nossa condição; ou seja, crescer na nossa verdadeira identidade como membros dessa nova família que Jesus está formando. Para isso é necessário entender o significado profundo da humildade, “a virtude que nos ajuda a conhecer, simultaneamente, a nossa miséria e a nossa grandeza”[6].
A humildade ajuda-nos a compreender que recebemos tudo do Senhor. Pelo contrário, a soberba leva-nos a depositar a confiança nas nossas próprias seguranças. Neste sentido, São Josemaria falava de dois tipos de orgulho: um mau, que ignora as nossas debilidades, e outro bom, que reconhece a verdade e a ação do Senhor na sua própria vida. “O endeusamento é mau se cegar, se não deixar ver com clareza que temos os pés de barro, já que a pedra de toque para distinguir o endeusamento bom do mau é a humildade. Por isso, é bom, na medida em que não se perde a consciência de que essa divinização é um dom de Deus, graça de Deus; é mau, quando a alma se atribui a si mesma − às suas obras, aos seus méritos, à sua excelência – a grandeza espiritual que lhe foi dada”[7].
Esse orgulho bom leva-nos a não rejeitar a nossa miséria e a vê-la como a porta por onde deixamos Deus entrar. E essa é precisamente a nossa grandeza: que Deus tenha querido, pela sua misericórdia, fazer-nos muito valiosos aos seus olhos. A humildade, portanto, ajuda-nos a assumir a pobreza do necessitado para sermos mendigos de Deus, para o deixar entrar, para permitir que ele mude as nossas aparentes seguranças. Quando um coração se sente satisfeito de si mesmo, “não tem espaço para a Palavra de Deus, para amar os irmãos nem para gozar das coisas mais importantes da vida. Deste modo priva-se dos bens maiores. Por isso, Jesus chama felizes aos pobres em espírito, que têm o coração pobre, onde pode entrar o Senhor com a sua incessante novidade”[8]. A Virgem Maria, que só se preocupou com o reconhecimento divino, colocando a sua segurança em Deus, adquiriu a verdadeira riqueza: “todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1, 48).
[1] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 122.
[2] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 56.
[3] São Josemaria, Sulco, n. 302.
[4] São Josemaria, Sulco, n. 628.
[5] Francisco, Audiência, 22/12/2021.
[6] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 94.
[7] São Josemaria, Cartas 2, n. 6.
[8] Francisco, Gaudete et Exultate, n. 68.