O SENHOR quis que os discípulos participassem do Seu desejo ardente de levar o Evangelho a todas as criaturas. Por isso, em alguns momentos do Seu ministério, enviou-os “dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10, 1), para que preparassem o caminho para a Sua vinda. Algo semelhante acontece também hoje com todos os cristãos, para que nos sintamos como aqueles setenta e dois que o Senhor enviou. Saber que somos enviados por Deus nos ajudará a crescer na abertura do coração, sabendo que o Evangelho é sempre um chamado missionário e universal. Podemos dizer com um dos antigos Padres: “Meu nome é Cristão, meu sobrenome é Católico”[1]. A Igreja é católica porque tem um coração aberto a todas as pessoas, e isso também se reflete no nosso diálogo com Deus: “a nossa oração não deve limitar-se apenas às nossas carências, às nossas necessidades: uma oração é verdadeiramente cristã se tiver também uma dimensão universal”[2].
Ao mesmo tempo, Jesus queria que estes discípulos compartilhassem a sua preocupação pela necessidade de operários para trabalhar no campo do mundo, para colher os frutos da sua obra de salvação. “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita” (Lc 10, 2). Este convite pode parecer estranho em um primeiro momento. “Porque deveríamos nós – que somos apenas trabalhadores – implorar ao dono da messe que envie mais trabalhadores? O que importa se a colheita fracassar, se vamos receber o mesmo pagamento?”.
Jesus quer que os discípulos tenham amor pelo campo. Ou seja, que não se limitem apenas a prestar contas, mas que considerem a terra do mundo como algo seu, que lhes pertence. Em última análise, o Senhor quer que partilhemos os desejos mais profundos do seu coração, sentindo-nos participantes daquela sede de almas que O fazia exclamar: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse acesso!” (Lc 12, 49). Cristo tem “sede de nós, do nosso amor, das nossas almas e de todas as almas que lhe devemos levar, pelo caminho da Cruz, que é o caminho da imortalidade e da glória do Céu”[3].
NAS INSTRUÇÕES que Jesus dá aos setenta e dois (cf. Lc 10, 2-12) encontramos também as orientações da nossa missão de cristãos no meio do mundo. “Cristo não se limita a enviar: Ele oferece também aos missionários regras de comportamento claras e específicas. Em primeiro lugar, envia-os "dois a dois", para que se ajudem mutuamente e deem testemunho de amor fraternal. Adverte-os que serão "com cordeiros no meio de lobos": ou seja, deverão ser pacíficos apesar de tudo e transmitir uma mensagem de paz em todas as situações; não levarão consigo roupas, nem dinheiro, vivendo daquilo que a Providência lhes oferecer; cuidarão dos enfermos, como sinal da misericórdia de Deus; onde forem rejeitados, irão embora, limitando-se a alertar acerca da responsabilidade da recusa ao Reino de Deus”[4].
Os primeiros cristãos souberam encarnar estas instruções do Senhor. Viviam entre si uma caridade que despertou a admiração dos seus contemporâneos[5]. Também souberam transmitir a paz no meio das perseguições e adversidades, porque sabiam que os seus nomes estariam escritos no céu (cf. Lc 10, 20). Além disso, fizeram questão de que a nenhum dos irmãos faltasse o que necessitavam, colocando à sua disposição os seus próprios bens (cf. At 2, 45).
Por isso, São Josemaria se inspirava nos primeiros cristãos quando falava de santidade no meio da vida cotidiana, porque sabiam testemunhar Cristo ressuscitado através das suas atividades diárias. “Faze a tua vida normal - comentava o fundador do Opus Dei -; trabalha onde estás, procurando cumprir os deveres do teu estado, acabar bem as tarefas da tua profissão ou do teu ofício, superando-te, melhorando dia a dia. Sê leal, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo. Sê mortificado e alegre. Esse será o teu apostolado. E sem saberes por quê, dada a tua pobre miséria, os que te rodeiam virão ter contigo e, numa conversa natural, simples - à saída do trabalho, numa reunião familiar, no ônibus, ao dar um passeio, em qualquer parte -, falareis de inquietações que existem na alma de todos, embora às vezes alguns não as queiram reconhecer: irão entendendo-as melhor quando começarem a procurar Deus a sério”[6].
A MENSAGEM que os discípulos são chamados a levar é, sobretudo, uma mensagem de proximidade: “O Reino de Deus está próximo de vós” (Lc 10, 9). A princípio, parece que este anúncio, que ressoa também em outras partes do Evangelho, é apenas uma ameaçadora exortação à conversão, dada a iminência do juízo final. Contudo, nestas palavras ressoa sobretudo a ternura de Deus, que literalmente se aproximou de cada um de nós com a Encarnação do Seu Filho. “Se o Deus dos Céus está próximo, não estamos sozinhos na terra e não perdemos a confiança nem mesmo no meio das dificuldades. Eis a primeira coisa a dizer às pessoas: Deus não está distante, é Pai. (…) quer dar a sua mão, até quando você percorre caminhos íngremes e acidentados, até quando você cai e tem dificuldade para se levantar e retomar o caminho; Ele, o Senhor, está aí, com você. Aliás, muitas vezes, nos momentos em que você se sente mais frágil, pode sentir a sua presença mais forte”[7].
Esta é a atitude que Jesus quer transmitir aos seus discípulos: aproximar-se dos outros e derramar neles a ternura e a proximidade de Deus. E não só com aqueles que acolhem com entusiasmo o anúncio do Evangelho, mas também com os seus perseguidores: “Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 44-45). Como escreveu São Josemaria: “Pequeno amor é o teu se não sentes zelo pela salvação de todas as almas. Pobre amor é o teu se não tens ânsias de pegar a tua loucura a outros apóstolos”[8]. Podemos pedir à Virgem Maria, rainha dos apóstolos, que partilhemos o desejo do seu Filho, “que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4).
[1] São Paciano, Epístola, 1,4.
[2] Francisco, Ângelus, 07/07/2019
[3] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 202.
[4] Bento XVI, Ângelus, 08/07/2007.
[5] cf. Tertuliano, Apologético 39, 7 (CCL 1, 151).
[6] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 273.
[7] Francisco, Ângelus, 18/06/2023.
[8] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 796.