CONTA São Mateus que, numa certa ocasião, apresentaram algumas “crianças a Jesus, para que impusesse as mãos sobre elas e fizesse uma oração” (Mt 19, 13). É fácil imaginar a cena: homens e mulheres que querem que os seus filhos sejam tocados pelo Mestre e reze por eles. Os bons pais querem o melhor para os seus filhos, e o melhor é que Cristo os segure nos braços e os abençoe. Por isso, podemos imaginar que aqueles pais se sentiriam mais tranquilos quanto ao futuro dos seus filhos, uma vez que contavam com a bênção do Senhor.
Muitos pais repetiram esta cena desde então, a tal ponto que foi possível afirmar que “a prática de batizar as crianças é uma tradição imemorial da Igreja”[1]. E o fato é que, quando se incentiva o encontro das crianças com Jesus, faz-se uma descoberta maravilhosa, porque entre Jesus e as crianças existe uma harmonia muito singular (cf. Mt 10, 25; 18, 3). No Evangelho vemos como os pequenos se aproximam do Mestre com confiança e Ele os abraça no meio dos seus discípulos (cf. Mc 9, 36), aos quais pede que não os desprezem (cf. Mt 18, 10) e não lhes façam mal (cf. Mc 9, 42).
Para São Josemaria, criança “quer dizer almas agradáveis a Deus”[2]. Não há engano na forma como uma criança atua: mostra-se sempre como é, não esconde segundas intenções. Não tem medo de se mostrar necessitada: diante do menor problema, recorre com confiança aos pais. É assim que dá glória a Deus e mostra aos adultos que o relacionamento com o Senhor é muito mais simples do que às vezes pensamos. Por isso o fundador do Opus Dei explicava que é necessário “crer como creem as crianças, amar como amam as crianças, abandonar-se como se abandonam as crianças..., rezar como rezam as crianças”[3].
OS DISCÍPULOS não viam com o mesmo entusiasmo de Jesus aquelas crianças que Lhe davam para abençoar. Provavelmente julgavam que eram um incômodo para o Senhor e pensavam: “Para Jesus, já bastam as pessoas que compreendem a sua pregação – os adultos – e aqueles que realmente precisavam dele – os doentes. Porque perder tempo com estas crianças sem uso da razão?”. Os discípulos estavam tão convencidos deste raciocínio que tomaram a liberdade de repreender os pequenos e os seus pais (cf. Mt 19, 13). Cristo reagiu com uma frase que não deixou de ressoar na vida da Igreja ao longo dos séculos: “Deixai as crianças, e não as proibais de virem a mim” (Mt 19, 14).
Ao longo dos séculos, muitas pessoas acolheram este chamado do Senhor. Em primeiro lugar, pais e mães, avôs e avós, que tiveram o gosto de transmitir a fé aos pequenos da família, ensinando-os a pronunciar com carinho os nomes de Jesus e de Maria. Juntamente com eles, muitos cristãos preocuparam-se em dar a conhecer Deus às crianças e aos jovens: catequistas, educadores, sacerdotes, religiosos e religiosas… Todos rejeitaram a tentação de pensar que o tempo passado com as crianças eram horas perdidas. Embora muitas vezes o fruto daquelas pequenas sementes só seja percebido com o passar dos anos – ou talvez nunca seja visto –, encontraram uma alegria profunda na sua missão, porque partilharam com os pequenos o que tinham de mais valioso: a fé.
Educar uma criança implica sacrifício. Qualquer pai, mãe ou professor pode descrever perfeitamente o que isto significa: desistir de alguns planos pessoais, ter muita paciência, esquecer o próprio cansaço... Então percebemos que os nossos pais e educadores viveram tudo isto conosco. Certamente quando éramos pequenos não percebíamos o que significava crescer. E em grande parte isto acontece porque os nossos pais não viam os sacrifícios como renúncias, mas como formas de demonstrar o seu amor por nós. “Quando há Amor, o sacrifício é gostoso – ainda que custe – e a cruz é a Santa Cruz”[4].
SÃO MATEUS conclui a narrativa do encontro do Senhor com as crianças dizendo que “ depois de impor as mãos sobre elas, Jesus partiu dali” (Mt 19, 15). A sua preocupação e cuidado com os pequenos não conduz à superproteção nem a qualquer tipo de controle: dá-lhes o melhor que tem e deixa-os fazer esse dom crescer. Assim “é o amor do Senhor: amor diário, discreto e respeitador, amor feito de liberdade e para a liberdade, amor que cura e eleva”[5].
Através da sua conduta, Jesus oferece-nos o exemplo do bom educador, que é aquele que conduz a pessoa para a frente, no pleno exercício da própria liberdade. Podemos dizer que o contrário de educar é seduzir: não levar para fora, mas atrair para si, tirar do outro algo que se deseja. O Senhor não procura tirar nada aos que se aproximam dele: “Ele não tira nada e dá tudo”[6]. É por isso que vemos as crianças e outras pessoas frágeis tão à vontade com Ele, porque percebem o seu autêntico afeto: ama-as porque sim, sem procurar nada em troca. De certa forma, também podemos experimentar em nós a vulnerabilidade das crianças, por isso queremos um amor que nos ame pelo que somos, e não tanto pelo que podemos dar.
Um amor que procura simplesmente possuir está destinado à infelicidade, pois não respeita o princípio básico do amor: desejar o bem do outro. “Ao contrário, a ternura é uma manifestação deste amor que se liberta do desejo da posse egoísta. Leva-nos a vibrar à vista de uma pessoa, com imenso respeito e um certo receio de lhe causar dano ou tirar a sua liberdade. O amor pelo outro implica este gosto de contemplar e apreciar o que é belo e sagrado do seu ser pessoal, que existe além das minhas necessidades. Isto permite-me procurar o seu bem, mesmo quando sei que não pode ser meu”[7]. A Virgem Maria e São José são dois exemplos desse amor casto e terno. Muitas vezes as crianças aprendem a tratar Jesus vendo-o como uma criança como elas, nos braços dos pais, e depois tratam-no com as mesmas carícias que Maria e José lhe dariam, as mesmas carícias que também recebem dos pais. Por isso, não é estranho que o primeiro contato com Jesus traga consigo o aroma da infância, do terno amor recebido em casa.
[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 1252.
[2] São Josemaria, Em diálogo com o Senhor, n. 115.
[3] São Josemaria, Santo Rosário, Ao leitor.
[4] São Josemaria, Sulco, n. 249.
[5] Francisco, Christus vivit, n. 116.
[6] Bento XVI, Homilia, 24/04/2005.
[7] Francisco, Amoris laetitia, n. 127.