AO LONGO da vida pública de Jesus, repete-se muitas vezes o mesmo esquema: o Senhor tenta isolar-se para fazer uma pausa, rezar, refletir e compartilhar com os seus apóstolos, mas as multidões tornam difícil ter esses tempos. Outras vezes, ele tenta passar despercebido, mas este desejo não se realiza: “Entrou numa casa e não queria que ninguém soubesse onde ele estava. Mas não conseguiu ficar escondido” (Mc 7,24). Ficamos comovidos ao constatar essa necessidade de Jesus, tão humana, de se retirar em solidão. Mas é ainda mais comovente pensar como o Senhor não reserva nada para si e não se afasta da atenção das almas.
Um dos milagres mais conhecidos de Jesus, a multiplicação dos pães e dos peixes, é precedido por uma cena destas. O Senhor convida os doze a ir “sozinhos, de barco, para um lugar deserto e afastado. Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles. Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão” (Mc 6,32-34). Jesus, que parecia ter programado um momento tranquilo, dedica o dia inteiro a estas pessoas, a ponto de os seus apóstolos o convidarem a mandá-las embora porque é demasiado tarde.
São exemplos maravilhosos para quem quer santificar a vida diária. São Josemaria lembra-nos que “precisamente os que não têm tempo é que interessam a Cristo”[1], ou seja, pessoas que vivem ocupadas, que trabalham intensamente. De fato, Jesus viveu assim, e é por isso que os cristãos são chamados a perceber que “é curto o nosso tempo para amar”[2]. Jesus não tinha “horário de atendimento”, porque para ele a redenção não era uma simples tarefa a cumprir. E nós somos chamados a considerar as nossas vidas cristã com esta mesma atitude.
QUANDO OUVIRAM DIZER que Jesus tinha chegado à zona, muitas pessoas começaram a aglomerar-se ao redor da casa onde ele se encontrava. Mas para uma mulher em particular, a presença de Jesus significava algo diferente, decisivo: a oportunidade de pedir cura para a sua filha, que estava possuída por um espírito impuro. Então ela foi diretamente a Nosso Senhor e, com uma atitude humilde de súplica, prostrou-se a seus pés para lhe pedir um milagre. São Josemaria escreve: “Ao considerares que são muitos os que desaproveitam a grande oportunidade, e deixam Jesus passar ao largo, pensa: de onde me vem a mim essa chamada clara, tão providencial, que me mostrou o meu caminho?”[3]. No Evangelho, há muitos que não tinham consciência da grandeza do que estavam contemplando. Felizmente, temos também o exemplo desta mulher, e outros como Jairo ou os amigos do paralítico.
As passagens evangélicas que narram este tipo de petições a Jesus Cristo têm um fator em comum: sentir-se em necessidade. A mulher que pede a cura da sua filha vê em Cristo a sua única opção de melhora, a sua única possibilidade de mudar o curso do destino. “Tu dizes: 'Sou rico e abastado e não careço de nada', em vez de reconhecer que tu és infeliz, miserável, pobre, cego e nu!” (Ap 3,17), recorda-nos com palavras fortes o livro do Apocalipse.
A atitude confiante desta mulher, este saber que precisa de Jesus, é uma imagem de fé autêntica. “Reconhecermo-nos pequenos, necessitados de salvação, é indispensável para acolher o Senhor. É o primeiro passo para nos abrirmos a Ele. No entanto, esquecemo-nos frequentemente disto. Na prosperidade, no bem-estar, temos a ilusão de sermos autossuficientes, de bastarmos a nós próprios, de não precisarmos de Deus (...). Se pensarmos nisto, crescemos não tanto com base nos sucessos e nas coisas que temos, mas sobretudo nos momentos de luta e fragilidade. Na necessidade, amadurecemos (...). Uma boa oração seria esta: ‘Senhor, olha para as minhas fragilidades...’ e enumerá-las perante Ele. Esta é uma boa atitude diante de Deus. Na verdade, é precisamente na fragilidade que descobrimos quanto Deus se preocupa conosco”[4].
O DIÁLOGO que ocorreu entre Jesus e a mulher que se aproximou dele é um exemplo de fé perseverante. Era de origem cananeia, ou seja, não pertencia ao povo escolhido. É por isso que o Senhor, ao ouvir o seu pedido, responde-lhe com palavras que podem soar-nos duras: “Deixa primeiro que os filhos fiquem saciados, porque não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos” (Mc 7,27). O Senhor indica que a sua prioridade nesse momento é recuperar as ovelhas perdidas da casa de Israel. Mas não era a primeira vez que o Senhor parecia colocar obstáculos no caminho do que lhe era pedido: basta pensar em Caná, quando disse à sua Mãe que a sua hora ainda não tinha chegado (cf. Jo 2,4).
No entanto, como nas bodas, Jesus mais uma vez se deixou conquistar pelo coração de uma mãe, que soube expressar o seu amor com uma forma delicada de insistir: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair” (Mc 7,28). Perante esta resposta, vêm imediatamente as palavras de Cristo: “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu queres” (Mt 15,28). Mais uma vez, a narrativa evangélica apresenta a fé como a chave que abre as portas dos nossos corações a Deus, para que Ele possa realizar o seu trabalho.
A grande fé desta mulher é um reflexo da fé de Santa Maria. “Podemos interrogar-nos: deixamo-nos iluminar pela fé de Maria, que é nossa Mãe? Ou então pensamos que Ela está distante, que é demasiado diversa de nós? Nos momentos de dificuldade, de provação, de obscuridade, olhamos para Ela como modelo de confiança em Deus que deseja, sempre e somente, o nosso bem?”[5].
[1] São Josemaria, Sulco, nº 199.
[2] São Josemaria, Amigos de Deus, nº 39.
[3] São Josemaria, Sulco, nº 200.
[4] Francisco, Ângelus, 3/10/2021.
[5] Francisco, Audiência, 23/10/2013.