LOGO DEPOIS de começar a Sua vida pública, Jesus elogiou os mansos, dizendo que são bem-aventurados (cf. Mt 5, 5). Mais tarde, diria de Si mesmo: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). A mansidão é uma característica que marcou o caminhar terreno do Senhor. E não só nas palavras, mas acima de tudo nas obras. Diante daqueles que O rejeitavam e conspiravam contra Ele, Cristo não quis rebelar-se ou impor a Sua autoridade: soube acolher, com paciência, as incompreensões e os desprezos. Essa atitude atingiu o seu auge na cruz, porque a mansidão aparece principalmente em momentos de conflito, se manifesta na forma de reagir “a uma situação hostil. Qualquer um pode parecer manso quando tudo está calmo, mas como reage sob pressão, se for atacado, ofendido, agredido?”[1]. São Pedro recorda como Jesus respondeu a essa situação hostil: “ao ser insultado, não respondia com insultos; ao ser maltratado, não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (1Pd 2, 23).
No nosso dia a dia, provavelmente não atravessamos situações tão hostis como as do Senhor, mas provavelmente surgem provações comuns dolorosas. As relações familiares e com os colegas de trabalho são, talvez, o contexto em que temos maior necessidade de viver a mansidão. Isso às vezes significa resistir a uma primeira reação lógica, marcada pela raiva ou pela indignação, para responder com serenidade e paciência, como faria o Senhor, e como gostaríamos que fizessem conosco. A pessoa mansa sabe que é mais importante respeitar as pessoas com espírito cristão do que o assunto concreto que a tenha aborrecido. Desse modo, demonstra um modo de amar que pode ser heroico, pois evita causar um dano maior para se proteger. Nesse sentido, São Josemaria propunha algumas práticas que podem ajudar a imitar a mansidão de Cristo: “Essa palavra acertada, a "piada" que não saiu da tua boca; o sorriso amável para quem te incomoda, aquele silêncio ante a acusação injusta; a tua conversa afável com os maçadores e com os importunos, não dar importância cada dia a um pormenor ou outro, aborrecido ou impertinente, de pessoas que convivem contigo... Isto, com perseverança, é que é sólida mortificação interior”[2].
O MODO de atuar manso e humilde do Senhor havia já sido anunciado por Isaías, como refere São Mateus: “Não discutirá, nem gritará, e ninguém ouvirá a sua voz nas praças. Não quebrará o caniço rachado, nem apagará o pavio que ainda fumega” (Mt 12, 19-20). O segredo do servo sofredor, que o profeta descreve, e que se cumprirá em Jesus Cristo, é que não vive em função do que os outros pensam ou dizem d’Ele. Não está preso aos aplausos nem ao reconhecimento humano, à rejeição ou aceitação da sua mensagem, mas atua com o olhar paterno em mente: “Eis o meu servo, que escolhi; o meu amado, no qual coloco a minha afeição” (Mt 12, 18). Jesus vive para agradar ao seu Pai. Ainda que algumas das suas obras possam ter passado inadvertidas aos seus contemporâneos, sabe que o seu Pai O viu e teve compaixão d’Ele.
A filiação divina permite que nos sintamos contemplados por Deus nos pequenos combates diários, ocultos, talvez não percebidos por olhos humanos. Quando Lhe oferecemos o que nos dispomos a fazer, Ele “já nos está a ouvir e a alentar. Assim, nós, no meio do trabalho quotidiano, conquistamos o modo de ser das almas contemplativas, porque nos invade a certeza de que Deus nos olha, sempre que nos pede uma nova e pequena vitória: um pequeno sacrifício, um sorriso à pessoa importuna, começar pela tarefa menos agradável e mais urgente, ter cuidado com os pormenores de ordem, ser perseverante no dever quando era tão fácil abandoná-lo, não deixar para amanhã o que temos de terminar hoje... E tudo isto para dar gosto ao Nosso Pai Deus!”[3].
Vista assim, a vida do cristão é uma vida de amor. O amor por uma pessoa manifesta-se através de muitos e pequenos pormenores que procuram tornar a sua existência mais agradável. Haverá ocasiões em que o outro conseguirá identificar e agradecer estes detalhes; mas em outras talvez nem repare neles. Em qualquer caso, ainda que às vezes seja natural e lógico exigir um certo reconhecimento, o que a leva a proceder dessa maneira é o desejo de que a pessoa amada seja feliz. Da mesma maneira, uma relação saudável com Deus não se baseia no medo do castigo, ou no mero desejo de cumprir uma série de regras, mas no desejo de Lhe agradar em todos os momentos. Ao mesmo tempo, Ele convida-nos a descobrir a Sua preocupação constante por cada um de nós; de fato, essa é a primeira coisa que espera de nós: que nos deixemos amar por Ele.
O DESEJO de agradar a Deus pode vir acompanhado por um certo medo de O entristecer. Isso é, em parte, lógico, pois significa que O amamos de verdade: ninguém fica preocupado se decepcionar alguém que não conhece. Porém, este sentimento não pode ser o fundamento de uma vida plena. Talvez por isso “na Sagrada Escritura encontramos 365 vezes a expressão ‘não temer’, nas suas múltiplas variações, como se dissesse que o Senhor nos quer livres do medo todos os dias do ano”[4]. O Prelado do Opus Dei apontava, há uns anos, uma das formas que pode adquirir esse medo. Animava a “expor o ideal da vida cristã sem confundi-lo com o perfeccionismo, ensinando a conviver com a própria fraqueza e a dos outros. Assumir com todas as suas consequências uma atitude cotidiana, fundamentada na filiação divina”[5]. Uma pessoa santa teme ofender a Deus e não corresponder ao Seu amor. O perfeccionista, por outro lado, teme não estar a fazer as coisas suficientemente bem e, por isso, teme que Deus fique zangado. Santidade e perfeccionismo não são a mesma coisa, ainda que às vezes possamos confundi-las.
O medo pode aparecer ao ver que, mais uma vez nos deixamos levar pelas nossas paixões, que tornamos a pecar, que somos fracos, até para cumprir os propósitos mais simples. Ficamos zangados e chegamos a pensar que Deus está desiludido conosco. Somos invadidos pela tristeza. Nessas ocasiões, convém recordar que a tristeza é aliada do inimigo: não nos aproxima do Senhor, mas afasta-nos d’Ele. Confundimos a nossa tristeza e a nossa raiva com uma suposta decepção de Deus. Mas, a origem de tudo isso não é o Amor que Lhe temos, mas o nosso eu ferido, a nossa fraqueza não aceita. Perante o possível medo de entristecer Jesus, podemos perguntar-nos: este medo me une a Deus, leva-me a pensar mais n’Ele? Ou faz-me centrar em mim: nas minhas expectativas, na minha luta, nos meus resultados? Leva-me a pedir perdão a Deus na Confissão, e a encher-me de alegria ao saber que me perdoa? Ou conduz-me ao desespero? Quando sentirmos essa tristeza, podemos recorrer à Virgem Maria para recomeçar, sempre, com alegria, sabendo que o Seu Filho se comove cada vez que nos tornamos a levantar depois de uma nova queda.
[1] Francisco, Audiência, 19/02/2020.
[2] São Josemaria, Caminho, n. 173.
[3] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 67.
[4] Francisco, Mensagem para a XXXIII Jornada Mundial da Juventude, 25/03/2018.
[5] Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 14/02/2017, n. 8.