O FIM do ano litúrgico chega com a solenidade de Cristo Rei. Estas semanas em que a Igreja nos propôs considerar as verdades últimas levam-nos a uma certeza: Jesus Cristo é o Senhor da história universal e, ao mesmo tempo, de cada história pessoal. Como rezamos na oração coleta: “Deus eterno e Todo-Poderoso, que quisestes restaurar todas as coisas em vosso amado Filho, Rei do universo, concedei benigno que todas as criaturas, libertas da escravidão, sirvam à vossa majestade, vos glorifiquem sem cessar”. Nada do que acontece escapa ao seu conhecimento. Nenhum dos nossos cuidados ou desejos é perdido, porque Ele governa tudo.
O Bem-aventurado Álvaro del Portillo escolheu como lema episcopal uma das jaculatórias que São Josemaria repetia desde muito jovem: Regnare Christum volumus, queremos que Cristo reine. “Cristo deve reinar, acima de tudo, na nossa alma. Mas que resposta lhe daríamos se nos perguntasse: como me deixas reinar em ti? Eu lhe responderia que, para que Ele reine em mim, necessito da sua graça abundantemente: só assim é que o último latejo do coração, o último alento, o olhar menos intenso, a palavra mais intranscendente, a sensação mais elementar se traduzirão num hosanna ao meu Cristo Rei”[1].
“Jesus hoje pede-nos para deixarmos que Ele Se torne o nosso rei. Um rei que com a sua palavra, o seu exemplo e a sua vida imolada na cruz nos salvou da morte, e indica – este rei – o caminho ao homem perdido, dá luz nova à nossa existência marcada pela dúvida, pelo medo e pelas provações de cada dia. Mas não devemos esquecer que o reino de Jesus não é deste mundo. Ele só poderá dar um sentido novo à nossa vida, às vezes submetida a dura prova inclusive pelos nossos erros e pecados, se não seguirmos as lógicas do mundo e dos seus reis”[2].
O EVANGELHO de hoje nos mostra Jesus anunciando como será o Juízo Universal. Ele mesmo, sentado no trono da Sua glória, “separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Mt 25, 32). Pode surpreender que o Senhor, ao falar daquele momento, não se apresente como um juiz temeroso, mas como um pastor misericordioso. Jesus é o primeiro interessado na nossa salvação. Ele é o pastor que, quando as ovelhas se afastam, faz todo o possível para trazê-las de volta ao rebanho. Lemos na primeira: “Eu mesmo vou apascentar as minhas ovelhas e fazê-las repousar – oráculo do Senhor Deus –. Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada” (Ez 34, 15-16).
São Josemaria recordava que o Senhor “não é um Dominador tirânico, nem um Juiz rígido e implacável: é nosso Pai. Fala-nos dos nossos pecados, dos nossos erros, da nossa falta de generosidade; mas é para nos livrar de tudo isso, para nos prometer a sua Amizade e o seu Amor. A consciência da nossa filiação divina dá alegria à nossa conversão: diz-nos que estamos voltando para a casa do Pai”[3]. Por isso, “a imagem do Juízo final não é primariamente uma imagem aterradora, mas de esperança”[4].
Quando uma pessoa age apenas por medo –de um possível castigo, de ficar mal, ou por outros motivos – ela não consegue dar sentido pleno ao que faz. Pode realizar ações externamente corretas, mas como a motivação não é adequada, será difícil aproveitar o bem que estas ações trazem para a própria vida: simplesmente se comportará de maneira a evitar consequências negativas. Por isso, Jesus, ao apresentar-Se como Juiz-Pastor, chama-nos a esperar sem medo aquele encontro final com Ele. Além do mais, será um momento muito esperado, pois contemplaremos o Amor que deu sentido a todas as nossas ações. “Será que não brilha na tua alma o desejo de que teu Pai-Deus fique contente quando tiver que julgar-te?”[5].
NESSE JUÍZO, o Senhor elogia aqueles que O viram necessitado e vieram em seu auxílio. Quando esses justos Lhe perguntam quando fizeram tal coisa, já que não se lembram, Jesus assegura-lhes: “Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40). Algo semelhante, mas ao contrário, diz a quem não cuidou dos mais fracos: “Em verdade eu vos digo, todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes” (Mt 25, 45). Desta forma, Cristo não só Se apresenta como pastor, mas também Se identifica com as ovelhas do rebanho: qualquer gesto de carinho ou rejeição para com os nossos irmãos, especialmente os mais necessitados, é como se o dirigíssemos a Ele mesmo.
O Senhor conclui assim o Seu anúncio do Juízo: aqueles que ignoraram as necessidades dos outros “irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt 25, 46). Deste modo, afirma que “no final da nossa vida, seremos julgados sobre o amor, ou seja, sobre o nosso compromisso concreto de amar e servir Jesus nos nossos irmãos mais pequeninos e necessitados. Aquele mendigo, esse necessitado que estende a mão é Jesus; aquele doente que devo visitar é Jesus; esse preso é Jesus; aquele faminto é Jesus”[6]. Assim Cristo demonstra sua realeza: tornando-se presente nos mais fracos. Podemos pedir à Virgem Maria que nos ajude a reconhecer o seu Filho nas pessoas com quem nos encontramos, sabendo que com o nosso desejo de servi-las estamos amando o Rei do Universo.
[1] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 181.
[2] Francisco, Ângelus, 25/11/2018.
[3] São Josemaria, ÉCristo que passa, n. 64.
[4] Bento XVI, Spe Salvi, n. 44.
[5] São Josemaria, Caminho, n. 746.
[6] Francisco, Ângelus, 26/11/2017.