- Deus conta com as pessoas que nos rodeiam
- A oração ajuda-nos a olhar a realidade
- Felizes na terra e no céu
JESUS E OS SEUS DISCÍPULOS “chegaram a Betsaida. Algumas pessoas trouxeram-lhe um cego e pediram a Jesus que tocasse nele” (Mc 8, 22). Os apóstolos André, Pedro e Filipe eram da mesma aldeia de pescadores, situada junto ao Mar da Galileia. Provavelmente conheciam o cego e as pessoas que o trouxeram até ao Senhor. O fato é que este não era um lugar que tivesse demonstrado grande fé em Jesus; na verdade, mais tarde, o Senhor lamentará a resposta de Corozaim e Betsaida, apesar de terem testemunhado tantos milagres.
Talvez nós também, apesar de termos visto ou experimentado as obras de Deus, e de termos ouvido tanto o Senhor, possamos às vezes, ter uma fé fraca. Então agradecemos que Deus tenha colocado ao nosso lado pessoas, como os amigos do cego, que de alguma forma nos colocam diante de Jesus, que nos falam d'Ele com palavras ou atos. Podemos pensar, por exemplo, “nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia (...). Esta é muitas vezes a santidade ‘da porta do lado’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – com outras palavras – da ‘classe média da santidade’”[1].
“Um dia - não quero generalizar; abre teu coração ao Senhor e conta-lhe a tua história -, talvez um amigo, um simples cristão igual a ti, te fez descobrir um panorama profundo e novo, e, ao mesmo tempo, antigo como o Evangelho”[2]. Sempre de formas diferentes, é possível que esta cena continue a se repetir ao longo da nossa vida. De fato, Deus faz-se presente nas nossas relações e, se estivermos atentos, através delas procura curar a nossa cegueira e fortalecer a nossa fé.
NAQUELA TARDE, “Jesus pegou o cego pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele, colocou as mãos sobre ele, e perguntou: Estás vendo alguma coisa? O homem levantou os olhos e disse: Estou vendo os homens. Eles parecem árvores que andam” (Mc 8, 22-24). Referindo-se àqueles primeiros gestos feitos pelo cego pela mão do Senhor – levantar os olhos da terra e ver, pelo menos, entre as sombras – São Jerônimo comenta: “maravilhosamente escreveu o Evangelista: "levantando os olhos": aquele que, quando era cego, olhava para baixo, olhou para cima e foi curado. E "vejo os homens como árvores que andam" é equivalente a dizer: até agora só vejo as sombras, ainda não vejo a realidade”[3].
Para levantar o olhar e descobrir a realidade autêntica, é necessário entrar em caminhos de oração. São Josemaria aconselhava que um dos primeiros atos de serviço que se podia oferecer a quem fosse a um centro da Obra procurando reavivar a sua vida espiritual seria precisamente ajudá-los a rezar. “A princípio custa; é preciso esforçar-se por dirigir o olhar para o Senhor, por agradecer a sua piedade paternal e concreta para conosco. Pouco a pouco, o amor de Deus - embora não seja coisa de sentimentos - torna-se tão palpável como uma flechada na alma. É Cristo que nos persegue amorosamente: Eis que estou à tua porta e bato. Como vai a tua vida de oração? Não sentes às vezes, durante o dia, desejos de conversar mais com Ele? Não lhe dizes: mais tarde te contarei isto, mais tarde conversarei sobre isto contigo? Nos momentos expressamente dedicados a esse colóquio com o Senhor, o coração se expande, a vontade se fortalece, a inteligência - ajudada pela graça - embebe em realidades sobrenaturais as realidades humanas”[4].
Então, tal como o cego do Evangelho, levantaremos cada vez mais os olhos para o céu; e os contornos da realidade tornar-se-ão menos desfocados. “A oração é o respiro da fé, é a sua expressão mais adequada. Como um grito que sai do coração de quem crê e confia em Deus”[5].
JESUS, CHEIO de paciência, “colocou de novo as mãos sobre os olhos dele e ele passou a enxergar claramente. Ficou curado, e enxergava todas as coisas com nitidez” (Mc 8, 25). A recompensa pela piedade que se acendeu no cego de Betsaida será maior do que ele poderia esperar: a primeira coisa que vê, depois da confusão das árvores, é o olhar do Filho de Deus. Talvez em poucos segundos, aquele que acabou de ser curado tenha tido uma amostra daquilo que acontecerá a todos no céu, depois de uma vida inteira procurando Deus: “Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria[6].
O caminho cristão, embora certamente veja de forma realista os sofrimentos e dificuldades do presente, é um caminho alegre, porque olha para as coisas do ponto de vista de Deus e sabe que conta com a sua constante companhia. São Josemaria preveniu-nos sobre as visões da luta que colocam maior ênfase no sofrimento do que no consolo de Deus: “Nosso Senhor está na Cruz, mas não como algumas pessoas pensam. Alguns, quando lhes surge uma contradição, pensam que Jesus Cristo diz: estou aqui sofrendo, sofram vocês! ... Não! Ele disse: Eu sofro para que vocês sejam felizes. Ele quer que sejamos felizes na eternidade e felizes na terra”[7]. Podemos pedir à nossa mãe, Maria, “uma fé firme, jubilosa e misericordiosa; que nos ajude a ser santos, para nos encontrar com ela, um dia, no Paraíso”[8].
[1] Francisco, Gaudete et exsultate, n. 7.
[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 1.
[3] São Jerônimo, Comentário ao Evangelho de São Marcos, V.
[4] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 8.
[5] Francisco, Audiência 6/05/2020.
[6] Bento XVI, Spe Salvi, n. 12.
[7] São Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 26/05/1974.
[8] Francisco, Ângelus 15/08/2017.