Meditações: Domingo da 22ª Semana do Tempo Comum (Ano B)

Reflexão para meditação no domingo da 22ª semana do Tempo Comum. Os temas propostos são: amar a Deus com o coração e com as obras; formar a sensibilidade; ter um mundo interior rico.


A LEI de Moisés prescrevia uma série de ritos que significavam a pureza moral necessária para nos aproximarmos de Deus. Mais tarde, a tradição os estendeu a outras áreas para dar um valor religioso a todas as ações. Antes de comer, por exemplo, os judeus costumavam lavar as mãos várias vezes, e faziam o mesmo com copos, jarros e vasilhas. Dessa forma, a pureza do exterior simbolizava e expressava a pureza do interior. Entretanto, na época de Cristo, em alguns lugares o legalismo das regras rituais havia abafado o verdadeiro significado da adoração a Deus. Dava-se mais importância ao gesto exterior do que à atitude interior. E em uma ocasião, quando alguns fariseus criticaram os discípulos de Jesus por comer sem lavar as mãos, o Senhor aproveitou a oportunidade para falar sobre a verdadeira pureza (cf. Mc 7:1-23).

“Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7,6). Cristo adverte sobre a falta de coerência de alguns fariseus, que estão mais preocupados em manter as aparências do que em desenvolver um mundo afetivo que se alegra por fazer o bem. Embora guardem zelosamente os costumes da época, na realidade fazem isso para ganhar o respeito dos outros; ou seja, lavam o exterior de seu próprio copo, mas se esquecem de limpar o interior, que, afinal, é o mais importante, pois é o que contém a bebida. Há, portanto, uma profunda divisão na pessoa desses fariseus. Por um lado, eles se comportam exteriormente sem mácula, têm um plano de vida valioso e vivem uma vida que, teoricamente, está perto de Deus; por outro lado, escondem o verdadeiro motivo de suas ações, desenvolvem sentimentos que os afastam de Deus e alimentam desejos que não estão de acordo com sua identidade.

O Senhor quer que o amemos não apenas com as obras, mas, acima de tudo, com o coração. Somos uma unidade. Não é possível realizar um projeto de vida que valha a pena se o nosso mundo interior, composto de desejos, esperanças e sentimentos, não estiver alinhado com ele. Por isso, São Josemaria dizia que o segredo da perseverança é o amor[1].Se esse for o motivo principal que move nossas ações, aprenderemos a apreciar a intimidade com Deus, o serviço aos outros, o cumprimento dos mandamentos... Dessa forma, até os nossos erros serão uma oportunidade para nos convertermos e fortalecermos nosso relacionamento com o Senhor. “Se fores fiel, poderás chamar-te vencedor. Na tua vida, mesmo que percas alguns combates, não conhecerás derrotas. Não existem fracassos – convence-te –, se atuas com intenção reta e com ânsias de cumprir a Vontade de Deus. Então, com êxito ou sem êxito, triunfarás sempre, porque terás feito o trabalho com Amor”[2].


DE ACORDO com os costumes judaicos, havia certos alimentos que não podiam ser consumidos por serem impuros. No entanto, o Senhor convidou a multidão a olhar para o próprio coração, pois é nele que são forjados os afetos e os desejos que podem levar ao afastamento de Deus: “o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (Mc 7,20-23).

Jesus afirma, portanto, que as más ações, antes de serem exteriorizadas, originaram-se no interior de cada pessoa. Por isso, é importante prestar atenção à sensibilidade – entendida como um conjunto de sentimentos, desejos e atrações – para estar perto do Senhor. Ignorar o que alegra ou entristece o coração dificulta o autoconhecimento e nos impede de orientar a valiosa energia do mundo interior para os ideais que inspiram a existência. Nas escolhas que fazemos a cada dia, desenvolvemos gradualmente nossa sensibilidade. Se estiver de acordo com a nossa vocação, podemos ir além da superfície do gesto em si e aprender a apreciar um momento de oração, um trabalho bem feito ou um ato de serviço. Se, por outro lado, nos afastar de Deus e não estiver em sintonia com a nossa identidade, a energia do nosso mundo interior vai na direção oposta à que queremos, ou seja, reforça desejos e sentimentos contrários à nossa vocação e, portanto, também influenciará ações futuras. Por exemplo, se contarmos uma mentira para ficar bem na frente de um grupo de amigos, nos sentiremos mais compelidos a fazer isso quando nos encontrarmos em uma situação semelhante.

Nos momentos de oração com o Senhor e no exame de consciência da noite, podemos reler as coisas que aconteceram em nossa vida diária. Deus pode nos ajudar a descobrir nossos sonhos, nossas tristezas e, acima de tudo, as coisas que procuramos para saciar nossa sede de felicidade. Dessa forma, “vemos que o nosso coração não é uma estrada onde acontece de tudo sem que nós o saibamos. Não. Ver: o que ocorreu hoje? O que aconteceu? O que me fez reagir? O que me entristeceu? O que me alegrou? O que foi desagradável e se pratiquei algum mal aos outros. Trata-se de ver o percurso dos sentimentos, das atrações no meu coração durante o dia”[3]. Dar um nome concreto às experiências internas que acontecem conosco nos ajudará a nos conhecermos melhor. Esse é o primeiro passo para libertar o coração de tudo o que nos afasta de Deus.


O FATO de que as más ações têm origem no interior do homem não significa que as realidades externas não sejam importantes. De fato, elas podem ter uma influência significativa. Por exemplo, se nossa vida diária é repleta de imagens e sons estimulantes, e a mera presença do silêncio nos deixa desconfortáveis, é provável que tenhamos dificuldade para perceber a voz de Deus na oração, pois ela é como “o sussurro de uma brisa suave” (1 Reis 19,12). Satisfazer constantemente as exigências dos sentidos faz com que o mundo exterior assuma o controle da nossa interioridade. Isso não significa que ele necessariamente nos proponha coisas ruins, mas nos impede de ter o costume de distinguir entre as coisas que nos aproximam de Deus e as que não, pois facilmente deixamos de ver, por trás de uma aparência de bondade, a desordem que o pecado introduziu no mundo. “Deste modo, hipnotiza-nos com a atratividade que tais coisas suscitam em nós, coisas bonitas, mas ilusórias, que não podem cumprir o que prometem, e assim no final deixam-nos uma sensação de vazio e de tristeza. Aquela sensação de vazio e tristeza é um sinal de que empreendemos uma estrada que não era correta, que nos desorientou”[4].

São Josemaria nos convidava a ter um olhar exterior relacionado com o mundo interior. “Para que hás de olhar, se ‘o teu mundo’, o levas dentro de ti?”[5] Uma interioridade rica, que aprecia tudo o que tem a ver com sua vocação, ajuda a dar a devida importância às coisas externas. Ouvir uma música, assistir a um vídeo ou ouvir uma notícia pode esperar se eu souber que adiar essa satisfação me ajudará a trabalhar ou rezar melhor mais tarde. E qualquer coisa que puder prejudicar a alma não será percebida apenas como ruim, mas também como feia, desagradável ou fora de sintonia. É claro que pode atrair de alguma forma, mas será fácil rejeitar essa atração se ela realmente não nos agradar, porque ela quebra a harmonia e a beleza do clima interior. Nenhuma criatura humana tinha um mundo interior tão rico quanto a Virgem Maria. Ela poderá nos ajudar a compreender em nosso coração as coisas que nos acontecem e a desenvolver uma sensibilidade que aproveita a vida junto com seu Filho.


[1] Cf. São Josemaria, Caminho, n. 999.

[2] São Josemaria, Forja, n. 199.

[3] Francisco, Audiência, 5 de outubro de 2022.

[4] Ibid.

[5] São Josemaria, Caminho, n. 184.