- Humildade, o caminho que leva a Deus
- O exame de consciência: reconhecer a voz do Senhor
- Valentia para olhar para o nosso coração
TANTO LUCAS como Mateus anotam em seus evangelhos o famoso discurso dos “ais”, no qual o Senhor repreende os escribas e fariseus pela sua incoerência de vida. O Mestre acusa-os duramente porque se preocupavam mais com a aparência do que com o viver de acordo com a verdade. “Ai de vós também, doutores da lei, porque impondes aos homens fardos insuportáveis e vós próprios nem com um só dedo tocais nesses fardos! Ai de vós, porque construís os túmulos dos profetas; no entanto, foram vossos pais que os mataram (...). Ai de vós, mestres da Lei, porque tomastes a chave da ciência” (Lc 11, 46-47.52).
Em vez de abrandar os seus corações, as palavras que ouvem dos lábios de Jesus Cristo levam-nos “a tratá-lo mal” (Lc 11, 53). Na verdade, o Senhor falou severamente com eles. Porém, se tivessem olhado para dentro de si com um pouco de coragem e sinceridade, teriam percebido que as acusações de Jesus eram justas. A humildade, por outro lado, permite-nos aceitar a correção e caminhar rumo à conversão que o Senhor nos pede. Esse é “o caminho que nos conduz a Deus e, ao mesmo tempo, precisamente porque nos conduz a Ele, leva-nos também ao essencial da vida, ao seu verdadeiro significado, à razão mais fiável pela qual vale a pena viver a vida. Só a humildade nos abre à experiência da verdade, da alegria genuína, do conhecimento que conta. Sem humildade, estamos desligados (…) da compreensão de Deus, da compreensão de nós mesmos”[1].
Em outras passagens do Evangelho vemos como Jesus se comove com a simplicidade das crianças que se aproximam d'Ele e que ainda não aprenderam a mentir; com a fraqueza dos leprosos que pedem a cura sem se intimidarem pelo que vão dizer; com a honestidade dos que perguntam porque querem saber a verdade. O Mestre aprecia autenticidade e honestidade. Por isso, em outra ocasião, pregará: “A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno” (Mt 5, 37).
A TENDÊNCIA à justificação que os fariseus e escribas tinham é tão antiga quanto o próprio homem. Quando Deus se surpreende ao ver a vestimenta de folhas que Adão vestiu e lhe pergunta se ele comeu do fruto da árvore, o primeiro homem se desculpa: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi” (Gn 3, 12). A sua reação é culpar Eva, para tranquilizar a sua consciência sobre o que tinha acabado de acontecer.
D. Javier Echevarría conta que São Josemaria: “lutou sempre contra todo o gênero de desculpas que entravam o cumprimento do dever, ainda que não constituam uma ofensa grave ao Senhor. Esclarecia que é nesses detalhes que se expressa o amor. Por isso, rejeitava radicalmente cinco argumentos que não hesitava em qualificar como diabos: é que..., pensei que..., julguei que..., amanhã..., mais tarde...”[2]. O desejo de ter um coração atento e vigilante leva a ouvir a voz de Deus em todas essas pequenas lutas.
O exame de consciência é um meio que nos ajuda a nos conhecermos melhor e a reconhecer os apelos que Deus nos dirige todos os dias. Quando percebermos que houve um momento em que não soubemos responder generosamente, podemos pedir ao Senhor a graça de recomeçar no dia seguinte. Como dizia São Josemaria:“A nossa vida – a dos cristãos – tem de ser assim tão vulgar como isto: procurar fazer bem, todos os dias, as mesmas coisas que temos obrigação de viver; realizar no mundo a nossa missão divina, cumprindo o pequeno dever de cada instante. Melhor: esforçando-nos por cumpri-lo, porque às vezes não o conseguimos e, ao vir a noite, no exame, teremos que dizer a Nosso Senhor: – Não te ofereço virtudes; hoje só posso oferecer-te defeitos, mas – com a tua graça – chegarei a chamar-me vencedor”[3].
A CHAMADA e o seguimento de Cristo estão intimamente ligados à necessidade de nos examinarmos sobre o nosso amor a Deus. Na oração precisamos enfrentar as nossas fragilidades, sem medo, através de um exame de consciência sincero, que nos permite dar nome e sobrenome ao que nos acontece. O Bem-aventurado Álvaro, numa das suas primeiras cartas pastorais, aconselhava a “fazer com consciência o exame de consciência”[4]. Ou seja, animava os seus filhos a ter coragem de olhar para dentro do coração, indo até o fundo, para encontrar as causas das fraquezas.
Este esforço para nos conhecermos melhor pode nos ajudar a crescer em liberdade, porque assim descobrimos que o Senhor nos contempla continuamente e age em nossa existência, e isso nos impulsiona a viver autenticamente. Pelo contrário, “O esquecimento da presença de Deus na nossa vida vai junto com a ignorância sobre nós mesmos – ignorar Deus e ignorar a nós mesmos – ignorância sobre as caraterísticas da nossa personalidade e sobre os nossos desejos mais profundos”[5]. Neste exame podemos reavivar os ideais que queremos que nos movam e pedir a Deus a sua graça para nos ajudar a viver de acordo com a nossa vocação. Desta forma poderemos acompanhar de perto o Senhor, sem cair na armadilha das coisas que nos separam d'Ele. Quando Jesus chamou os primeiros apóstolos, eles, “’statim’, imediatamente, ‘relictis omnibus’, abandonando todas as coisas, tudo! seguiram-no… E acontece algumas vezes que nós, que desejamos imitá-los, não acabamos por abandonar tudo e fica-nos um apego no coração, um erro na nossa vida, que não queremos cortar para o oferecer ao Senhor. – Examina o teu coração bem a fundo? Não há de ficar lá nada que não seja dele; se não, não o amamos bem, nem tu nem eu…”[6].
A Virgem Maria soube dirigir os seus afetos para a missão que o anjo tinha anunciado: ser Mãe de Deus. Daquele dia em diante, toda a sua vida, até os mínimos detalhes, giraria em torno dessa vocação. Ela pode nos ajudar, para que todo o nosso dia seja também expressão do amor que temos pelo seu Filho, e que se estende às pessoas que nos rodeiam.
[1] Francisco, Audiência, 22/12/2021.
[2] Javier Echevarría, Recordações sobre Mons. Escrivá.
[3] São Josemaria, Forja, n. 616.
[4] B. Álvaro del Portillo, Carta 08/12/1976, n. 8.
[5] Francisco, Audiência, 05/10/2022.
[6] São Josemaria, Forja, n. 356