Meditações: sábado da 21ª semana do Tempo Comum

Reflexão para meditar no sábado da 21ª semana do Tempo Comum. Os temas propostos são: com os nossos talentos ao serviço; um medo que paralisa; o valor da vida habitual.


NUMA OCASIÃO, Jesus contou a história de um homem que “ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou” (Mt 25, 14-15). O que aquele homem pretendia era que os seus servos negociassem com o que tinham recebido, para obter um retorno quando voltasse. Cristo contou esta parábola para explicar a necessidade de corresponder aos dons naturais e sobrenaturais que Deus nos concedeu.

Tal como aos servos da parábola, o Senhor deu-nos talentos únicos; capacidades que podemos pôr à sua disposição para dar fruto e tornar o nosso ambiente um lugar melhor. “Deus chama todo homem à vida e entrega-lhes talentos, confiando-lhes ao mesmo tempo uma missão para cumprir. Seria tolice pensar que estes dons são um direito, assim como renunciar a usá-los seria não cumprir o fim da própria existência”[1]. O primeiro passo para aproveitá-los é reconhecê-los, ou seja, identificar qual é a minha contribuição específica para os outros. Às vezes, pode estar relacionado com o nosso temperamento: uma pessoa expansiva pode ter facilidade para animar ou fazer rir os outros, enquanto uma pessoa introvertida pode ter mais tendência para ouvir e reconhecer as necessidades dos que a rodeiam. Outras vezes, esses talentos estarão ligados às nossas competências profissionais, com as quais contribuímos para a melhoria da sociedade em que vivemos e que também podem dar forma às nossas relações.

Em todo o caso, o decisivo não é tanto a magnitude do impacto que podemos deixar, mas o esforço para fazer render o talento, acompanhado pela graça divina. Na parábola, o Senhor louva tanto aquele que produziu cinco talentos como aquele que deu dois, pois reconheceu o esforço de ambos para dar bons frutos. Deste modo, Jesus quer que valorizemos o que recebemos e que sejamos gratos pelos dons dos outros. Enquanto a inveja nos leva a desprezar o que temos e a nos entristecermos com os talentos dos outros, a proposta de Cristo é muito mais entusiasmante: ele nos convida a pôr em jogo as nossas qualidades, sejam elas muitas ou poucas, e a gozar o bem que deriva de servir e deixar-se servir pelos dons dos outros. “Desenterra esse talento! Torna-o produtivo e saborearás a alegria de saber que, neste negócio sobrenatural, não importa que o resultado na terra não seja uma maravilha que os homens possam admirar. O essencial é entregarmos tudo o que somos e possuímos, procurarmos que o talento renda, e empenharmo-nos continuamente em produzir bom fruto”[2].


UM DOS SERVOS da parábola recebeu um talento. Mas, em vez de negociar com ele para obter um retorno, “cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão” (Mt 25,18). E quando o patrão voltou, explicou porque tinha feito aquilo: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão” (Mt 25, 24-25).

É normal que, perante a missão que Deus nos confia, sintamos, como o servo da parábola, um certo medo. Temos medo de não estar à altura da tarefa, de falhar, de ficar mal, de perder o talento que recebemos... Ter este sentimento não é um problema. Na verdade, é uma reação lógica: se, perante o que o Senhor nos pede, nos sentíssemos muito confiantes nas nossas capacidades, confiaríamos mais naquilo que podemos fazer do que na graça divina. O medo inicial é bom quando nos leva a nos abandonarmos em Deus, pois assim transforma-se em confiança. “Este servo não tem uma relação de confiança com o seu patrão, mas medo, e isso paralisa-o. O temor imobiliza sempre e, muitas vezes, leva a tomar decisões erradas. O medo dissuade de tomar iniciativa, induz a refugiar-se em soluções seguras e garantidas e, assim se acaba por não realizar nada de bom. Para ir em frente e crescer no caminho da vida, não se deve ter medo, é necessário ter confiança”[3].

O medo crônico pode ser devido a uma imagem deformada de Deus. Às vezes, como o servo, podemos pensar no Senhor como um patrão severo que só quer castigar-nos. “Se dentro de nós houver esta imagem errada de Deus, então a nossa vida não poderá ser fecunda, porque viveremos com o medo e isso não nos levará a nada construtivo”[4]. A Sagrada Escritura, pelo contrário, mostra-nos um “Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera e rico em clemência e fidelidade” (Ex 34, 6); em vez de um rei que castiga sem piedade os erros dos seus súditos, é um Pai que cobre de beijos o filho que regressa a casa e lhe prepara o melhor que tem (cf. Lc 15, 11-32). Neste sentido, São Josemaria comentava que Deus não é como um caçador que espera o menor descuido da caça para a abater, mas é como um jardineiro “que cuida das flores, as rega e as protege; e só as corta quando estão mais belas, cheias de louçania”[5].


O SENHOR da parábola se dirige a cada um dos servos que deram fruto da seguinte forma: “Muito bem, servo bom e fiel! como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (Mt 25, 21). Ao contrário do que o terceiro servo poderia ter pensado, o patrão é bastante magnânimo, pois recompensa de forma desproporcional os esforços dos seus trabalhadores. Embora os servos tivessem feito pouco, receberiam algo muito maior do que humanamente se poderia esperar: uma vida junto do seu senhor.

Cristo mostra que, para alcançar a vida eterna, não é necessário fazer coisas extraordinárias. É certo que a biografia de alguns santos é marcada por acontecimentos assim, mas Deus conduz a maioria das pessoas por um caminho normal de santidade. E esse caminho é caracterizado pelo amor com que realizamos as tarefas que o Senhor nos confiou: o cuidado da nossa família, o desempenho do nosso trabalho, as práticas de piedade... Todas estas realidades, como os talentos da parábola, podem assumir dimensões inimagináveis: sendo bons pais, esposos, cristãos e trabalhadores, podemos gozar da glória do céu.

“A vida habitual não é algo sem valor. Se fazer as mesmas coisas todos os dias pode parecer chato, sem graça, sem inspiração, é porque falta amor. Quando há amor, cada novo dia tem outra cor, outra vibração, outra harmonia. Que façais tudo por Amor. Não nos cansemos de amar o nosso Deus: precisamos aproveitar cada segundo da nossa pobre vida para servir todas as criaturas, por amor de Nosso Senhor, porque o tempo da vida mortal é sempre pouco para amar, é tão breve como o vento que passa”[6]. A maior parte da vida da Virgem Maria foi passada na normalidade, como qualquer outra mulher da época. A ela podemos confiar os talentos que Deus nos deu, para que os saibamos fazer frutificar nas nossas realidades cotidianas.


[1] Bento XVI, Ângelus, 13/11/ 2011.

[2] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 47.

[3] Francisco, Ângelus, 19/11/2017.

[4] Ibid.

[5] São Josemaria, citado em Andrés Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, vol. 3, Quadrante, São Paulo, p. 393.

[6] São Josemaria, Carta 1, n. 19.